SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No livro "Sebastião", uma família vítima da tragédia de São Sebastião, que completa um ano nesta segunda (19/02), está reunida em um abrigo improvisado na sala de aula de uma escola. Abrigos são os lugares para onde as pessoas que perdem suas coisas em situações assim são enviadas.
A mãe da família chora, o pai está sem reação, e o protagonista pergunta "O que vai ser da gente?". Pode ser que alguns adultos digam que este tipo de história, cheia de sofrimento e dor, não é coisa para criança ler. Que criança, isto sim, tem que ler coisa bonita, ver gente alegre.
Para um dos autores do livro, não é assim que a literatura funciona. "É um grande engano achar que as crianças não sabem lidar com histórias tristes ou trágicas", diz Claudio Fragata.
"Basta lembrar dos contos de fadas: alguns são pura tragédia e estão aí até hoje. Histórias tristes nos ajudam a lidar com nossas emoções. Histórias trágicas e reais nos preparam para entender melhor o mundo, que não é só feito de flores, mas também de dores e frustrações."
"Sebastião" é um livro que se diz para crianças, mas pode ser lido por pessoas de todas as idades -basta que elas queiram se conectar de alguma forma ao que aconteceu na madrugada do dia 19 de fevereiro de 2023. Naquela noite, mais de 600 milímetros de chuva desabaram sobre São Sebastião, cidade no litoral norte de São Paulo.
Tanta chuva caindo duma só vez em um só lugar dissolveu encostas na Serra do Mar. Elas caíram sobre estradas e casas, e deixaram 64 mortos na cidade. Horas antes, uma mulher havia morrido durante o temporal em Ubatuba, município litorâneo mais ao norte.
Janaína de Figueiredo, que escreveu "Sebastião" junto com Claudio, mora em São Sebastião, porém em uma parte da cidade que não foi afetada pelo desastre. Os filhos dela, no entanto, estavam em uma das regiões problemáticas, e Janaína não conseguia se comunicar com eles.
"As estradas estavam cobertas de lama, não tinha sinal de telefone e o mar estava com ondas gigantescas. Depois de 12 horas de espera e angústia, consegui notícias dos meus filhos e fiquei emocionada em saber que estavam vivos", lembra a autora.
Ela conversou com crianças alojadas em abrigos -como o menino Sebastião que depois ela criaria em seu livro. "Elas me ensinaram muito a ter coragem e a não desistir, apesar dos pesares", conta. O protagonista da história está tão triste e desesperançoso que, em um determinado momento, se pergunta se alguém que passa por algo assim tão difícil continua a ser criança.
"A dúvida de Sebastião nos provoca a pensar nas diferentes formas de ser criança no mundo. Em muitos casos, o sofrimento pode estar muito presente em algumas infâncias. Penso que as crianças não deveriam passar por tudo isso, é injusto. Lutar por um mundo melhor é lutar por infâncias felizes e plenas", diz Janaina.
Para Sebastião, uma maneira de lidar com a dor é brincar. E é curioso ver, no livro, que os adultos envolvidos na mesma tragédia que o menino não encontram conforto da mesma forma, fazendo algo tão simples e acessível.
"Os adultos não sabem brincar, esquecem que brincaram um dia e a gostosura que isso é. Eles se levam a sério demais e acabam doentes", diz o autor Claudio. "Brincando a gente usa a imaginação e aprende muita coisa sobre nós e os outros, ou seja, sobre o mundo."
SEBASTIÃO
Preço: R$ 80 (32 páginas)
Autoria: Claudio Fragata e Janaína de Figueiredo
Editora Aletria