Thaís e seu namorado são representantes de uma tendência contemporânea na qual casais optam conscientemente por não ter filhos, escolhendo, em vez disso, compartilhar seu amor e atenção com animais de estimação. Juntos, eles decidiram criar gatos, uma escolha que reflete suas preferências pessoais e estilo de vida. Sherlock, como é chamado o seu pet, chegou durante a pandemia de COVID-19.
Thaís comenta que a decisão de não ter filhos foi algo que ela e o namorado tomaram desde o início do relacionamento. “Meu gato traz muita alegria e companheirismo, mas sempre mantemos a perspectiva de que são animais de estimação, e amamos eles por isso."
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Esta escolha de vida de Thaís é um reflexo de um movimento mais amplo observado no Brasil e ao redor do mundo. Cada vez mais casais estão redefinindo o conceito de família e considerando os animais de estimação como uma parte importante de suas vidas, sem necessariamente os substituir por filhos.
A pesquisa Radar Pet, do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (Sindan), destaca o aumento do número de animais de estimação nos lares brasileiros. Enquanto muitos tratam seus pets com um cuidado especial, a diversidade nas relações entre pessoas e animais de estimação espelha uma gama de escolhas pessoais e estilos de vida diferentes.
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A pesquisa ainda revela que 21% das casas com cachorros são de casais sem filhos, enquanto 65% são de casas com filhos. Entre as casas com gatos, 25% pertencem a casais sem filhos. Estes dados sinalizam uma tendência de redução da taxa de fecundidade e aumento da preferência por pets. Conforme o IBGE, a taxa de fecundidade no Brasil caiu de 6,16 filhos por mulher em 1960 para 1,74 em 2020. Ficando abaixo do nível de reposição populacional, que é de 2,12. Ao mesmo tempo, o número de pets no país cresceu 65% entre 2009 e 2019, segundo o Instituto Pet Brasil.
Consumo, liberdade e autonomia
Segundo Igor Téuri, psicólogo do Núcleo de Apoio Psicopedagógico da Newton Paiva, a sociedade ocidental se apoia cada vez mais em valores como o sucesso profissional, o consumo, a liberdade e a autonomia. Em meio a isso, outros conceitos como o de família e comunidade tem sofrido ressignificações.
“Apesar de muito compensador e gratificante, ter filhos também implica em fazer investimento de muitas coisas, como tempo, dinheiro, disponibilidade emocional. Em alguns casos, pode significar abrir mão de lazer, viagens, carreira, etc. Além disso, ter filhos envolve uma série de desafios, como educar e cuidar. Muitas pessoas não se sentem preparadas ou dispostas a assumir esse compromisso, que exige dedicação”, explica o psicólogo. Segundo ele, a criação de pets também exige responsabilidade e investimentos, que são diferentes da criação de crianças.
Para o psicólogo, não há nada de errado em ter pets e tratá-los bem, desde que isso não se torne uma forma de alienação, de isolamento, de substituição, de negação ou de fuga da realidade. “Os pets são ótimos companheiros, mas não podem ser os únicos. As pessoas precisam cultivar também os vínculos humanos, que são essenciais para o bem-estar, o crescimento, a realização e a felicidade de todos”, destaca.
Além dos benefícios e dos desafios que os pets trazem para a vida das pessoas, é preciso considerar também os impactos que essa tendência tem para o futuro do país. A baixa natalidade é um fenômeno que afeta não apenas o Brasil, mas muitos países do mundo, especialmente os mais desenvolvidos. Segundo a ONU, a taxa de fecundidade global caiu de 3,2 filhos por mulher em 1990 para 2,5 em 2019, e deve chegar a 2,2 em 2050.
Desequilíbrio na estrutura etária da população
A redução do número de nascimentos tem implicações demográficas, econômicas, sociais e ambientais. Por um lado, pode contribuir para o controle do crescimento populacional, que é um dos fatores que pressionam os recursos naturais e agravam os problemas ambientais. Por outro lado, pode gerar um desequilíbrio na estrutura etária da população, aumentando a proporção de idosos em relação aos jovens, o que pode afetar negativamente a produtividade, a previdência, a saúde e a educação.
“Ter um pet pode ser uma experiência muito positiva e enriquecedora, desde que haja um cuidado ético e afetivo com o animal. Além disso, é importante que as pessoas não usem seus pets como subterfúgio para se fugir do convívio com outras pessoas. Somos um ser social, e as relações humanas que podem oferecer outras formas de amor, apoio, aprendizado, crescimento, etc. É muito importante termos uma rede de apoio, que pode ser composta por família, amigos, colegas e profissionais”, alerta o psicólogo.