Geralmente associado a cânceres genitais e uterino, o papilomavírus humano (HPV) também aumenta em quatro vezes o risco de morte por doenças cardiovasculares (DCV). Pela primeira vez, cientistas da Universidade de Sungkyunkwan, em Seul, na Coreia do Sul, descobriram a associação de cepas do microrganismo a óbitos de mulheres por enfermidades como infarto e acidente vascular cerebral. O resultado do estudo foi publicado na revista Europeia do Coração.
O HPV é uma infecção comum — estima-se uma prevalência global de até 44% na população feminina. Como todo vírus, há diversas cepas: já foram identificadas cerca de 150. Algumas são mais perigosas, outras menos preocupantes. No estudo atual, os pesquisadores investigaram a relação de 13 genótipos classificados como de alto risco, pois, anteriormente, já foram associados a alguma doença; geralmente, oncológica.Segundo Hae Suk Cheong, um dos autores da pesquisa, outros estudos sugeriram uma possível relação entre cepas de risco do HPV com doenças cardiovasculares, mas, até agora, não houve pesquisa avaliando os resultados cardiológicos de longo prazo em pessoas com a infecção.
No artigo, a equipe lembra que as DCV são a principal causa de morte no mundo, com 17,9 milhões (ou 32%) de todos os óbitos globais em 2019, com projeção de aumento para 23,6 milhões até 2030.
Embora se conheçam importantes fatores de risco, como tabagismo, colesterol e triglicérides altos, hipertensão e diabetes, Cheong acredita que alguns podem estar escapando ao conhecimento médico, o que limita a capacidade de combater as doenças cardiovasculares. "Apesar dos avanços notáveis no controle, curiosamente, esses fatores de risco convencionais não explicam todos os casos de doenças cardíacas; cerca de 20% ocorrem em pessoas que não se encaixam no perfil", diz.
Para a pesquisadora, o percentual citado destaca a necessidade de investigar outros fatores de risco modificáveis. "A nossa investigação centra-se na análise do impacto do HPV, particularmente em relação à mortalidade cardiovascular, como um potencial fator de risco para doenças cardíacas."
A pesquisa incluiu 163.250 mulheres coreanas jovens ou de meia-idade que não apresentavam doenças cardiovasculares no início do estudo. Elas foram submetidas a uma variedade de testes de rastreio de saúde, incluindo exames cervicais para 13 cepas de HPV de alto risco. As participantes voltaram a fazer a mesma bateria de check-up a cada um ou dois anos, durante uma média de oito anos e meio.
Associações
Os pesquisadores, então, combinaram dados sobre os resultados dos testes de HPV com dados nacionais sobre óbitos por doenças cardiovasculares. Entre as jovens e saudáveis, o risco de morrer de DCV foi baixo: 9,1 em cada 100 mil. Porém, mulheres que, além de infectadas com cepas preocupantes, tinham outros fatores de risco, como colesterol alto ou hipertensão, apresentavam uma probabilidade 3,91 vezes maior de bloqueio nas artérias e 3,74 mais chance de óbito por enfermidades associadas.
Comparado a mulheres com os mesmos fatores de risco para doenças cardiovasculares, aquelas que também estavam infectadas pelo HIV tinham probabilidade 5,86 maior de morrer por acidente vascular cerebral. Isso foi particularmente preocupante naquelas com obesidade.
Embora a análise seja observacional, sem estabelecer causa e efeito, Cheong oferece algumas possibilidades que explicam o vínculo encontrado. "Sabemos que a inflamação desempenha um papel fundamental no desenvolvimento e progressão de doenças cardiovasculares e que as infecções virais são potenciais desencadeadores de inflamação", explica.
Bloqueio
O HPV é conhecido pela associação com câncer de colo de útero, mas pesquisas começam a mostrar que o vírus também pode ser encontrado na corrente sanguínea. "Pode ser que ele crie inflamação nos vasos sanguíneos, contribuindo para artérias bloqueadas e danificadas e aumentando o risco de doenças cardiovasculares", teoriza Cheong.
Em um editorial associado, o virologista James S. Lawson da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, que estuda a relação de microrganismos com câncer, afirma o estudo coreano destaca a importância do cuidado integral para pacientes com HPV de alto risco.
"Os médicos devem monitorar a saúde cardiovascular dessas pacientes, particularmente daquelas com obesidade ou outros fatores associados", diz Lawson. "É importante que as pessoas com HPV de alto risco realizem exames de saúde regulares e adotem um estilo de vida saudável para mitigar o risco de doenças cardiovasculares."
Lawson destaca a necessidade de mais estudos para descobrir se a infecção por HPV de alto risco tem efeitos semelhantes nos homens e, também, investigar o potencial da vacina contra o vírus na prevenção de mortes por doenças cardiovasculares.
"Se essas descobertas forem confirmadas, poderão ter implicações substanciais para as estratégias de saúde pública. Aumentar as taxas de vacinação contra o HPV pode ser uma estratégia importante na redução dos riscos cardiovasculares a longo prazo", afirma Lawson.
Noel Chan, pesquisador de terapias anti-inflamatórias no combate a doenças cardiovasculares da Universidade de McMaster, no Canadá, defende que o estudo enfatiza a importância de vacinações contra outros vírus, como gripe e Sars-CoV-2. "A evidência de que os vírus em geral e o HPV em particular aumentam o risco de resultados adversos da doença cardiovascular aterosclerótica tornou-se suficientemente convincente para se somar aos já fortes argumentos a favor da vacinação contra outros agentes virais."
Dúvidas mais frequentes
O que é HPV?
É o vírus sexualmente transmissível mais comum no mundo Existem muitos tipos: alguns podem causar problemas de saúde, incluindo verrugas genitais e câncer.
Como é transmitido?
Por relação sexual vaginal, anal ou oral com alguém que tenha o vírus. Uma pessoa com HPV pode transmitir a infecção a alguém mesmo quando não apresenta sinais ou sintomas.
O HPV causa problemas de saúde?
Na maioria dos casos , de 9 em 10 situações, o HPV desaparece espontaneamente em dois anos, sem problemas de saúde. Mas algumas cepas estão associadas a doenças como câncer.
Fonte: CDC
Poluição causa AVCs e outros males
Uma análise de dados de quase todos os estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS), incluindo o Brasil, evidencia uma forte ligação entre a poluição atmosférica e a mortalidade por doenças cardiovasculares. O levantamento destaca que mais óbitos associados estão em países de baixa renda.
Em todos os 183 países incluídos no estudo, publicado na revista Chronic Diseases and Translational Medicine, as mortes relacionadas a infarto atribuídas à poluição atmosférica foram superiores àquelas causadas por acidente vascular cerebral (AVC), também associadas ao problema ambiental. Em 2019, diz o estudo, a taxa de mortalidade por doenças cardíacas isquêmicas vinculadas à má qualidade do ar foi de 16 em 100 mil nos países de renda alta, e de 70 por 100 mil nos em desenvolvimento.