Em 30 anos, o número de casos de câncer deve dobrar no mundo, mas a expectativa é de a ciência descobrir e melhorar o diagnóstico e o tratamento com menos sofrimento para o paciente. A previsão é de George J. Netto, professor e presidente do Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Faculdade de Medicina da Universidade da Pensilvânia (Penn State), nos Estados Unidos. Para ele, a esperança no combate aos tumores se deve ao avanço da ciência apoiado pela tecnologia.
“Tenho quase certeza de que daqui a 10 ou 20 anos, viver com câncer será a expectativa usual em vez de morrer em decorrência da doença”, disse Netto, em entrevista exclusiva ao Correio Braziliense, quando esteve no Brasil, no início de abril, para participar do 9º Congresso de Oncologia D’Or, no Rio de Janeiro.
Bem-humorado e atento às transformações na oncologia, Netto até "indicou” um nome para o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina deste ano: o do cientista e seu colega Carl June - professor de imunoterapia no Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Penn State e ‘pai’ da terapia CAR-T.
A terapia CAR-T é uma forma avançada de imunoterapia que envolve a modificação genética das células T do paciente para reconhecer e atacar especificamente as estruturas cancerígenas, conforme explicou Netto. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.
Quais as principais mudanças em relação ao diagnóstico e tratamento de câncer na última década?
Tudo começou com a revolução molecular, que para nós é a segunda revolução no diagnóstico de câncer. A primeira é a invenção da imunoquímica aplicada para caracterizar o perfil de um tumor e ajudar a determinar a agressividade, o prognóstico e encontrar alvos terapêuticos. Mas a terapia alvo, direcionada, não aconteceu até iniciarmos a revolução molecular, quando começamos a entender qual é a base, o evento-chave anormal do tumor, qual é o calcanhar de Aquiles dele.
Quando começou essa “revolução”?
Provavelmente há 20 anos, mas na última década isso amadureceu, principalmente nos últimos cinco anos. Não é mais apenas o que costumávamos chamar de genômica em massa, onde triturávamos todo o tumor. Essa maior resolução está nos ajudando a avançar para a próxima fase. E é claro, a imunoterapia, o sucesso disso tem suas implicações na patologia e coincidiu com começarmos a encontrar melhores marcadores para prever respostas à imunoterapia. Também há a camada de digitalização e o uso de inteligência artificial. Nós, do departamento de patologia, estamos contratando analistas de dados, cientistas computacionais e bioinformáticos.
Tem uma perspectiva para a oncologia?
Estou muito otimista em relação ao futuro do diagnóstico e terapia do câncer. Não tenho dúvidas de que, nas próximas uma ou duas décadas, o cenário continuará se transformando positivamente. Acho até que o ritmo de descoberta e melhoria de resultados será acelerado. Penso isso em razão da computação, e todo o resto, as coisas costumavam levar 50 anos para serem descobertas. Como nos anos 1950, quando descobriram a estrutura do DNA, agora podemos sequenciar um genoma inteiro em horas. Essa aceleração está sendo alimentada pela tecnologia, pela informatização e isso vai nos ajudar a encontrar curas e atacar o câncer com múltiplos mecanismos e de diferentes direções. Há tantas terapias vindo junto à localização de biomarcadores para saber quem precisa de certa droga e quem responde a ela. Atualmente, um em cada dois pacientes com câncer em geral sobrevive, antes esse número era de um a cada três. É uma grande diferença e tenho quase certeza que daqui a 10 ou 20 anos, viver com câncer será a expectativa usual em vez de morrer em razão da doença.
Leia também: Câncer: Inca faz previsão para diagnósticos em Minas Gerais
Um estudo recente projeta que os casos de câncer mais que duplicarão até 2050, o mundo estará preparado?
Há dois aspectos que são um grande problema na saúde: o primeiro, o aumento de casos de câncer, porque geralmente é uma doença de idades mais avançadas e conosco vivendo mais tempo, a incidência aumenta. Mas há uma boa notícia, em 2050, estaremos muito melhores em termos terapêuticos porque estamos ocupados com isso agora. O outro grande impacto na saúde serão as doenças neurodegenerativas. Percebo um investimento pesado e a pesquisa em neurociência, patologias neurodegenerativas. Essas condições vão, sim, aumentar, mas entenderemos cada vez mais os mecanismos e encontraremos terapias, o que garantirá que continuemos indo bem.
Quem o senhor acredite merece o Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2024?
A Penn State é um lugar incrível, sempre foi, mas na última década tem sido tremenda. Começou com a doutora Katalin Kariko e seu colega Drew Weissman vencendo o Nobel pela descoberta da tecnologia de RNA mensageiro para vacinas. Na época não sabíamos que seria tão importante, e acabou salvando o mundo durante a pandemia de covid. Atualmente estou torcendo muito pelo doutor Carl June, membro da docência em nosso departamento e um líder mundial, se houver justiça ao ver o impacto que ele causou ao descobrir o CAR-T e todas suas implicações. A abordagem está sendo desenvolvida para se tornar mais viável economicamente. Com sorte, será aplicada in vivo em vez de fora do corpo. Ele está trabalhando duro e não apenas para usar a tecnologia em distúrbios hematológicos, como na leucemia, onde tudo começou. A próxima meta são os tumores sólidos, porque são muito mais comuns do que os tumores no sangue. Isso tem se mostrado mais desafiador. Mas ele tem seu legado por estar ali desde o início da descoberta e continuar se dedicando a ela, agora com uma equipe de quase 300 pessoas trabalhando com ele, e todos os investimentos que a Penn fez ao seu redor. A parceria com uma tremenda equipe de clínicos e oncologistas realmente levou ao seu sucesso, mas ninguém pode argumentar o contrário, essa realmente é sua ideia original e algo com tanto impacto, que terá outras ramificações e impactará muito além da CAR-T, deveria ser recompensado com o Prêmio Nobel.