RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) - Cólicas intensas, dores nas pernas e na lombar, cansaço extremo, desconforto gastrointestinal e até desmaios são alguns dos sintomas que perseguiram a pedagoga e professora bilíngue Maria Eugênia Costa, 32, desde a adolescência. Foram dez anos de dor e um ovário removido antes de descobrir a endometriose, doença inflamatória sem cura em que um tecido semelhante ao endométrio (revestimento da parte interna do útero) se desenvolve fora do útero.
"Foi superdifícil chegar ao diagnóstico. Passei em diversos ginecologistas, inclusive no PS [Pronto Socorro] de muitos hospitais, que me diziam que eu tinha infecção intestinal ou infecção pélvica, ou estresse ou cisto", lembra Costa. Já adulta, em 2017, enfim encontrou uma profissional especializada e pode fazer o tratamento.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), uma em cada dez mulheres no mundo tem endometriose ou o equivalente a 190 milhões de pessoas em idade reprodutiva.
Crônica, a doença pode levar a quadros de depressão, ansiedade e infertilidade.
A advogada Paula Moraes, 42, descobriu a endometriose em 2012, quando estava tentando engravidar. "Antes disso, desde a adolescência, sentia muita cólica e tinha um fluxo menstrual muito intenso. Nessa época, mascarei os sintomas com anticoncepcional de uso contínuo. Não sabia ainda que era endometriose. Quando suspendi o anticoncepcional, as crises vieram com tudo", relata.
Em 2014, a advogada teve uma crise de apendicite. "Quando veio a biópsia, identificaram focos de endometriose no apêndice. Nessa cirurgia, o médico já aproveitou e já retirou focos em outros órgãos. Hoje continuo fazendo controle com medicação e convivo com o medo de precisar passar por outra cirurgia a qualquer momento", diz Moraes.
No Reino Unido, um levantamento com 2.000 entrevistadas mostrou que 75% das mulheres com sintomas de endometriose não buscam ajuda profissional e mais de um quinto se preocupava em não ser levada à sério pelos médicos, revelando que temas ligados à menstruação e saúde menstrual ainda são um tabu.
Em artigo publicado ano passado na Revista Nature, pesquisadoras norte-americanas e inglesas reforçaram a necessidade de políticas globais de saúde focadas nesta doença inflamatória, ainda "pouco conhecida" e "subdiagnosticada", apesar de comum.
A docente Paula Andrea Salles Navarro, do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), especialista em infertilidade e reprodução assistida, diz que é preciso investir em educação e na divulgação do problema.
"Endometriose é uma doença muito enigmática, porque há pacientes que são assintomáticas, e o espectro de manifestações clínicas pode ser bastante variado", afirma.
Em artigo científico publicado com outros autores em 2020, Navarro aponta que apesar da alta prevalência na população feminina, "os mecanismos subjacentes à infertilidade relacionada à endometriose ainda não são completamente conhecidos".
O problema envolve desde "alterações anatômicas que podem prejudicar o transporte de gametas e embriões" até redução da receptividade endometrial e presença de líquidos que alterem a função dos espermatozoides.
A professora destacou que a endometriose não diagnosticada e não tratada, além dos sintomas cíclicos dolorosos a cada menstruação e da dificuldade para engravidar, pode gerar ainda danos que vão desde dor durante a penetração em relações sexuais (dispaneuria), sangue na urina e nas fezes até comprometimento do apêndice em caso de oclusão intestinal.
"Os sintomas que podem estar associados com a endometriose são a cólica menstrual, principalmente quando é uma cólica intensa e com caráter progressivo que persiste além de dos extremos da vida reprodutiva", aponta Navarro.
Para as pacientes que são atendidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde), a recomendação é, na presença de qualquer um dos sintomas, buscar um ginecologista ou médico de saúde da família.
"O médico vai fazer uma avaliação clínica, exame físico, solicitar os exames iniciais e, havendo indicação de realização de abordagem cirúrgica, encaminhamento para unidade serviços de referência que ofereça o tratamento", diz Navarro.
No caso da dificuldade para engravidar, as chances de atendimento público são menores, embora existam.
Segundo a diretriz europeia ESHRE sobre Endometriose (2022), que traz uma revisão completa da literatura e mais de cem recomendações, profissionais de saúde precisam estar preparados para o diagnóstico e também para abordar o problema junto a questões da adolescência, menopausa, gravidez e preservação da fertilidade.
Sobre a demora no diagnóstico, Navarro diz que, de fato, há casos em que os sintomas podem ser subestimados pelo profissional de saúde, mas que também há deficiência de disponibilidade na rede de exames de imagem de boa qualidade, essenciais para a confirmação.
No caso de Costa, a pedagoga atribui o agravamento de seu quadro a uma combinação de negligência médica, falta de conhecimento sobre a doença nos consultórios, pouca escuta dos sintomas e acesso restrito aos especialistas e exames específicos da doença.
"De modo geral, acho que a dor das mulheres sempre foi muito normalizada, e isso atrapalha muito o diagnóstico. Primeiro, porque mulheres acreditam que é normal sentir dor, 'coisa de mulher', 'menstruação dói mesmo'. Depois, porque acabamos mascarando muita coisa com os remédios que são receitados sem pensar em como a doença continua a progredir", avalia.
Após muita fisioterapia e estudo do problema que tinha, Costa diz que superou alguns gatilhos, inclusive para relações sexuais, mas que a doença ainda diminui sua qualidade de vida.
"Mulheres com endometriose acabam perdendo muita coisa, o tratamento é caríssimo porque o acesso no SUS é muito restrito. Frequentemente falto ao trabalho, a eventos sociais, passo mal em viagens. É imprevisível. A endometriose afetou meus relacionamentos, tanto amizades, quanto amorosos", afirma.