As alterações do corpo da mulher durante a gestação vão além das mudanças hormonais e modificações desencadeadas por fatores externos, como alimentação e exposição a substâncias nocivas. O sistema imunológico também é impactado.
Em um estudo, publicado na revista Systems, da Sociedade Americana de Microbiologia, cientistas da Universidade de Jinan, na China, mostram evidências sobre como a microbiota intestinal é afetada na gestação.O ensaio, liderado por Ting Huang, pesquisador do Primeiro Hospital Afiliado da Universidade de Jinan, indica que mudanças nos níveis de citocinas —proteínas inflamatórias fundamentais do sistema imunológico — na gravidez podem estar ligadas a desequilíbrios no microbioma intestinal.
"As associações que encontramos são pioneiras em nossa pesquisa", destacou Huang, em nota. Estudos anteriores identificaram mudanças na microbiota intestinal nesse período, sugerindo sua influência nos processos fisiológicos maternos através dos metabólitos. Contudo, ainda não estava claro como isso afetava a imunidade materna.
Para essa investigação, a equipe comparou a microbiota intestinal, perfis de metabólitos e estado imunológico de 30 grávidas com 15 não gestantes. Amostras de fezes e sangue foram coletadas durante e após a 37ª semana de gestação. As não grávidas foram avaliadas no 14º dia do ciclo menstrual.
As gestantes tinham menor presença de Bacteroidota — bactérias causadoras de doenças diversas —, e maior abundância de Actinobacteriota, que podem produzir antibióticos, e Proteobacteria, que são patogênicas. Os níveis de citocinas indicaram uma resposta imune suprimida durante a gestação.
O estudo indicou ainda um possível mecanismo por meio do qual os micróbios intestinais influenciam os níveis de citocinas no sangue materno. Para os estudiosos, mais ensaios clínicos são necessários para esclarecer essas relações.
Alerta
Mauricio Simes Abrão, ginecologista da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP), sublinha que essas mudanças na microbiota podem afetar a saúde da mãe e do bebê. "Influenciando como o corpo da mãe lida com infecções e a inflamação. Esse entendimento pode ser crucial para desenvolver estratégias que visem melhorar a saúde materna e fetal, ajustando os níveis de inflamação por meio da modulação do microbioma."
A saúde mental também reflete na sanidade do corpo, sobretudo na gravidez. Gestantes com sintomas depressivos podem estar sujeitas à desregulação do cortisol — hormônio crucial para o desenvolvimento fetal —, influenciando no desdobramento da gestação. Essa é a conclusão de uma pesquisa liderada pela Universidade de Barcelona e detalhada, recentemente, na revista Psychoneuroendocrinology.
O estudo, realizado com 112 mulheres na primeira gravidez, revelou a importância de monitorar de perto a saúde mental ao longo da gestação, não apenas no final. A equipe examinou a relação entre os sintomas depressivos em grávidas e a variação nos níveis do hormônio, especialmente durante o segundo trimestre.
Conforme os cientistas, um grande aumento do cortisol nesse período pode ser relacionado a taxas mais elevadas de nascimentos prematuros e baixo peso ao nascer. "Na gravidez, é comum que as mulheres experimentem sintomas depressivos, muitas vezes não detectados em exames regulares", explica Águeda Castro, coautora do estudo.
Para a pesquisadora, esses sintomas podem estar relacionados a uma "desregulação do ritmo circadiano do cortisol". "Resultando em níveis mais elevados do hormônio durante a noite, quando deveriam ser reduzidos", acrescentou.
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Descrito na revista Environmental International, um trabalho aponta que grávidas estão expostas a ftalatos —produtos químicos— vindos de alimentos ultraprocessados. Pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, descobriram que esses químicos, provenientes de embalagens, luvas de manipulação de alimentos e até mesmo das comidas, entram na corrente sanguínea da mãe.
Essas substâncias atravessam a placenta e podem afetar o bebê, causando baixo peso ao nascer, prematuridade e problemas de saúde mental infantil. A pesquisa, feita com 1.031 gestantes, mostrou que os ultraprocessados compunham de 10% a 60% da dieta das participantes. Cada aumento de 10% na proporção dessas comidas estava associado a uma concentração 13% maior de ftalato na urina.
Os autores destacam a necessidade de legislação para prevenir a contaminação por ftalatos nos alimentos. "Não culpamos a pessoa grávida aqui. Precisamos apelar aos fabricantes e legisladores para que ofereçam substitutos", ressaltou, em comunicado, o autor principal Brennan Baker, pesquisador da universidade.
João Lindolfo Borges, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), reforça que o consumo excessivo de ultraprocessados tem sido associado a uma série de problemas.
"Esses padrões alimentares, além de prejudiciais por si só, estão ligados à exposição a ftalatos, que têm despertado crescente preocupação pelos efeitos negativos sobre a saúde. Na gravidez, é objeto de investigação para caracterizar a exposição entre gestantes", afirma Borges. "Pesquisas também têm observado disparidades raciais na exposição pré-natal às substâncias desreguladoras endócrinas, sugerindo implicações para mães e filho."
Qualidade de vida
Distúrbios hipertensivos da gravidez e diabetes gestacional são comuns e estão associados a um maior risco de doenças cardiovasculares em mulheres mais tarde na vida. Um novo estudo, apresentado, recentemente, na reunião anual da Sociedade de Medicina Materno-Fetal (SMFM), sugere que essas complicações também podem prejudicar a saúde cardiovascular das crianças.
Ao analisar 3.317 pares mãe-filho, os pesquisadores descobriram que mais da metade das crianças, avaliadas 10 a 14 anos após o nascimento, apresentavam pelo menos uma métrica de saúde cardiovascular não ideal, aumentando o risco futuro de doenças cardíacas e acidente vascular cerebral.
O principal autor, Kartik K. Venkatesh, pesquisador da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, destaca que os resultados desafiam a ideia comum de que o risco cardiovascular se inicia após o nascimento, enfatizando a importância de considerar o impacto do ambiente intrauterino na saúde a longo prazo. "Os dados sugerem que não é esse o caso e que o que acontece no útero pode afetar a criança durante toda a sua vida."
Cuidar da saúde durante o parto também é essencial. Um ensaio realizado pela Universidade de Helsinque, na Finlândia, aponta que o monitoramento externo da frequência cardíaca fetal, sem o registro simultâneo do pulso materno, está ligado a um maior risco de encefalopatia neonatal e acidemia — Ph anormalmente baixo — no sangue da artéria umbilical fetal.
Ao analisar quase 214 mil partos, viram que recém-nascidos monitorados apenas externamente tinham 1,6 vezes mais chances de desenvolver encefalopatia neonatal e 2,3 vezes mais chances de ter acidemia grave. O estudo, descrito na revista American Journal of Obstetrics and Gynecology, destaca que o monitoramento exclusivamente externo pode misturar a frequência cardíaca fetal com o pulso materno, o que dificulta a detecção de problemas de saúde do recém-nascido.
"Especialmente, durante a segunda fase do parto, quando as mães tendem a apresentar aumento da frequência cardíaca, os fetos têm mais desacelerações da frequência. Consequentemente, a frequência cardíaca fetal pode ser misturada com o pulso materno. A frequência cardíaca anormal do bebê, indicando hipóxia fetal, pode passar despercebida", frisou, em nota, o pesquisador Mikko Tarvonen.
Fernanda de Souza Dias, pediatra da Beneficência Portuguesa de São Paulo (BP) frisa que se a frequência cardíaca da mãe diminui, há um fluxo menor de sangue para o bebê. "Durante o trabalho de parto, se há um fluxo sanguíneo inadequado para o bebê, vai faltar sangue em vários órgãos, como o cérebro. Isso pode levar a encefalopatias com desenvolvimento um pouco mais tardio."
Paulo Telles, pediatra e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, salienta que o estresse a que o feto é submetido em uma gestação com problemas, como nutrição inadequada da mãe, situações emocionais extremas aumentam o risco de problemas de saúde mental e física ao longo da vida. "É preciso melhorar o acesso ao pré-natal e cuidar da saúde da gestante. Cuidamos da mãe e, de forma direta, do bebê, a curto e longo prazo.
Palavra de especialista
"As alterações são muitas. A postura muda o centro de gravidade, há até mesmo mudanças no sistema cardiovascular. Para suportar o feto, o volume de sangue circulante da mulher aumenta até 50%, isso para garantir o transporte de oxigênio e nutrientes através da placenta para o feto. A frequência cardíaca é afetada, bem como o sistema respiratório para atender a maior demanda de oxigênio. O sistema urinário também é modificado, o útero no início e no final da gestação comprime mais a bexiga, aumentando a frequência urinária e, às vezes, também elevando a tendência de infecções urinárias. Mudanças na pele são bem significativas, aparecimento de estrias e escurecimento de algumas áreas. A gravidez mexe com praticamente todos os sistemas, incluindo nervoso e digestivo." Joeline Cerqueira, membro da Comissão de Pré-Natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo)
Dicas
É possível diminuir a exposição aos ftalatos
» Evite alimentos processados e industrializados, especialmente aqueles com alto teor de gordura
» Opte por comprar alimentos frescos e orgânicos sempre que possível
» Evite aquecer alimentos em embalagens plásticas, especialmente no
micro-ondas
» Use embalagens de vidro ou aço inoxidável para armazenar alimentos
» Evite comprar brinquedos de plástico macio para crianças
» Leia atentamente os rótulos de cosméticos e produtos de higiene pessoal para verificar se há ftalatos na composição
Fonte: João Lindolfo Borges, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)
A pesquisa