Pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB-UFMG) encontraram células do sistema imunológico que marcam a evolução grave da dengue. As chamadas T reguladoras (Treg), que controlam o processo inflamatório e impedem que a inflamação saia do controle, apresentam alterações importantes e se tornam deficientes em pacientes com quadros severos. Ocorrência semelhante foi identificada pela mesma equipe em pacientes que morreram de COVID-19 e foi descrita em artigo publicado no ano passado.
O estudo, cujos resultados estão prestes a ser publicados, foi realizado com 123 pacientes, entre voluntários saudáveis que nunca tiveram dengue, pacientes com dengue clássica ou leve (tratamento realizado em casa) e pacientes com dengue com sinais de alarme, grave ou hemorrágica. Eles foram avaliados durante a fase febril, três a quatro dias após o início dos sintomas, e, em seguida, após sete e 30 dias do início dos sintomas.
De acordo com a biomédica Marcela Gonçalves, as pesquisas sobre os mecanismos de regulação da resposta imune na dengue humana vêm sendo realizadas desde 2013, quando o foco era o processo de defesa natural - que nasce conosco (chamado inato), e uma visão geral das populações de células do sistema imunológico.
Na sequência, os cientistas se detiveram no que chamam de resposta imune adaptativa ou adquirida, com foco nas células T, que é quando o organismo reconhece um agente causador de determinada doença e age de maneira específica para combatê-lo. "Fiz uma análise mais profunda e detalhada de cada uma das células e suas funções", explica a pesquisadora, que está em residência pós-doutoral sob supervisão do médico Helton Santiago, professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB e diretor clínico do Centro de Tecnologia de Vacinas da UFMG.
Nas investigações mais recentes, os pesquisadores avaliaram a produção de várias citocinas (secretada pelas células do sistema imunitário e outras quando a célula interage com um antígeno específico) identificando que os pacientes com quadros leves de dengue têm células T reguladoras específicas ao vírus da doença com capacidade de produzir um fator importante para sua função de controlar a inflamação- chamado IL-10.
Em sua superfície essas células reguladoras (Tregs) também expressam moléculas que contribuem para a diminuição de respostas inflamatórias. As mesmas células não estão presentes em pacientes com dengue grave. "Neste trabalho", enfatiza Marcela Gonçalves, "observamos uma população de Tregs funcionais específicas ao vírus da dengue, presente apenas em voluntários com dengue leve. O grupo grave não tem esta população funcional".
Para Marcela Gonçalves, os mecanismos que estariam impedindo a ativação das Tregs em dengue grave precisam ser melhor estudados. "Parece que a indução da resposta reguladora mediada por Tregs dependerá de vários contextos, mas todos eles levariam ao impedimento de ativação funcional das Tregs, muito provavelmente por conta da força da inflamação inicial", explica.
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Os resultados da pesquisa sugerem a necessidade de investigar se, além de anticorpos, as vacinas que estão surgindo para combate à dengue estão induzindo a presença de mecanismos reguladores mediados pelas Tregs para diminuir a inflamação. "Além disso, sabemos que muitas pessoas não terão acesso às vacinas em pouco tempo, então, seria importante o desenvolvimento de fármacos que estimulem a atividade de T reguladoras no organismo para combater o processo de hiperinflamação que leva à complicação dos quadros de dengue", defende.
De acordo com a pesquisadora, especialista em imunologia celular, também existem relatos de que se pode usar as próprias T reguladoras de um paciente para tratá-lo. "Você retira o sangue do doente, isola as células, faz o enriquecimento do sangue com as T reguladoras do próprio paciente e depois retorna com o sangue para ele. E assim consegue diminuir a inflamação. Mas, embora eficiente, é um tratamento individualizado e, por isso, caro", contrapõe.