Um ensaio publicado na revista Jama Pediatrics abordou as complexas relações entre o uso de substâncias, pensamentos suicidas e comorbidades psiquiátricas entre estudantes do ensino médio. Os resultados, descritos pelos pesquisadores do Massachusetts Hospital Geral (MGH) e a Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelaram que adolescentes que usam álcool, nicotina ou cannabis, têm ideação de morte cinco vezes mais prevalentes.
Para o trabalho, os cientistas usaram dados fornecidos por mais de 15 mil adolescentes. Os questionários incluíram perguntas sobre o uso de substâncias, como álcool, cannabis e nicotina, bem como sintomas psiquiátricos, incluindo pensamentos suicidas no último ano e sintomas depressivos ou de ansiedade, experiências psicóticas e falta de atenção ou hiperatividade.
"Procuramos determinar se o uso de substâncias estava associado de forma dependente da dose a vários sintomas psiquiátricos em uma grande amostra de estudantes do ensino médio, e se essas associações diferiam dependendo do tipo de substância usada", frisou, em nota, autor sênior Randi M. Schuster, professor associado de psicologia no Departamento de Psiquiatria do MGH e diretor de Pesquisa Escolar e Desenvolvimento de Programas do Centro de Medicina de Dependência do MGH.
Schuster e seus colegas descobriram que a ingestão de álcool, o uso de cannabis e de nicotina estavam ligados a um aumento na prevalência de pensamentos suicidas, bem como a sintomas de depressão e ansiedade, experiências psicóticas e sintomas de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Por exemplo, os pensamentos suicidas eram aproximadamente cinco vezes mais prevalentes entre estudantes do ensino médio que utilizavam essas substâncias diariamente ou quase todos os dias, em comparação com aqueles que não o faziam.
Aumentos nos sintomas psiquiátricos foram detectados mesmo entre os estudantes com níveis de consumo relativamente baixos. As descobertas dos investigadores foram replicadas quando analisaram as respostas de um trabalho nacional.
"Os resultados do nosso estudo destacam a prevalência de comorbilidades psiquiátricas entre os jovens que utilizam substâncias e dão um forte apoio à noção de que o rastreio, a prevenção, os esforços de intervenção e políticas precisam abordar de forma abrangente as metas que vão além do uso de substâncias por si só", sublinhou, em nota, o autor principal Brenden Tervo-Clemmens, professor assistente da Faculdade de Medicina da Universidade de Minnesota.
"Os esforços podem não ser necessariamente específicos para uma determinada substância, mas sim refletir as necessidades multifacetadas de saúde mental de todos os adolescentes que utilizam substâncias", finalizou.
Juliana Gebrim, psicóloga pela Universidade de Brasília (UnB) e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), pontua que o uso de substâncias em alguns casos é uma forma de tentar lidar com problemas. "Mas pode agravar essas questões, É fundamental abordar tanto o uso, quanto os transtornos mentais de forma integrada, oferecendo suporte e intervenções adequadas para os estudantes."
Lucas Benevides, psiquiatra e professor de medicina no Uniceub, em Brasília, diz que no contexto universitário, o uso abusivo de substâncias como álcool e tabaco está frequentemente associado à busca de prazer, despertar desejos, popularidade e sucesso.
"Padrões que são socialmente difundidos e reforçados. Quanto à relação dose-dependente, o consumo frequente e em abundância pode exacerbar os transtornos mentais, alterando os sintomas de forma momentânea e podendo até modificar a química cerebral, resultando em prejuízos à saúde mental dos estudantes", observa Benevides.
Futuro
Schuster está liderando um ensaio que irá entrevistar estudantes ao longo do tempo para fornecer informações adicionais sobre a relação e o momento do consumo de substâncias e os sintomas psiquiátricos, o que poderá ajudar os investigadores a desenvolver intervenções para proteger a saúde mental dos adolescentes.
Os autores da pesquisa enfatizaram ainda a importância de compreender essas complexas relações para orientar triagens, prevenção, intervenção e políticas relacionadas à saúde mental dos adolescentes. Eles esperam que seus achados contribuam para a implementação de estratégias mais eficazes de apoio e intervenção para os jovens, visando a redução do impacto negativo do uso de substâncias e o fortalecimento da saúde mental nessa fase crucial do desenvolvimento.
Juliana Gebrim reforça que é essencial garantir acesso aos tratamentos para saúde mental, como aconselhamento e apoio psicológico, para atender às necessidades dos adolescentes que enfrentam sintomas psiquiátricos. Segundo ela, é necessário envolver o conjunto que cerca o jovem e não apenas o paciente.
"Estratégias de prevenção devem envolver ativamente a participação de famílias e escolas, criando um ambiente de apoio que identifique precocemente sinais de risco e promova a saúde mental. Além disso, é importante desmistificar o estigma associado à saúde mental, incentivando uma abordagem aberta e proativa em relação ao cuidado mental", diz a psicóloga.
Mobilização geral
''Se prevenimos na adolescência, conseguimos diminuir bastante os riscos na idade adulta. Estamos vendo que a taxa de suicídio que está aumentando, feminicídio, depressão, ansiedade. Devemos proteger a infância e a adolescência, ter amparo nas escolas, uma mobilização geral, porque eles são muito mais vulneráveis, não podem ser negligenciados. O estudo mostra que independe do tipo de substância, mas da vulnerabilidade do adolescente. Seja qual for a droga, ela vai ser perigosa do mesmo jeito. O outro dado importante é que o aumento dos sintomas psiquiátricos foi detectado mesmo com nível de consumo relativamente baixo. Então, não adianta achar que está seguro porque está usando pouco. As minhas práticas incluem fazer um rastreio de pacientes que têm certa predisposição e entrar numa discussão ampla sobre a questão da liberação das drogas. Os adolescentes vão ter muito mais liberdade, por exemplo, com a maconha ou outras drogas se eles forem expostos. Um cérebro em desenvolvimento é muito mais vulnerável a quadros psicóticos, suicídio.'' Fábio Leite, psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, em Brasília