Mineiro, advogado e mestre em mercado de fusões e aquisições, onde atuou por mais de 11 anos, Gustavo Palhares é um jovem empreendedor fascinado por soluções inovadoras. Ao lado do sócio, Guilherme Franco, eles construíram, em 2018, em Belo Horizonte, a Ease Labs, uma fábrica focada no setor de cannabis medicinal, mas com um viés altamente natural e inovador. Recentemente, a empresa recebeu a aprovação, por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do primeiro extrato de cannabis fabricado no Brasil, pela Ease Labs. Nesta entrevista, Gustavo fala sobre os benefícios da cannabis medicinal e os planos para os próximos anos.
Por que construir uma fábrica/laboratório de produtos à base de cannabis medicinal em Minas e, mais especificamente, em BH?
Nós, fundadores, somos mineiros e nossas fortes conexões na região nos levaram a algumas oportunidades de aquisição em Belo Horizonte. Além disso, enxergamos a possibilidade de ter excelentes profissionais, além de oportunidades tributárias interessantes.
Como funciona o grupo Ease Labs?
Nosso grupo nasceu do sangue empreendedor dos fundadores - no caso eu e Guilherme, e foi estruturado a partir da aquisição de ativos industriais farmacêuticos que se completam operacionalmente, criando uma estrutura verticalizada única, focada no setor de cannabis medicinal. Nós enxergamos também um espaço importante que estava sendo deixado pelos grandes grupos farmacêuticos, pelo seu conservadorismo, lentidão e modelo operacional limitado. São justamente nesses pontos que o grupo criou diferenciais para se destacar, além de focar em soluções naturais superinovadoras. O grupo hoje conta com três principais empresas, a farmacêutica Ease Labs Pharma, a farmoquímica Semeya e uma empresa internacional de genética vegetal, a Ease Labs Colombia. As três empresas formam a vertente da Ease Labs América Latina.
Qual é o carro-chefe da Ease Labs e como se chegou a esse produto?
Atualmente, possuímos dois produtos aprovados pela Anvisa com propostas terapêuticas diferentes, e com grande projeção para o mercado: um canabidiol (CNB) isolado e o extrato de cannabis de espectro completo.
O Canabidiol Ease Labs 100mg/mL já está disponível nas farmácias desde fevereiro de 2023. É um produto constituído de CBD isolado, em alto grau de pureza e, portanto, não há THC detectado nessa formulação. Atualmente, tem sido prescrito por médicos para tratamento de epilepsias, quadros de ansiedade, insônia e outras condições.
Já o Extrato de Cannabis sativa Ease Labs 36,76 mg/mL, recém-aprovado pela Anvisa, estará disponível nas farmácias a partir de abril e é o primeiro produto que contém THC fabricado em território nacional, o que nos traz grande satisfação. Isso porque existem evidências em literatura para a utilização do extrato no tratamento de dor crônica, fibromialgia e demências. Dessa forma, o produto poderá ser prescrito para essas finalidades terapêuticas, beneficiando um grande número de pacientes.
Reforçamos que a Ease Labs trabalha em constante análise sobre as necessidades médicas e terapêuticas, e as duas apresentações foram desenvolvidas com esse foco, para maior qualidade de vida da população.
Quais são os principais focos desses medicamentos e a porcentagem em termos de eficácia no tratamento de doenças?
Antes de tudo, é importante esclarecer que, de acordo com o que rege a RDC 327, publicada pela Anvisa em dezembro de 2019 – que estabeleceu regras claras para registro, fabricação e prescrição de produtos de cannabis para comercialização em farmácias – até que se tenham estudos clínicos locais, esses tratamentos serão classificados como “produto de cannabis” e, posteriormente, como medicamentos.
Para o extrato de cannabis, já há estudos que comprovam benefícios para pacientes com demências, dores crônicas e fibromialgia, por exemplo. Outros pacientes que podem ser beneficiados são aqueles com sintomas não motores do Parkinson, síndrome de Tourette e dependência química.
De acordo com Flávia Guimarães, biomédica e Mestre em Biotecnologia pela New York University (NYU), e gerente da área de Inteligência Científica (IC) da Ease Labs, os estudos clínicos que avaliaram o uso dos canabinoides no tratamento de quadros demenciais demonstraram melhora nos sintomas neuropsiquiátricos, como agressividade, irritabilidade, comportamento noturno e, principalmente, agitação psicomotora. O tratamento também evidenciou mudanças no hábito alimentar e no apetite, podendo contribuir para a manutenção ou ganho de peso em pacientes com inapetência e perda de apetite. Os sintomas neuropsiquiátricos ocorrem em até 90% dos pacientes com demência e estão associados à piora na qualidade de vida dos pacientes e seus cuidadores, tendo os tratamentos com produtos de cannabis impacto direto na qualidade de vida desses pacientes.
A Anvisa acabou de aprovar o primeiro extrato de cannabis fabricado no Brasil, pela Ease Labs. Fale sobre quais serão os próximos passos.
Após a aprovação da comercialização pela agência reguladora, nos preparamos para disponibilizar o tratamento – de uso controlado, vendido somente com prescrição médica – a partir de abril deste ano.
Como você vê as regras impostas pelo governo brasileiro à produção medicinal da cannabis sativa?
A Anvisa implantou um dos modelos mais avançados de regulamentação do planeta. Diferentemente de outros mercados, a agência reguladora baseou seu modelo no mercado farmacêutico, considerando propor soluções acessíveis, com foco também na segurança do paciente. Sendo assim, publicou, em 2019, a RDC 327, que prevê regras claras de registro de produtos de cannabis para vendas em farmácias, desde que o solicitante detenha as certificações e conduza os testes necessários para assegurar a qualidade do produto. Dessa forma, criou-se um mercado pautado pela qualidade, segurança e acesso, que tende a se valorizar ainda mais, por ter fortes pilares de estruturação. Acreditamos que o Brasil será referência no setor, com autoridade de uma potência farmacêutica. Para se ter uma ideia, países como Portugal e Alemanha têm se aproximado da Anvisa com o intuito de aprender com nosso modelo.
Além disso, o mercado brasileiro pode ser um acelerador muito relevante para o crescimento do setor como um todo, com possibilidade de ocupar uma posição importante entre os principais mercados do mundo, visto que, países pioneiros, como Estados Unidos, Uruguai e Canadá, que tiveram regulamentações mais superficiais em relação à qualidade dos produtos, e atualmente vêm sofrendo com uma queda no valor das empresas no mercado de ações, por ter implementado um modelo farmacêutico, tem se posicionado com autoridade, criando um setor baseado na qualidade e geração de demanda, e atendendo as pessoas que necessitam do tratamento.
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E a resistência de parte da classe médica produtos derivados ? Como quebrar essa resistência?
Em 2016, o Brasil tinha menos de mil médicos prescritores. Hoje sabemos que mais de 26 mil médicos prescrevem, com quase mil novos médicos prescritores por mês. É um crescimento que mostra a queda gradual dessa resistência entre a classe médica, justamente por contarmos agora com produtos aprovados pela Anvisa.
Estamos (o Brasil) muito atrasados em termos de pesquisas nessa área se comparados aos países desenvolvidos?
Pouco se fala sobre isso, mas o Brasil é um dos maiores celeiros de pesquisa clínica no setor da cannabis no mundo. A USP de Ribeirão Preto, por exemplo, é a instituição que mais publica artigos mundialmente. Com a exigência da Anvisa de apresentação de estudos clínicos em cinco anos pela indústria, acreditamos que o país será referência na ciência e tecnologia do setor.
Quais são os próximos investimentos da Ease Labs mineira?
Nosso foco é continuar investindo no mercado privado e público, trazendo as melhores e mais acessíveis soluções aos pacientes que necessitam dos tratamentos.