O número de suicídios nos Estados Unidos tem crescido de forma constante desde a virada do século e está agora no nível mais alto já registrado.
Segundo o CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em Saúde Pública ligada ao Departamento de Saúde americano), foram confirmados 49.449 suicídios em 2022, ano mais recente com dados disponíveis.
É o maior número já documentado no país e quase 3% acima dos 48.183 casos de 2021. No mesmo período, a taxa de suicídio passou de 14,1 para 14,3 mortes por 100 mil habitantes, a mais alta desde 1941.
Os números ainda são preliminares e o CDC alerta que podem aumentar, já que muitas mortes em investigação levam meses até serem confirmadas como suicídio.
A taxa de suicídio no país vem subindo desde o início dos anos 2000. Em 2019 e 2020 teve leve queda, mas voltou a crescer em 2021 e 2022.
Especialistas ressaltam que as causas do aumento são complexas, com uma combinação de vários fatores, que podem ter peso maior ou menor dependendo do grupo demográfico analisado. Entre esses fatores estão problemas de saúde mental, depressão, solidão e dificuldades econômicas.
A epidemia de mortes por overdose de drogas, especialmente fentanil, que vem se agravando nos Estados Unidos, com mais de 100 mil óbitos por ano, também costuma ser citada. Muitas vezes, nos casos de overdose, é difícil distinguir mortes acidentais de intencionais.
Também é possível que o sistema de classificação de mortes como suicídio seja mais preciso do que no passado, quando muitos casos não eram computados.
"O estigma ainda é um grande problema", diz à BBC News Brasil o psicólogo Dan Reidenberg, conselheiro da Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e diretor do Conselho Nacional para a Prevenção do Suicídio.
"Mas 20 ou 50 anos atrás, (por causa do estigma) muitas vezes não se falava em suicídio, e nem todas as mortes eram classificadas de forma correta."
O que torna o problema americano único
Reidenberg ressalta que, globalmente, a taxa de suicídio americana não é das mais altas, e diversos países africanos e do Leste Europeu, entre outros, têm taxas bem maiores.
Mas um aspecto em particular diferencia os Estados Unidos do resto do mundo: armas de fogo, que são facilmente obtidas no país, foram usadas em mais da metade dos casos em 2022.
"É o único país onde armas de fogo são o método mais comum em suicídios", diz uma análise da organização sem fins lucrativos National Bureau of Economic Research (NBER).
A análise destaca outros pontos da crise americana. Entre 16 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), 12 registraram queda nas taxas de suicídio de 2000 a 2020.
"Dos quatro restantes, os Estados Unidos tiveram, de longe, o maior aumento."
Os autores advertem que o maior uso de armas não explica sozinho o aumento recente nas taxas, mas ressalta que são "especialmente letais em tentativas de suicídio".
"Somos definitivamente uma exceção quando se trata de o método de suicídio ser armas de fogo", concorda Reidenberg. "Quanto mais acesso, maior o número de suicídios."
Segundo o Centro de Soluções para a Violência Armada, ligado à Universidade Johns Hopkins, enquanto os homicídios por arma de fogo nos Estados Unidos caíram levemente em 2022, os suicídios com o método cresceram.
Das 48.117 mortes por arma de fogo, 26.993 foram suicídios.
"A taxa de suicídios com armas de fogo aumentou quase ininterruptamente desde 2006", diz o estudo.
"Em 2021, atingiu o nível mais alto desde que o CDC começou a registrar esses dados, em 1968. Em 2022, superou esse recorde."
Os autores ressaltam que as armas de fogo "foram a principal causa de morte de crianças e adolescentes pelo quinto ano consecutivo", incluindo tanto homicídios quanto suicídios, com "impacto desproporcional" em jovens negros.
A taxa de suicídio com arma de fogo entre crianças e adolescentes negros de 10 a 19 anos triplicou entre 2003 e 2022. No ano passado, ultrapassou pela primeira vez a taxa entre jovens brancos da mesma faixa etária.
Os números em detalhe
Do total de suicídios em 2022 nos Estados Unidos, 39.255 foram entre homens, número quase quatro vezes maior que as 10.194 mortes entre mulheres. No entanto, houve maior aumento percentual entre mulheres, com crescimento de 4%, enquanto os casos entre homens aumentaram 2%.
A taxa de suicídio entre homens chegou a 23,1 mortes por 100 mil habitantes, bem acima das 5,9 entre mulheres. Também nesse caso, porém, o aumento percentual foi maior entre mulheres, de 4% em relação ao ano anterior, acima do crescimento de 1% entre homens.
"Há um aumento preocupante na taxa de suicídio entre mulheres", diz Reidenberg. "Historicamente, as mulheres tendiam a não usar métodos tão letais quanto os homens."
Pessoas mais velhas são especialmente afetadas, com 21,3 mortes por 100 mil habitantes com mais de 75 anos. Entre homens dessa faixa etária, a taxa de suicídio chega a 43,7.
"Essa faixa etária tem historicamente a maior taxa de suicídio", afirma Reidenberg.
"Muitos têm problemas de saúde, não têm mais condições de trabalhar, enfrentam dificuldades financeiras, sofrem com solidão."
O CDC diz ainda que as taxas de suicídio entre homens de 45 a 64 anos e mulheres de 25 a 34 anos tiveram "aumento expressivo" em 2022.
Apesar de leve queda em relação ao ano anterior, a taxa de suicídio entre indígenas foi a mais alta entre as categorias raciais analisadas, com 26,7 mortes por 100 mil pessoas. Entre homens indígenas, chegou a 39,2 por 100 mil.
Em 2021, ainda em meio à pandemia, uma das grandes preocupações era com a saúde mental de crianças e adolescentes. O tema chegou a ser destacado pelo cirurgião-geral do país, Vivek Murthy, principal porta-voz do governo federal para assuntos de saúde pública.
No entanto, após um período de aumento, os dados preliminares de 2022 mostram queda de 18% na taxa de suicídio na faixa de 10 a 14 anos, com duas mortes por 100 mil crianças. Na faixa de 15 a 24 anos foram registradas 14 mortes por 100 mil pessoas, redução de 9% em relação ao ano anterior.
Reidenberg e outros especialistas ressaltam que, apesar de as mudanças serem uma boa notícia, dados de apenas um ano não são suficientes para saber se essa tendência de queda irá se manter.
Mas o psicólogo lembra que, nos últimos anos, houve um grande foco na prevenção de suicídio entre jovens.
"Estamos vendo impactos positivos (desse investimento)", afirma.
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