Um dos grandes destaques da indústria farmacêutica é a possibilidade de atuar com ingredientes biomiméticos, isto é, que simulam ações que ocorrem no corpo. E o mais recente destaque é a melanina sintética e biomimética, apresentada em estudo da Regenerative Medicine, publicação da Nature. “Conhecemos a melanina como o pigmento que dá cor à pele, olhos e cabelos. Mas ela também é capaz de protegê-la, agindo como um filtro natural que absorve e dispersa a luz solar. É por isso que nossa pele mancha: o escurecimento após a exposição solar é uma reação para fotoproteger o material genético (DNA) celular”, explica a dermatologista membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Ana Maria Pellegrini. “Com o creme, os pesquisadores notaram uma dupla ação: de potencialização da proteção solar e de reparação dos danos”, acrescenta a médica.
A melanina sintética imita a melanina natural da pele humana, pode ser aplicada topicamente em uma pele ferida, acelerando a cicatrização, e na pele aparentemente sã, para tratar danos internos. “Quando aplicada em um creme, a melanina sintética pode proteger a pele da exposição solar e curar a pele lesionada por danos causados pelo sol ou queimaduras químicas. A tecnologia funciona eliminando os radicais livres, produzidos por lesões na pele, como queimaduras solares, além de acalmar o sistema imunológico. Ao acalmar a inflamação destrutiva nessa superfície, o corpo pode começar a curar em vez de ficar ainda mais inflamado”, diz a médica. “Em contrapartida, se não for controlada, a atividade dos radicais livres danifica as células e, em última análise, pode resultar em envelhecimento da pele e câncer de pele”, acrescenta Ana Maria Pellegrini.
Segundo a médica, muitas pessoas não notam os danos solares, mas eles ocorrem também internamente. “Se você se expor todos os dias ao sol, sofrerá um bombardeio constante e de baixo grau de luz ultravioleta. Isso piora durante os horários de pico do meio-dia e no verão. Sabemos que a pele exposta ao sol envelhece mais que a pele protegida por roupas e filtro solar”, diz a médica. “Todos esses insultos silenciosos à pele levam à formação de radicais livres que causam inflamação e quebram o colágeno. Essa é uma das razões pelas quais a pele mais velha parece muito diferente da pele mais jovem. Além disso, a exposição crônica pode furar esse bloqueio da melanina natural da pele, danificando o DNA celular, o que é um risco, pois aumenta a chance de cancerização do paciente”, destaca a dermatologista.
Quando os cientistas criaram as nanopartículas sintéticas de melanina, eles modificaram a estrutura da melanina para ter maior capacidade de eliminação de radicais livres. "A melanina sintética é capaz de eliminar mais radicais por grama em comparação com a melanina humana. Ela foi criada como uma super melanina. É biocompatível, degradável, não tóxico e transparente quando aplicado na pele. Nos estudos, atua como uma esponja eficiente, removendo fatores prejudiciais e protegendo a pele”, comenta.
Leia: Nefrectomia total: como é realizada e quais os riscos
Uma vez aplicada na pele, a melanina fica na superfície e não é absorvida pelas camadas abaixo. “A melanina sintética estabiliza e coloca a pele no caminho de cura, que vemos tanto nas camadas superiores quanto em todo o corpo.” Os cientistas que publicaram o trabalho científico estudam a melanina há quase 10 anos e já a testaram, com sucesso, como protetor solar. “O creme de melanina sintética pode ser usado como intensificador de proteção solar para proteção adicional e como intensificador de hidratante para promover a reparação da pele. Ele poderia ser usado antes de sair ao sol, com efeito preventivo, e depois de tomar sol, com efeito curativo. Em ambos os casos, o estudo mostra redução nos danos e na inflamação da pele”, afirma a médica.
Outra funcionalidade seria utilizar a melanina sintética em produtos para cicatrização, tratamento de bolhas e feridas abertas, além de pacientes em tratamentos oncológicos de radioterapia.
O experimento
Os cientistas usaram um produto químico para criar uma reação com bolhas em uma amostra de tecido de pele humana em um prato. As bolhas apareceram como uma separação das camadas superiores da pele umas das outras. Eles esperaram algumas horas e depois aplicaram o creme tópico de melanina na pele ferida. Nos primeiros dias, o creme facilitou uma resposta imunológica, ajudando inicialmente a recuperar as enzimas eliminadoras de radicais da própria pele e, em seguida, interrompendo a produção de proteínas inflamatórias. Isso iniciou uma cascata de respostas nas quais observaram taxas de cura muito aumentadas. Nas amostras que não receberam tratamento com creme de melanina, as bolhas persistiram. “O tratamento tem o efeito de colocar a pele em um ciclo de cura e reparação, orquestrado pelo sistema imunológico”.