O que se põe no prato hoje pode definir se, no futuro, a panela estará cheia ou vazia. Enquanto a agropecuária é um dos principais emissores de gases de efeito estufa, uma das consequências das mudanças climáticas é, justamente, a insegurança alimentar. Os extremos de temperatura e as consequentes secas e intempéries ameaçam a produção de grãos e hortaliças. Ao mesmo tempo, alterações no uso do solo, criação de gado e plantio de commodities, como soja, minam florestas e são responsáveis por cerca de 35% do lançamento, na atmosfera, de poluentes como CO2 e metano.



Além das emissões, o sistema alimentar global utiliza 70% da água doce do mundo e é responsável por 80% da poluição de rios e lagos. Cerca de 75% do solo do planeta é utilizado pelo homem, principalmente para a agricultura, e a destruição das florestas é a principal causa da perda de biodiversidade.

Com a expectativa de que a população mundial chegue a 9 bilhões em 2050, especialistas afirmam que é preciso investir em sistemas alimentares com emissões líquidas zero — quando são neutralizadas pela captura de carbono, por exemplo, pelo reflorestamento. Para tanto, é preciso adotar novas tecnologias em larga escala nas próximas duas décadas, além de promover mudanças no consumo de carne e leite.

"Transformar os sistemas alimentares para emissões líquidas zero é essencial para que toda a equação do Acordo de Paris funcione, limitando o aumento da temperatura a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais até 2050. Isso trará benefícios importantes para a resiliência de milhões de pessoas em todo o mundo", diz Federico Bellone, pesquisador na Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (UNFCCC), na Alemanha.


Soluções

Autor de um artigo sobre como atingir a neutralidade de carbono nos sistemas alimentares, o brasileiro Ciniro Costa Jr., da Aliança Internacional de Biodiversidade, na Colômbia, destaca que não existem soluções mágicas que funcionem local, regional e nacionalmente. "Embora sistemas alimentares com emissões líquidas zero sejam alcançáveis, uma implementação mais ousada de práticas de produção mais eficientes é fundamental para atender tanto a produção alimentar global como os objetivos climáticos."

Sem o engajamento da população, porém, pouco pode ser feito, mostram estudos. Hoje, há um corpo crescente de pesquisas que associam cortes nas emissões a mudanças nos regimes alimentares. Uma delas, publicada na revista Nature Communications, mostrou que substituir 50% da carne e dos produtos lácteos por alternativas à base de plantas até 2050 levará a uma redução de 31% dos gases de efeito estufa (GEE) relacionados à agropecuária e ao uso do solo.

Além disso, haveria benefícios para recuperação de florestas e solos naturais e para a biodiversidade. "Precisaremos de muito mais do que 'segundas-feiras sem carne' para reduzir as emissões globais de GEE que impulsionam as alterações climáticas — e esse estudo nos mostra um caminho a seguir", diz a coautora do estudo, Eva Wollenberg, da Universidade de Vermont (UVM), no Canadá.

A pesquisa é a primeira a analisar a segurança alimentar global e os impactos ambientais do consumo de carne e leite de origem vegetal em grandes escalas que consideram a complexidade dos sistemas alimentares, diz Wollenberg. "As carnes vegetais não são apenas um novo produto, mas uma oportunidade crítica para alcançar a segurança alimentar e as metas climáticas, ao mesmo tempo que se alcançam os objetivos de saúde e biodiversidade em todo o mundo. Essas transições são desafiadoras e exigem uma série de inovações tecnológicas e intervenções políticas."
Metano

Pesquisas anteriores mostraram que mesmo a carne de menor impacto ambiental — a de porco orgânica — é responsável por oito vezes mais danos climáticos do que as oleaginosas, plantas cuja produção mais afeta os ecossistemas. Usando dados do Reino Unido, um estudo publicado na revista Nature Food por especialistas da Universidade de Oxford demonstrou que dietas com baixo consumo carnívoro (inferior a 50g por dia) representam 50% menos emissões — poluem e degradam o equivalente à metade daquelas ricas no ingrediente.

Ao comparar como as dietas impactam no meio ambiente, a maior diferença observada foi nas emissões de metano. Esse potente gás com efeito de estufa é produzido por bovinos e ovinos, e seu lançamento na atmosfera é 93% mais baixo nas dietas veganas.

"Esse estudo representa a tentativa mais abrangente de vincular os dados de consumo de alimentos àqueles sobre os impactos ambientais da produção alimentar", comenta Richard Tiffin, professor da Universidade de Reading que não participou do artigo. "Incentivar os grandes consumidores de carne a reduzir o consumo e encorajar os vegetarianos a se tornarem veganos deve resultar em emissões mais baixas."


Soluções para poluição por hidrogênio

Redução do consumo de carnes e laticínios, menos fertilizantes e diminuição do desperdício alimentar são alguns dos ingredientes que a Organização das Nações Unidas sugere para reduzir a poluição proveniente da agricultura. Em um relatório divulgado no mês passado, pesquisadores de diversas instituições, financiados pela ONU, apresentaram possíveis soluções para reduzir o impacto da alimentação no meio ambiente.

O relatório utiliza como foco a ambição de reduzir pela metade os resíduos de hidrogênio até 2030, data estabelecida pela Declaração de Colombo da ONU e ressaltada pelo Quadro Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal. Os pesquisadores analisaram 144 cenários, incluindo diminuição no consumo de produtos animais, práticas agrícolas diversas e investimento em águas residuais.

Vital para o crescimento das plantas, o hidrogênio está presente nos excrementos animais e nos fertilizantes sintéticos aplicados na terra para aumentar a produção agrícola. Porém, a utilização excessiva e ineficiente do nutriente significa que até 80% dele vaza para o ambiente, principalmente sob a forma de poluentes, como amônia, nitrato e óxido nitroso — esse último, um poderoso gás de efeito estufa.

Fertilizantes

"O aumento sem precedentes dos preços da energia, dos fertilizantes e dos alimentos desde 2021 sublinha a necessidade de abordar a vulnerabilidade do atual sistema alimentar", destaca Adrian Leip, cientista ambiental da Comissão Europeia e editor-chefe do relatório. "As dietas à base de plantas requerem menos terra e fertilizantes, reduzem o uso de energia e aumentam a nossa resiliência às atuais múltiplas crises: alimentar, energética, climática." Além disso, Leip ressalta que a liberação do solo para restauração de habitats também ajudaria a enfrentar as crises climáticas e de biodiversidade.

"O relatório não está dizendo que todos devemos nos tornar veganos", sublinha Mark Sutton, pesquisador do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido e um dos autores do relatório. "A nossa análise conclui que um amplo pacote de ações, incluindo uma abordagem demitarista — reduzir para metade o consumo de carne e laticínios —, teve a pontuação mais elevada na tentativa de reduzir para metade os resíduos de hidrogênio até 2030."


Produtos descartáveis favorecem emissões

Além de poluir o solo e o oceano, ameaçando ecossistemas e a saúde humana, o plástico acelera as mudanças climáticas de várias maneiras. Uma delas é quando micropartículas do material se misturam à neve marinha, como se chama a coluna formada por microalgas, bactérias e fitoplânctons que afundam devagar no mar. Nesse caso, há um comprometimento da fotossíntese, com redução na captura de CO2, o mais importante gás de efeito estufa (GEE).

Além disso, a produção do material, de origem fóssil, é uma das maiores contribuintes para a geração de GEE. O ramo de alimentos e seus descartáveis têm um importante papel na disseminação do plástico, por isso experiências em diversos países buscam frear o consumo de embalagens, pratos e talheres à base de polímero. Na China, uma iniciativa descrita na revista Science reduziu em 648% os pedidos de entrega sem garfo, colher e faca, graças ao que os autores do artigo chamam de "incentivos verdes".

O país asiático, segundo maior emissor mundial de gases de feito estufa, atrás dos Estados Unidos, é o país que mais consume e produz descartáveis. Em 2019, foram usados, diariamente, mais de 50 milhões de conjuntos de garfo e faca, eliminados de forma inadequada. O governo estabeleceu uma meta para reduzir em 30% a utilização desses produtos nos serviços de entrega de comida até 2025.


Plataforma

Pesquisadores da Universidade de Hong Kong e da Universidade de Chicago estudaram como os empurrões verdes — ações que encorajam os clientes a dispensar os descartáveis nos pedidos — reduziram o uso de talheres na plataforma on-line Eleme, que funciona como a brasileira iFood. Entre os incentivos oferecidos em troca da não utilização de garfos e facas, estão o acúmulo de pontos verdes que podem ser resgatados para plantar uma árvore em nome do cliente.

Os cientistas acompanharam o histórico mensal de pedidos de comida de cada usuário durante dois anos, até 2019-2020, em 10 grandes cidades chinesas, incluindo Pequim, Xangai e Tianjin, onde funcionam os empurrões verdes. Nas demais, não existe o estímulo. Os autores usaram dados aleatórios de 200 mil usuários ativos da plataforma. Eles descobriram que, caso fossem aplicados incentivos em todo o país, mais de 21,75 mil milhões de conjuntos de talheres seriam poupados anualmente. Isso equivale a 3,26 milhões de toneladas métricas de resíduos de plástico ou 5,44 milhões de árvores (usadas para a fabricação dos pauzinhos de madeira) todos os anos.

Para Guojun He, um dos autores do estudo, a ideia poderia ser ampliada para todo o planeta. "Outras plataformas de entrega de alimentos, como UberEats, poderiam tentar medidas semelhantes para reduzir o consumo de talheres e o desperdício de plástico em todo o mundo", comentou, em nota.

 

 

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