A informação de que o alcoolismo feminino vem crescendo no Brasil acontece desde antes da pandemia. E, segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), até 2030 o número de mulheres dependentes do álcool será igual ao dos homens.



“Talvez o ambiente mais igualitário tenha contribuído para que esses dados viessem a público. Veja, não necessariamente para o consumo em si, mas para o encorajamento de as mulheres encararem seus hábitos sociais e relatarem, em pesquisas, seu consumo de álcool. Daí a descoberta de que o alcoolismo está presente em todas as camadas sociais, não distinguindo gênero”, pondera Paulo Leme Filho, advogado que há 27 anos é abstêmio e ativista social lembrando que que 10% da população está sujeita a desenvolver alguma dependência, e que as mulheres estão neste grupo. “Só que elas são afetadas pelo vício de uma maneira diferente devido as suas características biológicas. Eu diria que as consequências são ainda mais difíceis para elas que sofrem muito preconceito e estão sujeitas a problemas mais graves de saúde”, analisa Paulo Leme Filho, que tem MBA em gestão da saúde (FGV-SP) e escreveu o primeiro livro com o pai, Paulo de Abreu Leme, em 2015, “A Doença do Alcoolismo”, um relato corajoso de dependentes conseguiram se recuperar.

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Para o advogado que lançou seu quinto livro sobre o tema, "O Bonequinho", com várias abordagens terapêuticas que podem ajudar dependentes e seus familiares. “A questão vai além do parar de beber. É preciso aprender a como lidar com os desafios enfrentados todos os dias e com as compulsões que desenvolvemos”, conta Leme Filho.

Mulheres jovens bebendo mais

Ele reconhece que o aumento do consumo de bebida alcoólica entre mulheres jovens é uma tendência preocupante que merece atenção. “Assim como nos muito jovens, a relação entre o consumo de álcool, depressão e ansiedade entre as mulheres é claro. E é essencial abordar esse problema com educação, apoio à saúde mental e políticas responsáveis”, enfatiza.

Efeitos nas mulheres

Os efeitos do alcoolismo no organismo feminino tendem a ser mais fortes do que no masculino. Entre os problemas que podem surgir estão doenças cardíacas, cirrose e hepatite alcoólica. Também há uma chance maior de lapsos de memória e danos cerebrais.

Isso ocorre porque a metabolização do álcool é diferente entre as mulheres. Fatores como tamanho menor, proporção de tecido gorduroso, concentração gástrica de desidrogenase alcoólica (enzima que realiza o processo do metabolismo do álcool no organismo) e variações hormonais fazem com que as mulheres fiquem embriagadas mais rapidamente. O médico Dráuzio Varella explica que isso faz com que a metabolização do álcool seja mais lenta nas mulheres e as consequências para a saúde apareçam mais rapidamente.

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Doenças associadas

A literatura médica cita que as mulheres alcoolistas têm uma tendência maior a desenvolverem doenças hepáticas, inclusive, o risco de cirrose é três vezes mais elevado.

Duas a três doses de bebida por dia eleva a chance de hipertensão arterial em 40%. Além disso, há uma suscetibilidade maior para o derrame cerebral hemorrágico. Ainda há possibilidade de surgirem miocardiopatias.

Anorexia e bulimia estão presentes em 15% a 32% das que abusam de álcool.

As mulheres que consomem de 2 a 5 drinques diariamente aumentam a chance de desenvolverem câncer de mama em 40%. A cada dose extra, o risco se eleva em 9%.

O álcool gera um efeito inibidor da remodelação óssea e isso contribui para o surgimento da osteoporose. Tanto é que as mulheres com menos de 60 anos e que ingerem de duas a seis doses diárias aumentam o risco de fratura de antebraço e colo de fêmur.

Os transtornos mentais também podem surgir como consequência do alcoolismo feminino. Prevalecem neste quadro a depressão, que atinge cerca de 40% das mulheres que abusam do álcool. Além disso, as alcoolistas tentam suicídio quatro vezes mais frequentemente.

“E também existem as consequências psicossociais, que são gravíssimas, e atingem especialmente as relações familiares. Porque nesse ambiente de abuso e dependência aumenta há mais chance de as mulheres sofrerem agressões físicas. Porque a tendência é que os parceiros delas também abusem das bebidas alcoólicas”, explica Paulo Leme Filho.

A ingestão de álcool durante a gravidez pode provocar distúrbios fetais que vão do retardo de desenvolvimento à chamada síndrome alcoólica fetal.

Pesquisas

O último levantamento do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), plataforma do Ministério da Saúde, mostra que, de 2010 a 2018, o índice de mulheres de 18 a 24 anos que bebem além do recomendado cresceu de 14,9% para 18%. Já na Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), as adolescentes que consomem álcool subiram de 55% para 67,4% no período de 7 anos. Na faixa etária dos 35 aos 44 anos, esse índice passou de 10,9% para 14%.

Chama a atenção também o consumo de bebida alcoólica entre mulheres idosas: 11,3% daquelas com idades entre 55 e 65 anos bebe além do recomendado, de acordo com o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Antes deste período, segundo o IBGE, os homens faziam uso abusivo do álcool sete vezes mais do que as mulheres. Atualmente, a prevalência entre os sexos é cada vez mais semelhante. Entre as que bebem, uma em cada quatro mulheres fazem consumo excessivo de bebidas alcoólicas (quatro doses), sendo que 2% desenvolve algum grau de dependência.

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