Minas Gerais, assim como diversos estados brasileiros, está sob alerta quanto à dengue, que já responde por mais de 900 mil casos no país e mais de 180 mortes, considerando os dados mais atuais disponibilizados pelo Ministério da Saúde. O calor e as chuvas facilitam a reprodução do mosquito Aedes Aegypti, transmissor da doença, e a situação é preocupante, mesmo sendo uma problema sazonal. Além dos sintomas conhecidos, como dor e manchas pelo corpo, a patologia também atinge os olhos.

A dengue possui diferentes tipos, sendo um deles o mais perigoso, a hemorrágica, devido ao risco de morte. Mas, até mesmo uma manifestação mais leve pode comprometer a saúde ocular. A trombose ocular, também chamada de derrame, é uma possibilidade para todas as ocorrências de dengue, devido à produção e depósito de anticorpos nas paredes internas das artérias e vasos, obstruindo e causando inchaços na retina. A fóvea, região central da retina, também pode ser atingida e inflamar. A camada está localizada no fundo do olho e transmite as imagens para o cérebro, formando a visão.

O pior tipo de dengue provoca uma série de hemorragias, com dores abdominais fortes e contínuas e os sintomas tradicionais. Trata-se do tipo que mais afeta a visão, porque a doença gera uma queda no número de plaquetas, elevando a chance de uma hemorragia acontecer na superfície ou interior do globo, assim como a retina e o nervo óptico.



Quando a hemorragia acontece na superfície, o primeiro sinal é o aparecimento de uma mancha vermelha, mas não costuma apresentar riscos. Já no interior, a situação é mais séria e os sintomas silenciosos. À medida que o problema evolui, a qualidade da visão vai piorando, até levar à cegueira.

"A dengue é transmitida pela picada do mosquito Aedes aegypti infectado com o vírus. O vírus da dengue penetra nos olhos através da conjuntiva ou da córnea, podendo atingir a retina, o nervo óptico e a úvea, levando a hemorragias, inflamações e trombose venosa, dependendo do local onde ele se instala", explica o oftalmologista do HOlhos e neurocientista, diretor do Laboratório de Neurociências Aplicadas a Visão, Ricardo Guimarães.

O olho possui barreiras vasculares que protegem da entrada de todos os vírus, incluindo o da dengue, diz o oftalmologista. Essas barreiras, compostas por células endoteliais e outras moléculas, salienta, impedem a passagem de patógenos para o interior do olho. "No entanto, em alguns casos, o vírus da dengue consegue romper essas barreiras e infectar a retina, a parte do olho responsável pela visão central. Por causa dessas barreiras, os casos de dengue ocular são relativamente raros. Estima-se que apenas cerca de 2% dos pacientes com dengue apresentem algum tipo de sintoma ocular", elucida.

Leia: Entenda por que hemorragia não é o principal sintoma da dengue grave

Segundo o médico, a infecção penetra nos olhos através da corrente sanguínea, afetando principalmente a retina. "O vírus da dengue causa danos às células endoteliais dos vasos sanguíneos da retina, e isso produz um aumento da permeabilidade vascular. Com isso, ocorre o extravasamento de plasma e células sanguíneas para a retina, o que produz uma hemorragia retiniana. A hemorragia leva à visão embaçada e até mesmo cegueira", afirma Ricardo. Entre os sinais de que algo não vai bem, o oftalmologista diz que as principais queixas dos pacientes são dor aguda nos olhos, fotofobia, manchas ou perda de visão.

Entre as complicações mais severas, o especialista cita o descolamento de retina, que pode ser desencadeado pelo acúmulo de fluido entre a retina e a coroide, sendo que a hemorragia retiniana pode causar perda visual grave e cegueira, se não for tratada a tempo; a chamada neurite óptica, que é a inflamação do nervo óptico e também pode resultar em perda de visão permanente; e a oclusão da veia central da retina, ou trombose da veia central da retina, outro quadro causador de possível perda de visão permanente.

Ricardo explica que o diagnóstico da dengue na visão é realizado pelo exame oftalmológico de rotina, principalmente biomicroscopia de lâmpada de fenda, e exame da retina, sendo que podem ser pedidos ainda um OCT, a tomografia da retina. Entre os testes laboratoriais, ele lista os exames de sorologia, hemograma completo e contagem de plaquetas. "Geralmente o paciente já vem com o diagnóstico clínico encaminhado para o oftalmologista. Pacientes mais velhos ou portadores de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, em tratamento de imunossupressão, e grávidas, correm mais riscos", indica.

Ricardo lembra que não existe medicação específica para combater o vírus da dengue nos olhos. O tratamento é direcionado para o quadro sistêmico, a fim de aliviar os sintomas da inflamação e prevenir complicações. "Em casos leves, o tratamento pode ser feito com colírios anti-inflamatórios. Em casos graves, usamos anti-inflamatórios, corticoides e anticoagulantes, para prevenção de trombose dos vasos da retina ou de descolamento da retina. Quando acontecem hemorragias, podemos fazer também fotocoagulação com laser. Tratamos as hemorragias retinianas para também prevenir o descolamento de retina. Se houver descolamento de retina, a indicação é de cirurgia, para colar a retina novamente", descreve Ricardo.

Enquanto a vacina não está disponível para todas as faixas da população, é preciso manter alguns cuidados para evitar a doença, como usar repelente ou roupas mais compridas, escondendo a pele, colocar telas nas janelas e evitar deixar recipientes acumuladores de água expostos. Quando se trata da saúde ocular, quem recebe o diagnóstico de dengue deve consultar um oftalmologista para ser examinado e, se necessário, iniciar o tratamento para evitar o desenvolvimento de problemas, difíceis de serem revertidos, principalmente se descobertos tardiamente.

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