Fundada em 1855, a Universidade Estadual de Michigan (MSU), nos Estados Unidos, é uma das principais universidades de pesquisa do mundo. Uma mineira de Belo Horizonte, a farmacêutica Carolina de Aguiar Ferreira, não poderia estar em outro lugar para desenvolver seu talento e competência na área da ciência da saúde. Aos 35 anos, ela é professora assistente dos departamentos de Radiologia, Farmacologia e Toxicologia e Engenharia Biomédica da Michigan State University. Hoje, trabalha para buscar o tratamento mais efetivo e a cura de uma das doenças mais assustadoras da sociedade: o câncer, de vários tipos, no caso, de cólon, pâncreas, próstata, mama, ovário, cérebro, entre outros.
Carolina é uma representante de potências que fazem a diferença. No início do mês, ela foi recebida no Capitólio, a instituição do Congresso dos Estados Unidos, formado pelo Senado e Câmara, com a missão de pedir mais verbas para a ciência. Ela foi uma das representantes da Academy's Advisory Council, uma CECI². A Academia de Radiologia e Pesquisa de Imagens Biomédicas criou o Conselho de Investigadores em Início de Carreira em Imagens (CECI²) em 2014 para reconhecer as conquistas de pesquisadores que estão nas fases iniciais de suas carreiras e envolvê-los na defesa do financiamento de pesquisas.
"Fomos ao Capitólio americano para promover pesquisa na área de radiologia e 'pedir' por mais investimento ao National Institute of Health (NIH), principal instituto de investimento em pesquisa dos EUA", conta.
Dos EUA, Carolina conversou com o Estado de Minas para contar um pouco de sua trajetória, os primeiros passos e como ela chegou onde está, sendo orgulho da família, dos colegas cientistas brasileiros e americanos. Formada em farmácia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em ciência e tecnologia dos materiais e radiações pelo Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) e doutora em engenharia biomédica pela University of Wisconsin-Madison, Carolina é daqueles talentos proeminentes de um Brasil que não cuida da educação e de seus cientistas como deveria - o que não a impediu de trilhar seu caminho amalgamado pelo prazer de estudar, enraizado pelos pais, desde os primeiros passos.
A cientista é mineira de Belo Horizonte, mas seus pais já moravam em Pará de Minas, na Região Metropolitana, onde ficou até 14 anos. Sempre estudiosa, assim como a irmã, quase 11 meses mais nova Camila, de 34 anos, elas foram influenciadas tanto pela família da mãe quanto do pai, tendo o ideal da educação como prioridade, já que é “o que faz diferença na vida”.
“Educação sempre veio em primeiro lugar lá em casa. Tanto que nossos pais, Eduardo e Cristina, nos colocaram nas aulas de inglês e espanhol aos 5 anos. Eles largaram carreiras estabelecidas em Pará de Minas e se mudaram para BH para conseguirmos uma educação melhor no ensino médio. Tenho certeza de que passaram dificuldades financeiras nessa época, mas nunca nos deixaram saber. A ideia era que tivéssemos a melhor educação que poderíamos. Eu e minha irmã passamos no vestibular na UFMG quando tínhamos 17 anos”, diz Carolina. Ela escolheu farmácia por gostar de biologia, química e matemática e "querer melhorar a saúde das pessoas por meio da pesquisa". Sua irmã fez ciências atuariais "por ser confiante com números".
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Estudar está no DNA da família
Com orgulho, Carolina expõe o quanto seus pais não só valorizam a educação, mas também construíram suas vidas impulsionadas pelo desejo de aprender. "Meu pai, já formado em engenharia metalúrgica pela UFMG, resolveu depois de adulto e de já sermos adolescentes, que ele gostaria de fazer outro curso. Fez faculdade de direito e hoje atua como advogado. Acho que ele gosta tanto de estudar que também se aventurou numa especialização em pedras preciosas pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Mas, no fundo, acho mesmo que ele adora ser universitário. Minha mãe não fica atrás. Além de ser engenheira e arquiteta, pela UFMG, fez especialização em perícias e avaliações imobiliárias e começou o mestrado em meio ambiente e segurança. Minha irmã se mudou para a Inglaterra, trabalhou em grandes empresas e fez outra faculdade: ciências contábeis. Acho que somos mesmo uma família que adora estudar. Lá em casa algumas diversões de domingo consistiam em resolver exercícios de lógica."
A inspiração e a referência do avô
Além dos pais, o avô José Porfírio de Aguiar, em especial, é uma referência fundamental para Carolina, é quem despertava sua curiosidade e aventura. “Todos da minha família me serviram de inspiração. Tios, tias, avós, primos, pais, irmã. Todos sempre trabalharam e estudaram muito. Vou sempre agradecer por ter tido a ‘sorte’ de ser criada num ambiente familiar assim. Perdi meus avós por parte de pai cedo, tinha apenas 2 anos. Então, cresci próxima dos meus avós maternos. O meu avô José Porfírio era muito sério entre os adultos. Daquele tipo bem observador, que falava pouco. Mas ele se transformava perto das crianças. Ficava brincalhão, colocava a tampa do liquidificador na cabeça e um pedaço de espinafre na boca e corria atrás da minha avó perguntando onde estava a “Olívia” (referência ao Popeye). Ele também ativava nossa curiosidade e escondia coisas no armário para a gente achar."
Carolina conta que José Porfírio foi trabalhar como auxiliar em uma farmacinha do interior de Minas. Como funcionava antigamente, lá na década de 1940 e 1950, e como era estudioso, ele aprendeu a exercer a maioria das funções do farmacêutico, como se fosse um farmacêutico prático. “Era conhecido na cidadezinha como 'alquimista', sabia fazer fórmulas, entendia de plantas medicinais, adorava experimentação científica mesmo sem ter conhecimento técnico (gostava até de testar formulações naturais em si mesmo). Ele acreditava no poder da ciência e falava muito sobre isso e essas conversas me inspiraram muito a seguir a carreira científica. O sonho dele era ser pesquisador e, por causa do meu avô, cresci acreditando que a ciência e a pesquisa eram capazes de melhorar a vida das pessoas."
Amante dos desafios
Dando voos cada vez mais altos, com expectativas somadas ao desejo de crescer, desbravar o mundo científico, Carolina chegou em um momento que precisava deixar o Brasil: “Sou uma pessoa que ama desafios. Desafios me movem. Depois de fazer o mestrado no Brasil e perceber realmente que gostaria de seguir a carreira acadêmica, me deparei com a chamada do Ciências sem Fronteiras para doutorado pleno no exterior. Pensei nas possibilidades de aprendizado fora do país e resolvi me inscrever. Felizmente, consegui a bolsa de estudos, passei em programas de doutorado nos EUA e fui enfrentar o desafio. Acredito que o Brasil é uma fonte de excelentes pesquisadores e cientistas, bem formados e treinados, principalmente em universidades públicas. Vejo que quem consegue posições na área de pesquisa no Brasil, no Brasil permanecem e querem realmente contribuir para o desenvolvimento do país. O que falta é investimento para fazer com que haja lugar para tanta gente boa”.
Atuação nos EUA e um laboratório para chamar de seu
Ao fazer farmácia na UFMG, o objetivo de Carolina era ser pesquisadora. Já nos primeiros anos, foi aluna de iniciação científica do laboratório de radioisótopos, e lá se encantou com o trabalho com radiações e como é ampla a utilização da radiação para melhora da saúde humana – desde o diagnóstico e tratamento de doenças.
“Dali fiz o mestrado em ciência e tecnologia das radiações de minerais no CDTN e, em seguida, me mudei para os EUA para fazer o doutorado em engenharia biomédica, sempre com o foco na utilização de materiais radioativos para diagnóstico e tratamento de câncer. De lá fui pesquisadora de pós-doutorado na escola de medicina de Harvard e posteriormente na University of Wisconsin-Madison. Atualmente sou professora assistente de três departamentos na Michigan State University: Radiologia, Farmacologia e Toxicologia e Engenharia Biomédica.”
Carolina tem o próprio laboratório (https://www.miralaboratory.com/) com um grupo de mais ou menos oito pessoas (incluindo alunos e post docs). "Focamos no uso da radiação como solução para problemas de saúde. Utilizamos compostos radiomarcados para detecção não invasiva de doenças e do sistema imunológico, bem como para terapia contra o câncer e modulação do sistema imunológico."
Sistema imunológico e o câncer
A ideia, explica Carolina, é usar um composto radioativo que vai somente para o câncer, “que a gente pode ver usando imagem molecular para diagnóstico e que a gente possa usar como tratamento e para ajudar o sistema imunológico a combater o câncer ao mesmo tempo. Por enquanto, fazemos tudo no estágio pré-clínico, usando modelos animais. E não trabalhamos apenas com câncer de cólon, pesquiso tratamento para vários tipos de câncer, como de pâncreas, próstata, mama, cólon, ovário, cérebro, etc. O que a gente espera é um dia utilizar esses compostos em ensaios clínicos com humanos e, com resposta positiva, fazer com que esses compostos sejam usados amplamente no tratamento de tumores”.
O ritmo da ciência e o futuro da cientista
Jovem, em plena produção científica, incansável na busca de resultados que beneficiarão a saúde no mundo, Carolina tem muito a fazer e planeja conquistas, ao lado dos colegas, que vão celebrar a vida. “Acredito que para ter sucesso nesse trabalho preciso de planejamento. É um ofício que consiste em gerenciar projetos científicos, bem como pessoas e dinheiro. Então, precisa de bastante planejamento, mensal, anual e até daqui a 10 anos. Mas, claro, na ciência tudo pode ocorrer. Experimentos demorarem mais que planejado, resultados inconclusivos e um monte de coisas que não dependem só da gente."
Ciência requer tempo, paciência, persistência e resiliência. Carolina vive isso. "A parte principal do trabalho é lidar com a frustração, aprender com os erros e ter calma e perseverança para encontrar soluções. Espero que meu laboratório seja um local em que os estudantes aprendam bastante e de forma saudável. Um laboratório que tenha diversidade, com pessoas de várias culturas, e que elas aprendam umas com as outras – tanto sobre ciência quanto sobre a vida, e não só aprendam com o trabalho científico de bancada."
A carreira do cientista
Como se não bastasse mergulhar na busca pelo tratamento e cura do câncer, Carolina se preocupa com a ciência, com os cientistas diante do que elas representam para a humanidade. Não há como desconectar. “Acho que a decisão de seguir a carreira acadêmica já é um grande passo. A partir dessa decisão, creio que o principal é não desistir. O caminho é longo e árduo: muito estudo (da língua inglesa, conhecimento multidisciplinar e técnico, escrita científica), iniciação científica, mestrado, doutorado, pós-doc, publicações, congressos, networking. Mas, para mim, o mais importante é entender que tanto a ciência quanto a pesquisa são melhores e mais bem feitas quando compartilhadas, feitas em equipe, e as pessoas que você vai encontrando pelo caminho são fontes de conhecimento talvez até mais que o próprio estudo. Entender que todo mundo tem algo para lhe ensinar é essencial. Essencial também ter um equilíbrio trabalho-vida. A carreira acadêmica demanda trabalho e dedicação. Por isso, cuidar da saúde mental e bem-estar geral é importantíssimo."
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Vida pessoal e a meta de melhorar a vida das pessoas
Carolina revela que filhos e casamento estão nos planos para um futuro “bem próximo”. Ela compartilha que “ainda não ‘caiu minha ficha’ do privilégio que tenho em chegar onde cheguei. Mas tento sempre contribuir para a próxima geração de cientistas e para a pesquisa do Brasil, recrutando pesquisadores da América do Sul para os EUA, colaborando com pesquisadores brasileiros, ajudando e mentorando pessoas jovens que querem seguir essa mesma trajetória. Acho que isso é o mais valioso que aprendo - a trajetória e quem caminha com a gente são tão importantes quanto os resultados dos experimentos. Afinal, se o meu objetivo no fim é melhorar a vida das pessoas, posso também, no meio do caminho, contribuir para isso de outras formas: compartilhando conhecimento, ajudando na formação de pesquisadores com menos oportunidades, e no geral, criando uma geração de cientistas que também tem o foco em melhorar a vida das pessoas, incluindo os colegas da área acadêmica”.
Carolina está nos EUA há nove anos e se atreve a dizer que não há um dia em que não pense no Brasil e nos amigos e familiares. Ela revela que gostaria de um dia voltar ao país e estabelecer um laboratório. "Mas, por enquanto, acredito que aqui ainda tenho mais oportunidades de aprender e fazer uma pesquisa diferenciada. Até lá, espero muito que o Brasil invista em pesquisa."
Na conversa com o Estado de Minas, Carolina pede para ter a oportunidade de, publicamente, agradecer e destacar algumas pessoas que acreditaram nela durante todo esse processo: “Além dos meus amores (familiares, amigos, namorada), àqueles colegas – e principalmente orientadores – que contribuíram (e continuam) para que eu chegasse até aqui. Da UFMG, os doutores Valbert Cardoso Nascimento e André Luis Branco de Barros. Do CDTN, Edésia Sousa. Da University of Wisconsin-Madison, Reinier Hernandez e Weibo Cai. De Harvard, Umar Mahmood, e da MSU, Kurt Zinn. A eles, o meu 'muito obrigada' e vamos juntos”.