Em geral, distúrbio manifesta-se em crianças com até seis anos e pode persistir até a vida adulta -  (crédito: Freepik)

Em geral, distúrbio manifesta-se em crianças com até seis anos e pode persistir até a vida adulta

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Você já ouviu falar sobre alotriofagia, picacismo ou síndrome de pica? À primeira vista, essas designações podem soar estranhas, mas todas se referem a um mesmo comportamento alimentar que pode levar indivíduos a consumir em grande volume objetos sem valor nutricional, ou seja, que não são alimentos. O distúrbio é intrigante e representa um desafio tanto para as pessoas afetadas como para os profissionais de saúde encarregados de tratá-lo. Em geral, manifesta-se em crianças com até seis anos e pode persistir até a vida adulta.

No entanto, é importante ressaltar que nem toda ingestão não alimentar configura-se nesse cenário, uma vez que é necessário que o comportamento ocorra pelo menos de uma a duas vezes por mês para receber essa classificação. “Algumas das substâncias mais comuns e que essas pessoas ingerem com frequência são fósforos, cinzas de cigarros, gelo, terra, argila, pedras, papel, cabelos e pelos em geral, palitos de dente, sabão, notas de dinheiro, pasta dental e giz”, afirma o psiquiatra e diretor técnico no Centro de Atenção Integrada à Saúde Mental (CAISM) de Franco da Rocha e no Hospital Estadual de Franco da Rocha, gerenciados pelo Centro de Estudos e Pesquisas Dr. João Amorim  (CEJAM), em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, Rodrigo Lancelote Alberto.

Além das crianças e gestantes, indivíduos diagnosticados com transtornos mentais também podem apresentar características de picacismo. "Embora sua causa não seja totalmente compreendida, várias teorias sugerem a presença de fatores emocionais e deficiência de nutrientes, como ferro e zinco, como possíveis razões para o consumo de itens que não possuem valor nutricional. No entanto, esse consumo não contribui positivamente, uma vez que esses nutrientes, geralmente, são pouco biodisponíveis na maioria das substâncias consumidas pelo paciente que apresenta esse comportamento", explica o médico.

O termo “pica”, usado em dois dos nomes que remetem o quadro, faz analogia a um pássaro com o nome de P. pica ou Pega, que, não coincidentemente, é uma espécie de ave que tem o hábito de comer itens não alimentares, assim como a pessoa diagnosticada. Segundo o especialista, a identificação do problema ainda é considerada bastante delicada e demorada. "Essa é uma condição difícil para diagnóstico, devido à recusa que, geralmente, os pacientes têm em falar sobre o assunto. Muitas vezes, há vergonha e medo de julgamento por parte deles."

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O hábito frequente de consumir coisas que não são alimentos pode afetar significativamente a qualidade de vida e a saúde física e mental dos indivíduos. Pode ainda ocasionar complicações orgânicas na cavidade oral, como deterioração e quebra de dentes. "Existem também riscos gastrointestinais, como obstruções e perfurações, assim como infecções e intoxicações. Em casos mais graves, a substituição da dieta inadequada pode levar à desnutrição", relata Rodrigo.

Tratamento

Em geral, o tratamento para a síndrome de pica é abrangente e envolve diversas abordagens, como nutricional, psicológica, farmacológica e comportamental. De início, é crucial buscar ajuda médica, para realizar exames laboratoriais adicionais que identifiquem possíveis deficiências nutricionais. E, a partir disso, realizar ajustes na dieta e, se necessário, suplementação medicamentosa.

"A avaliação nutricional e os tratamentos psicológicos e psiquiátricos também são essenciais para compreender e abordar as causas subjacentes do comportamento alimentar inadequado. Isso porque, junto com o comportamento, existe uma questão social que é importante ressignificar", reforça o psiquiatra.

No contexto do atendimento nutricional, existe a prescrição de dieta, mas o tratamento vai além, buscando entender o sujeito como um todo. Para isso, é analisada a sua relação com a alimentação, considerando suas emoções, eventuais doenças preexistentes e o contexto sociocultural em que se está inserido.

"Buscamos ajudar na construção da compreensão individual em relação à comida. Para isso, auxiliamos no reconhecimento de sensações e emoções associadas à ingestão de determinados alimentos. Nesse processo, a psicologia e a psiquiatria andam conosco”, acrescenta a nutricionista na UBS Jardim Nakamura, também gerenciada pelo CEJAM em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, Marlucy Lindsey Vieira.

O tratamento pode ser desafiador e sempre será adaptado às necessidades de cada paciente. O apoio contínuo, tanto médico como psicossocial, é essencial para ajudar o paciente a superar a condição e promover uma alimentação saudável e segura. Esse padrão de comportamento não é necessariamente permanente e pode diminuir ou desaparecer com o tempo.