Terra abençoada por suas riquezas naturais, o Brasil também conta com frutas nativas que trazem inúmeros benefícios para a saúde. Em recente revisão publicada em setembro na Foods, um grupo de autores avaliou a influência das frutas nativas brasileiras e seus subprodutos na microbiota intestinal humana e seu papel potencial na mitigação de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), com base na literatura científica atual. “As frutas nativas brasileiras, originárias de diversos biomas, são ricas em compostos bioativos, e seu processamento permite não apenas o consumo in natura, mas também produz subprodutos ricos em elementos valiosos como os fenólicos, proporcionando benefícios substanciais à saúde. Estamos falando do açaí, acerola, goiaba, jabuticaba, baru, buriti, juçara e maracujá. Incluí-las na dieta melhora o aporte de nutrientes antioxidantes e compostos anti-inflamatórios, muitos dos quais fundamentais para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis como hipertensão, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e câncer”, argumenta a médica nutróloga, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), Marcella Garcez.
O desenvolvimento das doenças crônicas não transmissíveis está ligado a fatores de estilo de vida, como a má alimentação, a inatividade e o consumo de tabaco, e cada vez mais a investigação enfatiza a relação entre as DCNT e os desequilíbrios na microbiota intestinal. “A obesidade induz inflamação crônica e ameaças cardiovasculares, a dislipidemia interfere no metabolismo lipídico, aumentando o risco de doenças cardíacas, e o diabetes, marcado por hiperglicemia contínua, prejudica as células endoteliais. Todas essas condições partilham laços com desequilíbrios da microbiota, que não só influenciam o aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis, mas também afetam significativamente a saúde intestinal e o bem-estar geral”, diz Marcella.
A médica explica que variações na microbiota podem perturbar o equilíbrio intestinal, levando a doenças intestinais e sistêmicas. “A nutrição é essencial no tratamento das DCNT, e os probióticos e os compostos bioativos dos alimentos podem modular a microbiota intestinal para promover a saúde. Os ácidos graxos de cadeia curta de uma dieta saudável melhoram vários processos fisiológicos, apoiando a saúde sistêmica”, explica a médica.
Frutas nativas brasileiras e benefícios para a saúde
Os autores investigaram diversos estudos sobre frutas nativas brasileiras, como açaí (Euterpe oleracea Mart.), acerola (Malpighia emarginata DC), goiaba (Psidium guajava L.), jabuticaba (Myrciaria jaboticaba Vell.) Berg), baru (Dipteryx alata Vog.), buriti (Mauritia flexuosa L.), juçara (Euterpe edulis Mart.) e maracujá (Passiflora capsularis L.), que são abundantes em componentes bioativos. “Esses componentes podem influenciar a microbiota intestinal, oferecendo benefícios como atividades anti-inflamatórias e antioxidantes, melhora da sensibilidade à insulina e controle da dislipidemia. Essas frutas contêm fibras dietéticas essenciais que auxiliam na absorção de lipídios e carboidratos, melhoram a motilidade intestinal e ajudam a reduzir a ingestão de alimentos. Ricas em compostos fenólicos, essas frutas possuem propriedades anti-inflamatórias, antimicrobianas e antioxidantes e podem estimular bactérias benéficas no intestino”, diz a médica.
Efeitos das frutas nativas brasileiras na microbiota intestinal
O estudo mostrou as características das frutas nativas do Brasil:
Açaí
O açaí, de origem indígena da Amazônia, contém antocianinas, que influenciam a fermentação colônica, segundo o estudo. “Flavonoides chamados antocianinas, responsáveis por sua coloração, com grande poder antioxidante, são compostos bioativos que conferem funcionalidade ao alimento. Sua fermentação provoca alterações em determinados grupos bacterianos e produz ácidos orgânicos. Os compostos fenólicos do açaí têm efeitos antioxidantes que protegem o DNA”, diz a médica. Além disso, um extrato de açaí rico em antocianinas demonstrou sua eficácia no tratamento de problemas relacionados à obesidade em ratos. Ensaios clínicos com indivíduos com sobrepeso consumindo açaí mostraram redução dos indicadores de estresse oxidativo. A médica ainda lembra que a polpa de açaí é rica em cálcio e potássio, importantes para várias funções metabólicas.
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Acerola
A acerola, uma fruta tropical cultivada no Brasil, afeta positivamente o crescimento probiótico. A pesquisa mostra que o subproduto da acerola aumenta o crescimento de certos probióticos e leva ao consumo de carboidratos pelo organismo. “Isso reduz o pH e aumenta a produção de vários ácidos orgânicos. Além disso, a fermentação do subproduto da acerola modifica a composição das bactérias intestinais, promovendo metabólitos relacionados à saúde”, diz Marcella. Além disso, a fruta contém fibra alimentar e compostos fenólicos, incluindo miricetina, ácido salicílico, ácido 2,5-di-hidroxibenzóico, catequina e rutina, que são benéficos para a microbiota intestinal.
Goiaba
A goiaba, fruta tropical nativa da América, é um produto importante no Brasil. Os subprodutos da goiaba podem promover o crescimento de probióticos, produzindo metabólitos benéficos à saúde. Além disso, foi demonstrado que os suplementos de goiaba melhoram a saúde do cólon, reduzem a absorção de gordura e apoiam as atividades metabólicas em ratos. “As qualidades terapêuticas da goiaba, incluindo polissacarídeos e outros compostos, têm sido exploradas para diversas condições de saúde, como diabetes, obesidade e diarreia, enfatizando seu potencial para modular a microbiota intestinal e conferir benefícios à saúde”, explica a nutróloga.
Jabuticaba
Durante o processamento da jabuticaba, fruta brasileira, é produzido um subproduto que, ao ser fermentado, influencia positivamente os micróbios intestinais, potencializando cepas benéficas como Lactobacillus e Bifidobacterium. O estudo também diz que o subproduto também modifica compostos fenólicos devido a fatores como pH e enzimas. “Adicionar casca e sementes de jabuticaba a uma dieta rica em gordura para ratos trouxe benefícios à saúde, como melhor controle de peso e glicose. O extrato da casca ajudou ratos com colite, promovendo um microbioma intestinal mais saudável. Além disso, quando adicionado ao iogurte, o extrato de semente de jabuticaba reduziu a inflamação e melhorou a saúde intestinal em ratos com câncer de cólon, mostrando seu potencial no combate ao câncer e propriedades antioxidantes”, enfatiza.
Baru
O baru, do bioma cerrado, possui subprodutos como polpa e casca. Em estudos, a polpa de baru apresentou potenciais efeitos prebióticos, atuando como fonte viável de carbono para determinadas cepas probióticas e modificando o pH e a produção de ácidos orgânicos. “A fermentação in vitro mostrou que a polpa de baru aumenta a abundância de bactérias intestinais benéficas. O alto teor de fibras da polpa, juntamente com seus compostos fenólicos, podem ser responsáveis por esses efeitos. Além disso, o óleo de noz de baru apresenta benefícios à saúde, como a redução da formação de trombos em ratos e o aumento da atividade antioxidante em mulheres obesas”, diz a médica nutróloga.
Buriti
O buriti é uma fruta reconhecida em algumas regiões brasileiras. O seu óleo, especialmente quando combinado com leite fermentado e cepas bacterianas específicas, tem sido estudado pelo seu impacto na microbiota intestinal de adultos jovens. “A polpa contém fibra alimentar e diversos compostos fenólicos, que podem ser responsáveis por esses efeitos. Além disso, o óleo da polpa de buriti possui propriedades que atenuam os danos oxidativos.”
Juçara
A juçara, nativa da Mata Atlântica do Brasil, sofre fermentação, aumentando a abundância relativa de certas bactérias benéficas. Os compostos fenólicos em sua polpa podem influenciar esse equilíbrio microbiano, e a exposição à digestão gastrointestinal simulada altera o conteúdo desses compostos. Pesquisas sobre a juçara relacionaram seu consumo a benefícios à saúde, como redução do ganho de peso e melhora da tolerância à glicose, de acordo com Marcella. Segundo a revisão, um estudo com adultos obesos mostrou que a ingestão de polpa de juçara foi associada a um aumento notável na abundância relativa de bactérias benéficas e ácidos graxos de cadeia curta nas fezes.
Maracujá
Quando adicionada ao leite fermentado, a polpa de maracujá melhorou a contagem de células bacterianas e aumentou os níveis de ácido acético e butírico. “A fibra dietética solúvel da fruta, quando testada em ratos com colite, minimizou a perda de peso, restabeleceu compostos benéficos, diminuiu a inflamação e promoveu a saúde intestinal”, explica Marcella. O maracujá também é fonte de vitamina C, que tem importante ação antioxidante e aumenta a resistência do organismo, pois, como elucida a médica, ajuda a aumentar a produção de glóbulos brancos, que fazem parte do sistema imunológico.
A médica recomenda a inclusão desses alimentos em uma dieta equilibrada, variada e o mais natural possível, para promover os benefícios descritos e prevenir doenças.