O câncer de próstata é o segundo que mais atinge a população masculina no Brasil, ficando atrás somente dos tumores de pele não melanoma. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima 71.730 novos casos para o triênio 2023-2025. Na busca por alternativas no combate à patologia, uma equipe de cientistas da Universidade Estadual de Washington (WSU), nos Estados Unidos, fez uma descoberta crucial que pode revolucionar o tratamento. Os pesquisadores identificaram a proteína receptora CHRM1 como um elemento-chave na resistência das células cancerígenas ao docetaxel, um medicamento quimioterápico amplamente utilizado no tratamento de casos avançados.
A pesquisa, liderada pelo professor associado Boyang Jason Wu, da Faculdade de Farmácia e Ciências Farmacêuticas da WSU, demonstrou que o bloqueio do CHRM1 em células resistentes de câncer de próstata em um modelo animal, baseado em tecido derivado de pacientes, restaurou a eficácia do docetaxel. Para os cientistas, essa descoberta abre caminho para novas estratégias de tratamento que visam superar a resistência ao medicamento, prolongando potencialmente a vida daqueles com a condição.O ensaio, publicado, na revista Cell Reports Medicine, destaca o uso da diciclomina, uma droga que inibe seletivamente a atividade do CHRM1, como uma abordagem eficaz. A droga, já presente no mercado como remédio genérico e utilizada para tratar sintomas da síndrome do intestino irritável, mostrou resultados promissores nos experimentos realizados pelos pesquisadores.
O professor Boyang Wu enfatizou a significância dos resultados, e afirmou, em nota, que "o efeito foi bastante dramático em todos os modelos experimentais que testamos", destacando o potencial imediato de tradução dessa descoberta para a prática clínica.
Testes
Para o trabalho, os autores utilizaram uma variedade de métodos para investigar o papel do CHRM1 na resistência ao tratamento. Para os testes, a equipe usou amostras clínicas de tecidos de câncer de próstata de pacientes submetidos à quimioterapia com docetaxel e também de pessoas não tratadas.
Além de avaliar linhas celulares resistentes ao remédio, os pesquisadores examinaram células que ainda respondiam ao tratamento com docetaxel. Surpreendentemente, o uso de diciclomina para bloquear o CHRM1 nessas estruturas aumentou a eficácia do docetaxel, indicando um potencial benefício para pacientes com câncer de próstata, mesmo antes do desenvolvimento de resistência ao medicamento.
Ricardo Ferro, urologista do Hospital Brasília, da rede Dasa no Distrito Federal e doutor em medicina e em uro-oncologia, detalha que, na história natural do câncer de próstata mais agressivo, que não foi curado no primeiro tratamento, em alguns casos haverá recidiva da doença.
"Primeiro ponto de tratamento desses pacientes é fazer uma espécie castração, química ou cirúrgica. Poque inicialmente as células do câncer de próstata são dependentes da testosterona. Só que clones dessas estruturas vão aprender a não precisar mais da testosterona para sobreviver, para se multiplicar, é o que a gente chama de câncer de próstata resistente a castração."
Para o especialista, a descoberta detalhada no artigo poderá ajudar muitas pessoas. "Esse sempre foi um desafio terapêutico e é nesse grupo de pacientes que se aplica medicamentos quimioterápicos, como o docetaxel. É um estudo ainda em modelo não humano e isso precisa ser provado, mas abre uma grande perspectiva de descobertas e avanços. Uma inibição seletiva da atividade da proteína utilizando dociclomina pode ser incorporada na prática clínica para beneficiar pacientes com câncer de próstata."
Investigação
Elias Assad Chedid Neto, urologista da Clínica Elsimar Coutinho, em São Paulo, considera essa uma descoberta fenomenal. "Se o estudo realmente se mostrar satisfatório, com bons resultados, vai nos ajudar no tratamento do câncer de próstata avançado. Tanto no câncer de pulmão quanto no de mama, o medicamento testado já é utilizado, no tumor de mama, ele é administrado em associação com outras drogas. É uma grande descoberta, vamos esperar os resultados práticos do ponto de vista com o ser humano nos trabalhos apresentados."
Os estudiosos frisam a necessidade de fazer testes clínicos para confirmar se o uso conjunto de docetaxel e dociclomina pode superar a resistência ao tratamento em pacientes com câncer de próstata. Wu sugeriu que essa abordagem combinada também poderia ser explorada em outros tipos de tumores, como de mama e de pulmão, atualmente tratados com docetaxel.
Para Igor Morbeck, oncologista, membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida e associado da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), sempre bem-vinda a descoberta de proteínas que podem estar relacionadas à resistência do câncer. "A quimioterapia é ativa no tratamento contra o câncer, mas o ponto principal é que proteínas produzidas pelo próprio tumor e que caem na corrente sanguínea, muitas vezes são as responsáveis por tornar o tratamento quimioterápico resistente."
No entanto, o médico pondera que é preciso investigar mais para comprovar a eficiência da abordagem proposta pelos pesquisadores. "Há alguns problemas, o primeiro deles é que foi feito um teste in vitro, ainda não está testado em seres humanos se realmente vai haver uma eficácia. Numerosos estudos, infelizmente, falharam quando foram utilizados em pessoas, porque o ambiente do tumor é muito mais complexo e não é exatamente a presença de uma proteína sendo inibida que vai causar resposta."
Novo modelo para o Parkinson
Cientistas do Krembil Brain Institute, em Toronto, propuseram um novo modelo para classificar a doença de Parkinson (DP). Apesar dos avanços na compreensão dos fatores biológicos subjacentes à DP, os diagnósticos continuam dependendo de características clínicas, não considerando adequadamente os complexos processos biológicos envolvidos. O novo modelo, chamado SynNeurGe, foi detalhado, ontem, na revista The Lancet Neurology e destaca as interações cruciais entre a presença da proteína -sinucleína patológica no cérebro (S), evidência de neurodegeneração à medida que a doença progride (N) e variantes genéticas (G) associadas à DP. A equipe acredita que esse sistema de classificação explica melhor a heterogeneidade biológica da DP, proporcionando uma visão mais ampla da doença e suas causas. Embora o modelo ainda não esteja pronto para aplicação clínica, os pesquisadores acreditam que pode impulsionar avanços na pesquisa e facilitar a identificação de alvos terapêuticos.
Investir em pesquisas
É importante destacarmos o papel das pesquisas no desenvolvimento de estratégias no combate a essa doença. Esta semana teremos o Congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica focado no tratamento de tumores do sistema geniturinário e esperamos encontrar lá grandes novidades que possam trazer resultados ainda melhores no tratamento de nossos pacientes. Os grandes avanços que tivemos nos últimos anos no tratamento da condição foram a utilização das terapias-alvo, uma classe de medicamentos chamada de inibidores da PARP, em pessoas que apresentam mutações específicas que podem ser bloqueadas por essas drogas. Além dos dados cada vez mais robustos da utilização dos radiofármacos. Até o momento essas abordagens são para pacientes com doença avançada e refratária. Daniel Vargas, oncologista da Oncoclínicas Brasília
Detectando o Parkinson
Cientistas do Krembil Brain Institute, em Toronto, propuseram um novo modelo para classificar a doença de Parkinson (DP). Apesar dos avanços na compreensão dos fatores biológicos subjacentes à DP, os diagnósticos continuam dependendo de características clínicas, não considerando adequadamente os complexos processos biológicos envolvidos. O novo modelo, chamado SynNeurGe, foi detalhado, ontem, na revista The Lancet Neurology e destaca as interações cruciais entre a presença da proteína -sinucleína patológica no cérebro (S), evidência de neurodegeneração à medida que a doença progride (N) e variantes genéticas (G) associadas à DP. A equipe acredita que esse sistema de classificação explica melhor a heterogeneidade biológica da DP, proporcionando uma visão mais ampla da doença e suas causas. Embora o modelo ainda não esteja pronto para aplicação clínica, os pesquisadores acreditam que pode impulsionar avanços na pesquisa e facilitar a identificação de alvos terapêuticos.