Assim que entram na idade reprodutiva, todas as mulheres são incentivadas a iniciar a rotina de consultas anuais com um ginecologista para cuidar da saúde reprodutiva e prevenir alguns tipos de câncer – entre eles, o de mama e o de colo de útero. Mas outro órgão deveria fazer parte dessa rotina de avaliação: o coração. Isso porque as doenças cardiovasculares ainda são a principal causa de morte no mundo e, além disso, são uma das principais causas de morte relacionadas à gravidez. Muitas dessas mortes poderiam ser evitadas se os riscos cardiovasculares das mulheres fossem discutidos e tratados precocemente.


“No Brasil, culturalmente, o ginecologista atua como se fosse o clínico geral, o médico de família. É o ginecologista que acompanha a mulher durante toda a sua vida. Por isso, é essencial que essas consultas também incluam avaliação de risco cardiovascular, especialmente para a mulher que pretende engravidar”, diz a ginecologista Maria Rita de Figueiredo Lemos Bortolotto, do Hospital Israelita Albert Einstein e responsável pela enfermaria de Gestação de Alto Risco no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP).



A ginecologista ressalta, no entanto, que isso não significa que o especialista tenha que pedir um check-up cardíaco com teste de esforço ou ecocardiograma para todas as pacientes, em todas as consultas. Mas uma boa anamnese (a conversa entre a paciente e o médico para entender o histórico e a saúde dela) é fundamental para a definição dos exames. Nesse momento da consulta é importante que a mulher fale sobre o seu histórico e o seu estilo de vida, se é fumante, se faz atividades físicas e se tem algum familiar com problema cardiovascular, entre outras informações.

“O ginecologista deve fazer uma boa anamnese e exames físicos que detectem fatores de risco. Ele pode até pedir exames como colesterol, triglicérides e glicemia e, se detectar alterações, encaminhar essa paciente para o cardiologista. A prevenção começa na consulta e termina no exame. Mas nem sempre o exame é o fator principal”, explica Maria Rita.

Diante disso, a Associação Americana do Coração listou cinco perguntas básicas que toda mulher deveria fazer sobre o seu coração durante a consulta com o ginecologista.

1 – O uso de anticoncepcionais pode afetar o meu coração?


Segundo a ginecologista, o uso de contraceptivos hormonais combinados (que possuem estrogênio e progestagênios) pode afetar o sistema cardiovascular, por meio de ações dos estrogênios (em especial o etinilestradiol, que é o estrogênio sintético).

“Esse hormônio pode levar ao aumento da pressão arterial, aumento da coagulação sanguínea, com maior possibilidade de trombose, principalmente nas pacientes que possuam outras condições favorecedoras de trombose, como obesidade, dislipidemias (gordura no sangue), diabetes, idade mais avançada e o tabagismo”, diz. Ela ressalta que a pílula anticoncepcional não exerce esse tipo de ação em todas as mulheres e, por esse motivo, é importante usá-las com a indicação médica e o acompanhamento periódico.

É importante lembrar que os anticoncepcionais que possuem somente progesterona não apresentam esse risco aumentado de trombose. “No máximo, podem alterar de forma leve o perfil metabólico da paciente. Esses são mais seguros para as mulheres hipertensas, com doenças cardíacas e aquelas com risco de trombose”.

2 – Como a gravidez pode afetar o meu coração e o que posso fazer para evitar?

As mulheres deveriam estar em dia com a sua saúde antes de engravidar para evitar complicações para si e para o feto. Isso significa manter um peso saudável, ser fisicamente ativa, seguir uma dieta saudável, controlar a pressão arterial e manter os níveis de glicose no sangue dentro da faixa normal.

Ter uma vida saudável é essencial porque a gravidez naturalmente exerce uma sobrecarga sobre o sistema cardiovascular. Ao longo da gestação, o volume de sangue no corpo da mulher aumenta em até 50%, o que sobrecarrega o trabalho do coração. Isso acontece porque o corpo precisa nutrir o útero, a placenta e o feto.

Segundo a médica, nas mulheres sem doenças cardíacas ou hipertensão prévias, essas alterações são bem toleradas pelo organismo. Mas naquelas que já possuem algum problema cardiovascular, de nascença (uma cardiopatia congênita) ou adquirido (por exemplo doenças das valvas cardíacas provocadas pela doença reumática, hipertensão arterial, arritmias), o aumento do volume sanguíneo e do trabalho cardíaco pode provocar deterioração clínica.

“Dependendo da gravidade do caso, existe até o risco de morte materna por descompensação cardíaca. Por isso, as pacientes que já sabem que possuem doenças do coração e pressão alta devem consultar seus médicos sobre o desejo de gestar. Podem ser necessários ajustes da medicação, e até correções por cateterismo ou cirurgia para a redução de risco antes mesmo de planejar a gravidez”, explica Maria Rita. Segundo ela, o pré-natal dessas gestantes deve ser feito por uma equipe multidisciplinar e com experiência na condução de gestação de alto risco.

Em relação à via de parto, a ginecologista explica que não existe obrigatoriedade de seguir uma cesariana por causa da saúde cardiovascular da mãe. Cada caso deve ser avaliado individualmente e é possível um parto vaginal ou instrumental (com o auxílio de vácuo extrator ou fórceps, para evitar que a paciente faça muito esforço na hora do nascimento). Além disso, a médica ressalta que essas mulheres devem receber analgesia com peridural e/ou raquianestesia durante o trabalho de parto. “A cesárea só é obrigatória em poucos casos, principalmente quando existe o risco de ruptura da aorta ou de hipertensão nos vasos do pulmão, ou ainda quando a paciente está em insuficiência cardíaca descompensada”, diz.

3 – Que sintomas durante e após a gravidez podem estar relacionados ao meu coração?

Segundo a ginecologista, a sobrecarga de volume sanguíneo, do trabalho cardíaco, e as alterações da anatomia pelo útero que cresce interferem na respiração da mulher (que pode ficar mais ofegante) e podem provocar inchaços durante a gravidez. Por isso, mesmo as gestantes sem doenças cardiovasculares podem apresentar um aumento nos batimentos cardíacos e um pouco de falta de ar e inchaço, especialmente no final da gravidez.

Atenção: sempre que perceber esses sintomas, a gestante deve procurar assistência médica para diferenciar o que é normal e o que não é. Uma falta de ar intensa, por exemplo, pode passar despercebida se a mulher presumir que é apenas um cansaço por causa da gravidez, quando, na verdade, ela pode ser a manifestação de alguma doença cardíaca não conhecida. Em alguns casos mais raros, também pode ser um sinal de algo mais grave, como a miocardiopatia periparto, um tipo de insuficiência cardíaca que costuma se manifestar nos três últimos meses da gravidez ou até seis meses depois do parto – independentemente de a mulher ter histórico de problema cardiovascular (apesar de ser mais comum nas gestações gemelares ou em mulheres que já tiveram hipertensão em gravidezes anteriores).

“A gravidez, através de fatores genéticos, imunológicos e inflamatórios, sobrecarrega tanto o coração que aquela mulher desenvolve essa insuficiência cardíaca. O coração dela fica mais dilatado, contrai pouco, pode sofrer arritmias. Essa é uma complicação rara e grave. Antigamente, um terço das pacientes que tinha isso se recuperava espontaneamente, um terço ficava com o problema cardíaco para o resto da vida e a mortalidade girava entre 30 e 40% dos casos. Hoje em dia o problema é diagnosticado e deve ser tratado como qualquer insuficiência cardíaca, com a medicação adequada para redução da mortalidade. Ainda assim, acredita-se que de sete a 10% das mulheres podem precisar de um transplante cardíaco”, alerta a ginecologista.

4 – Se eu tiver complicações na gravidez, isso pode afetar o meu coração a longo prazo?

Entre as principais complicações da gravidez estão a hipertensão gestacional, a pré-eclâmpsia, o desenvolvimento de diabetes gestacional e o nascimento de bebês com baixo peso ou prematuros. A literatura científica aponta que mulheres que tiveram algum desses resultados adversos na gravidez correm maior risco de desenvolverem doenças cardiovasculares no futuro do que aquelas que não tiveram. Vale lembrar que a hipertensão prévia à gestação aumenta o risco de a mulher ter pré-eclâmpsia.

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“A hipertensão arterial na gravidez é a primeira causa de mortalidade materna. Uma mulher que já teve complicações nas gestações anteriores tem quatro vezes mais risco de ter uma doença cardiovascular no futuro, em comparação com a mulher que não teve nada”, disse a médica do Einstein.

Estima-se que de dois a 5% das mulheres, dependendo da faixa etária, terão algum evento complicador na gestação. Se for uma mulher que já era hipertensa, ou uma mulher mais velha, o número aumenta para cerca de 10%.

5 – Como a menopausa afeta o meu coração?

Até a chegada da menopausa, as mulheres têm menos doenças cardiovasculares em comparação com os homens. Com a entrada na menopausa os índices se aproximam. Segundo Maria Rita, isso acontece tanto pelo fator idade quanto pelo fator hormonal. “Não é só uma coisa, nem só outra coisa. Elas acontecem juntas”, disse.

O estradiol (um hormônio feminino natural, um tipo de estrogênio mais prevalente durante a fase fértil feminina, que se inicia na primeira menstruação) tem um efeito protetor na saúde cardiovascular da mulher. Quando os níveis de estrogênio caem durante a menopausa, o risco de doenças cardiovasculares aumenta nas mulheres.


A menopausa também pode causar muitos sintomas – como ondas de calor (chamadas de fogachos), suores noturnos e distúrbios do sono –, que são tratáveis com terapia de reposição hormonal. Alguns estudos sugerem que essas terapias, quando feitas logo no início da menopausa e por via transdérmica (com adesivos ou gel aplicados na pele), podem proporcionar alguns benefícios cardiovasculares.

Entretanto, grandes estudos já realizados não comprovaram o benefício da terapia hormonal sobre o sistema cardiovascular (pode haver, inclusive, o aumento de risco de fenômenos trombóticos), mas foram feitos com estrogênio sintético, e por vezes, em mulheres que já apresentavam outros fatores de risco.

“Ainda não há evidências suficientes que apontem que esse tratamento vá oferecer proteção cardiovascular a essa mulher. A reposição hormonal tem que ser feita para tratar os sintomas da menopausa. Se a mulher tiver fatores de risco, como histórico de doença cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) ou pressão alta, ela deve conversar com seu ginecologista ou médico de atenção primária para a análise de risco e de potenciais benefícios”, diz.

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