A taxa de mortalidade materna no Brasil voltou aos patamares pré-pandemia: após atingir a taxa de 117 mortes por 100 mil nascidos vivos em 2021, ela voltou a 57 – índice similar ao ano de 2019, segundo dados que acabam de ser divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A morte materna é aquela que ocorre durante a gravidez ou no período de 42 dias após o parto.
Embora esse número esteja dentro das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que preconiza uma taxa abaixo de 70 mortes até 2030, ele ainda está longe do ideal. Na América Latina, a proposta é reduzir o número para menos de 30 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Para ter uma ideia, na Holanda há apenas uma morte a cada 100 mil nascidos vivos, enquanto na Áustria são duas, e na Itália, três. Por outro lado, países africanos, como a Nigéria, chegam a cerca de mil mortes para cada 100 mil nascimentos.
“Faltam seis anos e ainda estamos longe do nosso objetivo. Temos números piores que outros países da região, como a Argentina e o México”, avalia Marcos Nakamura?Pereira, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada em Mortalidade Materna, da?Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
Além disso, o especialista explica que há muita disparidade no país. Enquanto a Região Sul tem 40 mortes maternas a cada 100 mil nascidos vivos (Santa Catarina possui o melhor índice do país, com 30), o Norte e o Nordeste têm, respectivamente, 82 e 67 mortes, índices bem acima da média nacional. Os estados de Roraima, com 160, e Piauí, com 108, mostram os piores indicadores do país.
Mortes evitáveis
No Brasil, a maioria das mortes maternas ocorre por hipertensão, hemorragias e infecções. São causas diretas consideradas preveníveis. No caso da hipertensão, por exemplo, há protocolos que permitem estabelecer quais pacientes têm mais risco de desenvolver a doença para fazer o tratamento precoce.
“O controle da hipertensão é feito no pré-natal, e essas mortes denotam a falta de assistência adequada nessa fase da gravidez, que é a mais longa”, explica Rômulo Negrini, ginecologista e obstetra do Hospital Israelita Albert Einstein. “As hemorragias ainda têm um papel de destaque por falhas de processos hospitalares de reconhecimento e atuação nesses casos. Por exemplo, durante o parto, para determinar se o sangramento está aumentado ou não, são necessários processos de análise para a atuação precoce”, diz.
Para Rômulo, há também uma questão de acesso e informação, pois muitas gestantes ou puérperas têm dificuldade de chegar ao hospital. “Muitas vezes, elas não conseguem reconhecer os sintomas ameaçadores por falta de informação adequada. No caso das infecções, às vezes não existe o preparo dos profissionais para identificar as descompensações. É preciso treinamento e uso de escalas com parâmetros clínicos preestabelecidos para ajudar a identificar esses casos e criar processos com protocolos a serem seguidos.”
Para Marcos Pereira, os números mostram que há falhas no sistema de saúde, desde a inexistência de investimento até problemas organizacionais. “Faltam, por exemplo, leitos específicos de Unidades de Terapia Intensiva para gestantes, laboratórios apropriados, acesso ao pré-natal adequado, com número de consultas feitas no tempo certo, e aos exames necessários para identificar e tratar essa paciente ou encaminhá-la no tempo oportuno a serviços de maior complexidade.”
Tanto que, em países com melhores condições de assistência, há a transição das mortes por causas evitáveis para aquelas provocadas por doenças existentes antes da gravidez, como problemas cardíacos.
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“A mortalidade materna é um indicador muito importante, que sinaliza o desrespeito a um direito humano”, diz Marcos. “É um dado revelador da importância que uma sociedade dá ao papel da mulher, pois essas mortes são um grande desagregador familiar ao afetar mulheres jovens que deixam filhos desassistidos.”
Retrocesso na pandemia
A pandemia de COVID-19 causou um retrocesso de 20 anos, com o aumento de 15% na mortalidade materna na América Latina, já que a redução de óbitos em 16,4%, entre 1990 e 2015, foi praticamente anulada pelo aumento entre 2016 e 2020. As mortes cresceram também nos países ricos nesse período. Nos Estados Unidos, por exemplo, a COVID-19 respondeu por uma em cada quatro mortes maternas.
Além das mortes relacionadas aos efeitos do vírus em si, houve a falta de acesso aos serviços médicos e de prevenção nesse período.