Apesar de figurarem entre as principais estratégias para auxiliar casais inférteis a conquistarem o sonho de ter um filho, os tratamentos de reprodução humana, como a Fertilização In Vitro (FIV), ainda são cercados por desinformação, o que causa medo nos pacientes, principalmente com relação à saúde dos futuros filhos. Mas cada vez mais estudos têm se debruçado sobre o assunto para entender qual o impacto desses procedimentos nas crianças. Agora, por exemplo, um estudo, publicado em novembro na revista médica Journal of the American Medical Association, mostrou que tratamentos de reprodução assistida não aumentam o risco de transtorno do espectro autista (TEA) nas crianças. “Esse é o maior e mais recente estudo publicado sobre o tema. E as conclusões são animadoras, servindo para encorajar e tranquilizar casais inférteis que precisam se submeter aos procedimentos de reprodução assistida”, destaca o especialista em reprodução humana e diretor clínico da Clínica Mater Prime, em São Paulo, Rodrigo Rosa.
O estudo incluiu 1,3 milhões de crianças de Ontario, no Canadá, dividas em quatro grupos de acordo com a saúde reprodutiva dos pais e o método de concepção: nascidos por concepção natural (86.5%), filhos de casais subférteis que não passaram por tratamentos (10,3%) e crianças de pais inférteis concebidas por tratamentos de baixa (1,5%) ou alta complexidade (1,7%). “Vale ressaltar que, ao contrário do que muitos pensam, sub fertilidade e infertilidade não são sinônimos. Casais subfertéis até podem conceber um filho sem necessidade de intervenções, mas, no geral, têm mais dificuldade para engravidar ou, então, a mulher não é capaz de seguir com a gestação até o fim. Em contrapartida, casais inférteis são completamente incapazes de conceber um filho sem algum tipo de tratamento de reprodução humana”, pontua o médico, que também explica as diferenças entre os tratamentos de baixa e alta complexidade. “Nas técnicas de baixa complexidade, como coito programado e inseminação artificial, o processo de fecundação ocorre dentro do organismo. Já nas técnicas de maior complexidade, como a FIV, a fecundação ocorre de maneira controlada no laboratório e apenas uma certa quantidade de embriões é transferida para o útero”, detalha.
Começando aos 18 meses de idade, essas crianças foram acompanhadas por um período de 5 a 11 anos, sendo que 22.409 delas foram diagnosticadas com transtorno do espectro autista, ou seja, 1,6% do total. Ao analisarem a incidência de TEA entre os diferentes grupos, os pesquisadores observaram que a taxa de incidência foi de 1,9 a cada 1000 pessoas-ano em crianças nascidas naturalmente de casais férteis. “Pessoas-ano é uma medida utilizada em estudos como esse, em que os indivíduos não foram seguidos durante o mesmo período de tempo. Essa medida não considera apenas o número total de participantes, mas também o tempo de acompanhamento de cada um deles. Por exemplo, um estudo com 1000 pessoas que são acompanhadas por um ano cada contém 1000 pessoas-ano”, explica o médico. Em comparação, a taxa de incidência (a cada 1000 pessoas-ano) foi de 2,5 entre os nascidos de casais subférteis e 2,7 entre as crianças concebidas por métodos de reprodução assistida, independentemente da complexidade.
Segundo Rodrigo Rosa, os resultados do estudo demonstram que os tratamentos de reprodução humana, por si só, não aumentam o risco de TEA, mas sim a subfertilidade ou infertilidade associadas, independentemente da realização de alguma intervenção. “E mesmo o aumento na taxa de incidência observada entre crianças nascidas de casais subférteis em comparação aos filhos de casais férteis foi muito discreta, com diferença de menos de 1 caso a cada 1000 pessoas-ano. Além disso, os resultados mostraram que fatores obstétricos, como gestação múltipla e parto prematuro, são grandes responsáveis pela associação entre infertilidade e TEA”, destaca o médico. O estudo ainda apontou que não houve diferença na taxa de incidência de TEA entre a FIV convencional e a FIV com injeção intracitoplasmática de esperma (ICSI). “Essa é uma técnica recente que permite que o espermatozoide saudável seja selecionado microscopicamente para ser inserido diretamente dentro do óvulo com o auxílio de uma agulha de máxima precisão. Essa seleção com microscópio permite separar o material genético em condições para fertilização, revertendo problemas como alterações na quantidade ou qualidade dos espermatozoides”, explica o médico.
Agora, mais pesquisas são necessárias para explorar quais são exatamente os mecanismos pelos quais a infertilidade pode estar associada a um maior risco de TEA, incluindo, por exemplo, o motivo específico da infertilidade, o que foi uma limitação do presente estudo. “Por fim, vale destacar que, além de não estar associada ao aumento do risco de TEA, a FIV também não pode ser usada para prevenir casos da condição. Apesar de hoje existirem procedimentos como o teste genético pré-implantacional (PGT), que permite que os embriões sejam examinados antes da transferência para garantir a interrupção da transmissão de mutações genéticas, o autismo é uma doença multifatorial, envolvendo mais de um gene, o que impossibilita o seu rastreamento”, informa Rodrigo Rosa.