É muito comum, quando pensamos em vacinação, associarmos o ato de vacinar somente às crianças – a rotina de imunização dos pequenos é intensa e segue rigorosa até o último imunizante do calendário infantil, que ocorre entre os nove e 14 anos (vacina contra HPV). Passada essa fase, a cobertura vacinal despenca, como se o ciclo se encerrasse e não houvesse mais a necessidade de se proteger. Mas essa é uma ideia equivocada: jovens e adultos também possuem um calendário vacinal previsto no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e precisam manter a sua caderneta em dia.
De acordo com especialistas ouvidos pela Agência Einstein, o adulto com a caderneta desatualizada pode desenvolver formas mais agressivas de doenças preveníveis por vacinas e, além disso, se tornar um vetor de transmissão, podendo colocar em risco pessoas ao seu redor, inclusive as crianças. Ainda há a questão do envelhecimento, que torna o sistema imunológico mais lento e suscetível às infecções. Não é à toa que idosos com mais de 60 anos possuem um calendário próprio de vacinas e são o público-alvo em várias campanhas, como a da gripe.
A vacinação de adultos também é importante por outros fatores, como o lugar onde a pessoa mora, o histórico de vacinação na infância, possíveis doenças que esteja tratando e até mesmo atividades cotidianas que podem influenciar a necessidade de uma ou outra vacina. Segundo o PNI, há doses de vacinas que devem ser reaplicadas durante a vida adulta e durante situações específicas, inclusive durante a gestação.
Por exemplo: se a pessoa viajar para alguma região de risco de febre amarela, precisará estar com a vacinação em dia porque alguns países exigem o certificado de proteção contra a doença (países como Panamá, República Dominicana e Cuba, entre outros). Se trabalhar ou mesmo visitar regiões de risco no Brasil, como a Amazônia, também precisará estar vacinada. E apesar de muita gente não saber, a vacina contra a febre amarela faz parte do PNI para adultos e, desde 2017, o Brasil adota o esquema vacinal de apenas uma dose, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Outro exemplo de indicação de vacina na idade adulta é para pessoas com doenças crônicas e transplantadas, justamente para reduzir o risco de desenvolverem formas graves de doenças infecciosas. Pessoas em tratamento de câncer, por exemplo, também devem avaliar com seu médico a necessidade de atualização de vacinas. Isso porque o tratamento oncológico deixa a imunidade da pessoa mais baixa e, consequentemente, ela pode ter um prejuízo maior caso se contagie por alguma doença prevenível por vacinação.
Apesar de as vacinas estarem disponíveis na rede pública de saúde, muitos adultos não se vacinam. “Talvez os adultos não procurem a vacinação porque têm a sensação de que já tomaram todas as vacinas na infância e, por isso, acham que estão fortes e protegidos e não precisam se preocupar mais. Também pode ser que se desconheça a existência de um calendário vacinal para adultos ou ainda que se acredite em notícias falsas divulgadas pelas redes sociais sobre as vacinas, especialmente nos últimos anos. Talvez não haja apenas um ponto crítico, e sim uma conjunção de fatores”, avalia a infectologista Emy Akiyama?Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Quais são as vacinas?
O calendário nacional de vacinação de adultos inclui a recomendação de vacinas contra hepatite B (são três doses, de acordo com o histórico vacinal da pessoa), dupla de difteria e tétano (com reforço a cada dez anos ou a cada cinco em caso de ferimentos graves) e febre amarela (dose única) para adultos de qualquer idade. A vacina contra o HPV na rede pública é indicada para adultos com até 45 anos vítimas de abuso sexual, mas há a opção para todas as idades na rede particular.
Para os adultos entre 20 e 29 anos, o Ministério da Saúde preconiza a vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola no esquema de duas doses). De 30 a 59 anos, a recomendação é repetir a tríplice viral. A partir dos 60 anos é indicada a vacina dTpa acelular (difteria, tétano e coqueluche). O governo também realiza a vacinação anual contra a gripe influenza para grupos de risco, entre eles, os idosos.
Além dessas, existem outras vacinas para adultos disponíveis na rede particular. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) possui um documento em que recomenda vários imunizantes – entre eles as vacinas pneumocócicas, contra herpes-zóster e hepatite A, por exemplo. O documento também indica a vacina contra a dengue e contra a COVID-19 e traz as informações sobre cada imunizante, e se ele está disponível no SUS ou não.
No começo de abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o registro de uma vacina contra o vírus sincicial respiratório (VSR), causador de infecções do trato respiratório, especialmente a bronquiolite – uma inflamação dos brônquios que atinge muitos bebês e crianças com até dois anos de idade. A aplicação da vacina é na mãe, durante a gestação. O uso dessa vacina também foi aprovado para a prevenção de doenças causadas pelo VSR em idoso com 60 anos ou mais – outra população de risco.
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“Essa é uma vacina que, quando estiver disponível, deve ser tomada. O VSR causa a infecção de vias aéreas, potencialmente graves em bebês. O que poucos sabem é que ele acomete também idosos e pode complicar aqueles com comorbidades. No Brasil, é subestimado o real impacto do VSR em idosos, já que o exame não é amplamente disponível”, explica a infectologista do Einstein.
Casos de coqueluche em São Paulo
A cidade de São Paulo, por exemplo, está vivendo um aumento de casos de coqueluche, o que gerou um alerta feito pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde. A coqueluche, também chamada de “tosse comprida”, é prevenível pela vacinação e se caracteriza por crises de tosse seca incontroláveis, intercaladas com a ingestão de ar, que provoca um som agudo, como um guincho ou chiado. Apesar de a vacina promover uma imunidade duradoura, ela não é permanente e, por isso, é indicada a revacinação na idade adulta – o que muita gente não sabe.
“Este ponto é crucial: muitos nem sabem que precisam tomar a vacina de novo. Talvez antigamente o indivíduo tivesse um médico da família, de confiança, que acompanhava o histórico desde a infância. Esse tipo de vínculo é muito importante para que o olhar sobre a prevenção das doenças seja valorizado. Hoje as pessoas são atendidas pontualmente por vários médicos e isso pode ser um fator prejudicial, pois eles não possuem uma visão mais global do indivíduo”, comenta a infectologista.
O médico Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm, concorda e diz que são poucos os profissionais de saúde que perguntam ou recomendam a vacina rotineiramente para os seus pacientes. “Há um grande esforço da SBIm e de outras sociedades médicas de conscientizar esses profissionais para a recomendação de vacinação do paciente com doença pulmonar, cardíaca, reumática, transplantado, oncológico. Há muito o que caminhar e precisamos começar na formação dos médicos”, diz.
Kfouri ressalta que ainda há no imaginário das pessoas a ideia de que a vacinação é coisa de crianças. “Quando a gente pergunta para um adulto quando ele tomou sua última vacina e se ele está com a caderneta em dia, a maioria diz que está, sem nem saber que as vacinas que recebeu na infância não protegem mais ou que nem existam as que hoje são recomendadas para esse público”, afirmou.
Caso a pessoa desconheça o seu histórico vacinal, a recomendação é se imunizar novamente – não há risco em repetir alguma vacina que eventualmente tenha sido tomada. “Se um adulto perdeu a caderneta de vacinação, a gente o considera como não-vacinado e recomeça o esquema vacinal. Mesmo que ele já as tenha tomado em algum momento da vida, não há nenhuma sobrecarga ou malefício para a saúde. Pode vacinar normalmente”, frisa o médico.