SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - No dia 26 de fevereiro de 2020, quarta-feira de Cinzas, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso da Covid no Brasil. O paciente, um homem de 61 anos, havia viajado para a Itália dias antes. O país europeu enfrentava um caos generalizado no serviço de saúde e acumulava dezenas de mortos pelo novo vírus.
Após o primeiro registro, não demorou para o Brasil entrar nas estatísticas globais como um dos mais gravemente atingidos pela doença. Agora, quatro anos depois, o país já contabiliza mais de 38 milhões de casos e aproximadamente 709,9 mil mortes, segundo os dados divulgados até o último dia 17.
Persistem, contudo, algumas dificuldades no registro da Covid no país, em parte por um problema crônico de falta de testagem, da dificuldade em isolar e rastrear casos suspeitos e da baixa vigilância genômica -o Brasil sequencia cerca de 0,003% das suas amostras, enquanto países como Reino Unido analisam por volta de 5%.
Para Wallace Casaca, coordenador da plataforma SP Covid InfoTracker e professor de ciência da computação e matemática na Unesp (Universidade Estadual Paulista), não existe uma política pública de testagem estabelecida nas esferas municipal, estadual e federal.
"E seria bom mostrar para as pessoas a importância de se testarem porque com um diagnóstico elas se protegem e também aos outros", afirma.
Nas últimas semanas, impulsionado pelas festas de final de ano e repetindo a curva observada em países do hemisfério norte, houve um aumento do número de casos de Covid no país, passando de cerca de 20 mil na primeira semana epidemiológica do ano para mais de 45 mil na sétima semana.
"A maioria das pessoas sequer faz um teste de Covid, então os dados têm problemas de subnotificação. Isso já é sabido. Os dados divulgados nos boletins epidemiológicos correspondem aos pacientes que procuram um teste na rede pública, nos postos de saúde ou hospitais, esses sim são notificados. Mas, como não há nenhuma campanha, nem orientação, poucos fazem o teste", explica Casaca.
Procurado, o Ministério da Saúde afirma, em nota, que realiza a aquisição dos testes rápidos e de RT-PCR para diagnóstico de Covid e faz a distribuição às secretarias estaduais de saúde, além de manter contato com os estados para monitoramento e elaboração de estratégias de testagem.
Diz, ainda, que houve aumento nos registros de teste rápido nas primeiras semanas de 2024, passando de 37.917 em 23 de dezembro de 2023 para 75.098 em 17 de fevereiro de 2024. Os dados são preliminares e estão sujeitos à alteração.
A pasta afirma também que a vacinação segue como a principal medida para evitar casos graves. Além disso, destaca a relevância de medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras.
O problema da testagem hoje é diferente do gargalo inicial enfrentado em 2020, quando faltavam kits para a realização do exame RT-PCR, considerado padrão-ouro para o diagnóstico da Covid, avalia Lorena Barberia, pesquisadora da Rede de Pesquisa Solidária e professora no departamento de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo).
"Antes, nós tínhamos um problema de falta de testes e por isso mesmo foram feitos critérios para escolha de quem seria testado, privilegiando os casos graves e hospitalizações. Hoje, o critério não é mais o mesmo, e todos com sintomas de síndrome gripal deveriam ser testados para Covid, mas sabemos que isso não ocorre por diversos motivos", afirma.
Um deles é a mudança de comportamento da própria população perante a doença. Para Barberia, os testes são deixados de lado pela falta de uma política clara de isolamento ou ausência de meios para conseguir fazer o exame. "Quem pode pagar um autoteste na farmácia talvez até faça, mas se vai ao posto e não consegue, ninguém vai buscar em outros postos para conseguir o diagnóstico", diz ela.
A pesquisadora é autora de um estudo publicado em 2023 na revista PLoS Global Public Health que avaliou a distribuição de testes RT-PCR do Ministério da Saúde para os estados durante a primeira, segunda e terceira ondas de Covid (entre março de 2020 e junho de 2022).
Apesar do aumento na distribuição na segunda onda em relação à primeira e terceira, isso não se traduziu em uma melhor política de testagem, mostra a pesquisa. "Nosso estudo apontou como essa forma de limitar as diretrizes epidemiológicas sobre testagem contribuiu para a ausência de uma política nacional de testagem. E isso poderia ter ajudado a reduzir drasticamente as novas infecções no início da pandemia", afirma.
Houve um esforço para o aumento no número de laboratórios credenciados para a realização dos exames de Covid e, também, de novos tipos de testes no mercado --muitos, porém, com a eficácia reduzida. Mesmo assim, estados e municípios continuam relatando falta de estoque ou atraso nas entregas como principais problemas para a implementação da testagem.
A Secretaria Municipal de São Paulo afirma dispor de uma ata de registro de preço para fornecimento de testes Covid nas unidades de saúde da capital, que pode ser acionada de acordo com a necessidade da rede. A pasta não informou se há falta de testes.
A Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo diz que a distribuição dos testes rápidos fica a critério da gestão municipal, que tem autonomia para compra direta do insumo. Afirma também que realizou a compra de um milhão de testes rápidos, mas recebeu apenas 500 mil unidades, que já foram distribuídas aos municípios.
"O CVE [Centro de Vigilância Epidemiológica] aguarda a entrega das demais unidades para distribuí-las de imediato aos municípios solicitantes. A pasta também solicitou ao Ministério da Saúde e aguarda retorno", declara, em nota.
Além das falhas nas políticas de testagem e subnotificação dos casos, problemas que atingem esferas municipal e estadual, o governo federal quase não tem conhecimento sobre as principais variantes em circulação no país, segundo especialistas. Isso é motivo de preocupação pois não é possível prever ondas causadas pela introdução de uma nova variante, avaliam.
Para Casaca, uma política pública efetiva de testagem seria essencial para dizer à população que a pandemia ainda não acabou. "Nós ainda temos ondas ocorrendo, ainda temos um aumento substancial de casos e, em 2024, morrem 200 pessoas por semana de Covid. A título de curiosidade, é como se um avião lotado caísse toda semana", diz ele.