O impacto fez uma pequena ferida na cabeça do estudante. Um médico que estava por perto olhou o machucado e sugeriu que o jovem procurasse um hospital caso sentisse tontura -  (crédito: Arquivo Pessoal)

O impacto fez uma pequena ferida na cabeça do estudante. Um médico que estava por perto olhou o machucado e sugeriu que o jovem procurasse um hospital caso sentisse tontura

crédito: Arquivo Pessoal

O caso recente do estudante mineiro que levou um tiro na cabeça, acreditando ter sido atingido por uma pedrada, em uma praia de Cabo Frio durante o Réveillon, chamou atenção. Ele conseguiu viajar por mais de 300 quilômetros até Juiz de Fora, cidade onde mora na Zona da Mata mineira. Mateus Facio não teve intercorrências durante a viagem e só quatro dias depois sentiu incômodos e decidiu procurar o hospital da cidade. Após vários exames descobriu que a pedrada era, na verdade, uma bala perdida que estava alojada em sua cabeça. O paciente foi operado e ficou dois dias no CTI.

Mas como é possível uma pessoa realizar tantas atividades depois de ter sido baleado? Existe alguma explicação médica? Médico neurocirurgião, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Felipe Mendes explica que, apesar de não ser algo comum, é possível, sim, que uma pessoa sofra uma lesão no crânio, como um ferimento de bala, e não perceba imediatamente. “Isso pode ocorrer se a bala não afetar áreas do cérebro responsáveis pela consciência ou funções vitais e se não houver sintomas imediatos, como dor intensa ou perda da consciência.”

O especialista fala sobre uma curiosidade: o cérebro não possui terminações de dor - as partes mais sensíveis em que é provável sentir dor são o couro cabeludo e as meninges (membranas que revestem as estruturas do sistema nervoso). Com relação aos riscos em se ter uma bala alojada na cabeça a curto, médio e longo prazo, uma das grandes preocupações iniciais, segundo Felipe, é o risco de infecção do orifício de entrada do projétil.

“Outra complicação possível é a fístula liquórica, vazamento do líquido cefalorraquidiano (liquor) através da pele, aumentando em muito a possibilidade de desenvolvimento de meningite ou infecções mais profundas como abscessos cerebrais. Além disso, o projétil alojado pode ser irritativo para o tecido cerebral, aumentando as possibilidades de desenvolvimento de crises convulsivas ou epilépticas.”

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Em casos graves, ele explica que pode haver sangramentos (hemorragias) e inchaço (edema), causando déficits neurológicos ou síndrome da hipertensão intracraniana - um quadro dramático de aumento da pressão intracraniana, que pode levar ao óbito.

Protocolo de emergência e tratamento

Toda pessoa vítima de um traumatismo craniano penetrante - causado por projéteis de arma de fogo ou armas brancas, como facas - deve ser levado imediatamente a um serviço de urgência para avaliação do cirurgião do trauma e do neurocirurgião.

O tratamento inicial, explica Felipe, envolve a estabilização do paciente, com objetivo de preservar as vias aéreas e a respiração e corrigir perdas sanguíneas. Após essa etapa, é realizada uma tomografia computadorizada do crânio para avaliar a localização e as lesões causadas pelo projétil de arma de fogo. A partir disso, é possível determinar a melhor forma de tratamento, sendo a cirurgia indicada na grande maioria dos casos.

Importância do diagnóstico precoce

O diagnóstico e o tratamento precoces são fundamentais para evitar complicações tardias. Mesmo que não haja sintomas imediatos, a avaliação médica com um neurocirurgião é essencial para identificar as alterações causadas pelo trauma e propor as melhores opções de tratamento, reduzindo o risco de consequências a longo prazo.

“A depender da localização e do tipo de traumatismo craniano ocasionado pelo projétil, muitas pessoas podem, infelizmente, evoluir com sequelas como perda da força ou sensibilidade em um lado do corpo, alterações da fala ou, até mesmo, estados de menor interação com o ambiente (estado neurovegetativo persistente), situação na qual o indivíduo interage muito pouco, não fala, não movimenta, não consegue respirar sem ajuda de aparelhos, não consegue se alimentar sozinho, demandando apoio e ajuda em tempo integral.”

A reabilitação auxilia ao tentar recrutar novas áreas que possam fazer com que, ao longo do tempo, essas sequelas se reduzam. Além disso, esse processo ajuda no sentido de adaptar o ambiente do domicílio e a família para um novo cenário de vida, já que conviver com alguém que possui tais sequelas, requer uma mudança do ambiente doméstico para que tanto o familiar quanto o paciente consigam se ajustar da melhor forma possível.

Conforme explica o médico, quanto mais rápido e precoce for o atendimento inicial, maiores as chances de realizar uma boa intervenção como a possibilidade de um tratamento cirúrgico, a orientação quanto aos riscos futuros e a monitorização e observação em um ambiente de cuidados neurointensivos.

“Dessa forma, consegue-se prevenir riscos imediatos como a presença da fístula liquórica (drenagem de liquor através do orifício de entrada do projétil) e também quadros de infecções que, às vezes, são muito comuns nessas fases iniciais de traumatismos por armas de fogo”, ensina.