Fatores ambientais estão relacionados ao desenvolvimento de uma série de doenças e desordens do organismo e estimativas sugerem que esses fatores desempenham um papel importante em 80% das doenças mais letais, incluindo câncer e problemas cardiovasculares. E, em novo relatório publicado em fevereiro, a Endocrine Society, maior e mais antiga organização global dedicada à pesquisa sobre hormônios, apontou que os disruptores endócrinos, conhecidos como EDCs, podem ser contribuintes primários para esses distúrbios, alertando sobre a necessidade de um regulamento mundial mais rígido com relação a essas substâncias.
“Os EDCs (Endocrine Disrupting Chemicals ou produtos químicos disruptores endócrinos) são substâncias químicas que podem interferir na produção hormonal e alterar os níveis normais dos hormônios do organismo. E como os hormônios desempenham um papel fundamental em uma enorme variedade de funções orgânicas, essas desordens hormonais causadas pela exposição aos EDCs podem favorecer uma série de problemas que vão desde disfunções férteis, imunológicas, neurológicas e inflamatórias até o surgimento de doenças como diabetes, câncer e obesidade”, explica a endocrinologista, com pós-graduação em endocrinologia e metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ), Deborah Beranger.
O conhecimento científico sobre os EDCs e seu impacto no organismo tem evoluído rapidamente, com diversos estudos demonstrando as graves ameaças à saúde humana que podem causar. Porém, segundo o relatório da Endocrine Society, ainda existe uma grande lacuna entre as políticas globais e nacionais de controle desses produtos químicos e o que dizem as evidências mais atuais sobre essas substâncias. “Os EDCs não se comportam como outros produtos químicos e as políticas regulatórias relacionadas a essas substâncias precisam levar isso em consideração. Estamos entendendo, por exemplo, que mesmo uma baixa exposição a esses produtos químicos pode causar problemas de saúde e talvez não exista uma dose segura para exposição aos EDCs. Porém, no geral, as políticas regulatórias não protegem contra essas baixas doses”, destaca a endocrinologista.
E o maior problema é que as maneiras pelas quais somos expostos aos EDCs são muito variadas. Segundo Deborah, essas substâncias estão presentes em poluentes do ar, pesticidas, embalagens de alimentos, cosméticos, brinquedos, eletrônicos e diversas outras fontes. “E a exposição aos EDCs, apesar de danosa em qualquer idade, é especialmente prejudicial durante períodos de desenvolvimento, como durante a infância e a gravidez, tanto para a mulher quanto para o feto”, diz a médica. Entre os diversos meios de exposição aos EDCs, a presença dessas substâncias em pesticidas e plásticos é destacada no relatório da Endocrine Society, principalmente devido ao aumento da produção global desses produtos.
Com relação aos pesticidas, esse novo relatório destaca o glifosato, que possui oito das dez características-chave de um EDC e está ligado a problemas reprodutivos. “Apesar de já ser proibida em alguns países, a substância segue como o herbicida mais usado no Brasil e no mundo. E a exposição não ocorre somente de maneira direta, no caso de trabalhadores rurais e jardineiros, mas também indiretamente, por meio do ar, da água e dos alimentos”, ressalta Deborah.
Quanto aos plásticos, o relatório observa que existe razão para suspeitar que o aumento na produção e uso de plástico está relacionado com a maior incidência de desordens endócrinas nos últimos anos. “A produção de plástico envolve muitos produtos químicos, incluindo EDCs. É o caso dos chamados ftalatos, substâncias presentes em cosméticos, brinquedos, utensílios médicos e de cozinha que têm sido relacionadas a efeitos na saúde reprodutiva e no desenvolvimento cognitivo”, explica a endocrinologista. E, no caso dos plásticos, o risco de exposição aos EDCs não se resume apenas ao momento da produção, se estendendo também ao uso e até ao descarte, o que é especialmente relevante visto que o descarte de resíduos plásticos é uma crise global cuja tendência é piorar nos próximos anos, com aumento da exposição aos EDCs entre pessoas que trabalham com esses resíduos ou que vivem próximas a essas áreas de descarte.
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Mas, até que políticas mais rígidas de controle dos EDCs sejam adotadas mundial e nacionalmente, existem algumas estratégias que podemos adotar para reduzir a exposição a esses produtos químicos. “Sempre que possível, evite alimentos processados e opte por consumir alimentos frescos e orgânicos, cultivados sem o uso de agrotóxicos. Lave bem frutas, legumes e vegetais. Se for consumir produtos processados, fique atento à embalagem: o ideal é evitar produtos embalados em plásticos ou escolher aqueles que indiquem no rótulo que são livres de EDCs. Procure, por exemplo, pelo selo BPA Free. Latas, por sua vez, não devem estar amassadas. Já no caso das garrafas, quando possível, o ideal é evitar as de plásticos mole e optar pelas de vidro, inox ou ainda aquelas feitas de um plástico mais duro. E nada de esquentar embalagens, potes e garrafas de plásticos ou deixá-las em ambientes quentes, pois o calor libera EDCs. Como os produtos químicos disruptores endócrinos também podem ser encontrados em cosméticos e produtos de limpeza, preste atenção ao rótulo desses produtos, principalmente daqueles que possuem fragrâncias muito fortes, o que é um sinal de alerta para a presença dessas substâncias. Além disso, evite fumar ou se expor à fumaça de cigarro, que também contém EDCs. Essas são algumas medidas que podem ser adotadas para proteção, mas lembre-se que eliminar totalmente a exposição aos EDCs é praticamente impossível. Por isso, é cada vez mais importante que medidas governamentais sejam adotadas para limitar o uso dessas substâncias”, aponta Deborah Beranger.