A exposição pré-natal aos opioides — medicamentos cuja base envolve elementos, como codeína, di-hidrocodeína, tramadol, metadona, fentanil, morfina e oxicodona — foi associada a um risco aumentado de infecção, eczema e dermatite e asma em bebês filhos de mães que fizeram o uso dessas substâncias. É o que aponta pesquisa feita com 401 mil recém-nascidos.
O estudo da University of Western da Austrália foi publicado, na revista Jama, e investigou os efeitos dos opioides durante a gravidez nas condições relacionadas ao sistema imunológico em crianças. Os cientistas identificaram três tipos de problemas.
- De acordo com o estudo, há possibilidades de doenças infecciosas, condições associadas a um sistema imunológico hiperativo e inflamação, e doenças autoimunes, como artrite idiopática juvenil, lúpus eritematoso sistêmico, doença inflamatória intestinal e diabetes tipo 1.
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Resultados
Para a pesquisa, os pesquisadores utilizaram dados do Sistema de Notificação de Partos, Coleta de Dados de Morbidade Hospitalar, Coleta de Dados de Pronto-Socorro e Registro de Óbitos da Austrália Ocidental. Também foram empregados modelos de regressão logística para analisar as condições perinatais e modelos para examinar as condições infantis, controlando para fatores, como idade gestacional.
Os resultados revelaram que 0,4% das 401.462 crianças estudadas tiveram exposição pré-natal a opioides (POE), e esses bebês apresentaram diferenças significativas em relação a características perinatais em comparação com aquelas sem POE.
Os autores também destacaram a importância de considerar a situação socioeconômica, o tabagismo materno durante a gravidez e outras variáveis relevantes ao interpretar os resultados.
As informações analisadas mostraram que crianças com POE tinham um risco significativamente maior de hospitalização ou de necessidade de ir ao pronto-socorro em razão de doenças infecciosas, como pneumonia, meningite e sepse, em comparação com aquelas sem POE.
Os bebês expostos aos opioides ainda na barriga da mãe tiveram um risco elevado de eczema e dermatite, bem como de condições associadas a um sistema imunológico hiperativo e inflamação, como asma, alergias e artrite idiopática juvenil.
Análises
Daniela Anderson, pediatra e docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), detalha que, quando a mãe ingere essas substâncias, seja para controle de dor ou de alguma patologia, ele se dilui na corrente sanguínea materna e chega até a corrente sanguínea do bebê, atravessando a barreira placentária.
"Podem ter múltiplos efeitos no bebê em formação, principalmente quando utilizado em grande quantidade e de modo recorrente no primeiro semestre", afirma Daniela Anderson.
Os autores também observaram que a presença de síndrome de abstinência neonatal (NAS) pode desempenhar um papel importante no risco de condições perinatais, incluindo infecção, eczema e dermatite. No entanto, após o período perinatal, a NAS pode não ser um fator primário para condições relacionadas ao sistema imunológico.
João Paulo Becker Lotufo, especialista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) para assuntos de álcool, tabaco e outras drogas, reforça que reconhecimento das substâncias pelo cérebro do feto pode aumentar sua possibilidade de dependência no futuro.
"Qualquer droga utilizada na gestação terá forte impacto na formação do cérebro do feto. Isso ocorre com nicotina, álcool, maconha e opiáceos. A síndrome de abstinência de todas as drogas pode ocorrer aumentando a permanência dos RN nas maternidades", alerta Becker. "A conduta com tabaco, álcool e maconha seria um tratamento de suporte, mas com opioides a abstinência é mais severa e necessita de cuidados especiais para diminuí-la", acrescenta ele.
Conforme os cientistas, os resultados sugerem ainda que a exposição a opioides durante a gravidez pode modificar o desenvolvimento do sistema imunológico, alterando como ele reage. No entanto, os autores observaram uma diferença substancial entre as condições e os opioides usados para indicações específicas, incluindo o tratamento da dor e do transtorno do uso de opioides.
Lucas Fadel, coordenador da UTI neonatal e infantil da Santa Casa de São José dos Campos, em São Paulo, frisa que ainda não são claros os mecanismos da relação entre a exposição pré-natal aos opioides e a interferência no desenvolvimento do sistema imunológico.
"O ensaio ainda tem muitas limitações estatísticas e populacionais para se traçar tal paralelo. Seria interessante outro trabalho comparando a exposição aos opioides não indutores de imunossupressão com os indutores", afirma Fadel. "Para avaliar um tratamento analgésico com menor potencial deletério ao sistema imune dos bebês no caso de ser necessário opioides em gestantes."
Os pesquisadores consideram que os achados do estudo têm implicações relevantes para a prática clínica e no desenvolvimento de políticas de saúde. Destacando a importância de uma abordagem integrada para identificar e apoiar crianças expostas a opioides antes do nascimento. Ressaltam também a necessidade de considerar fatores socioeconômicos e comportamentais ao avaliar o risco de condições imunológicas dos pequenos.
Olhar para a mãe
"Precisamos sempre cuidar da saúde materna, mesmo antes do período da concepção, para haver ter uma boa qualidade de vida e isso, consequentemente, faz com que o uso excessivo de opioides diminua. É importante realizar atendimento sobre a questão emocional da mulher e, junto a isso, prescrever bons hábitos de vida que façam com que essa futura mãe tenha menos doenças relacionadas ao sedentarismo. Ter uma alimentação saudável, evitar alimentos ultraprocessados e praticar exercícios regularmente pode impactar em médio e longo prazo na redução do uso de opioides e, consequentemente, minimizar as consequências que acometem os fetos em gestação."
Daniela Anderson, pediatra e docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
O fungo e as cáries
Candida albicans é um fungo patogênico recentemente reconhecido por seu papel no desenvolvimento de cáries graves na primeira infância. Um estudo, publicado, na revista Plos One, investigou a colonização oral por C. albicans em mães e crianças, revelando alta similaridade genética entre os germes isolados de genitoras e filhos. Os resultados indicaram uma alta taxa de transmissão vertical do fungo, com potenciais implicações para a prevenção e tratamento de cáries dos pequenos.
O estudo incluiu 160 pares de mãe e filho. Foram selecionados pacientes que frequentavam clínicas odontológicas em Nova York. Os materiais isolados de C. albicans foram obtidos da saliva e da placa dental de mulheres grávidas e seus filhos, em oito visitas ao longo de dois anos. A análise genética revelou 227 isolados do fungo, sendo 94% deles de mãe e filho altamente relacionados geneticamente.
Para os estudiosos, o ensaio fornece informações valiosas sobre a colonização oral de C. albicans em mães e filhos, destacando a contribuição materna para a transmissão desse fungo patogênico. Além disso, abre caminho para futuras pesquisas que possam se aprofundar nesse tema e suas aplicações clínicas.
Giovanna Zanini Rodrigues, dentista pela Universidade de Brasília, detalha que a transmissão vertical do fungo ocorre de mãe para filho durante o parto ou através do aleitamento materno. "Há ainda a transmissão horizontal, que envolve a disseminação através do contato direto com secreção oral contaminada", diz ela.
A dentista acrescenta que o Candida Albicans é oportunista. "Destaco a necessidade de procurar um profissional de saúde bucal para realizar o diagnóstico e determinar o tratamento. É importante ainda manter a higiene bucal adequada e evitar o compartilhamento de objetos pessoais", completa.