À medida que o indivíduo envelhece, há uma tendência natural de perda muscular, conhecida como sarcopenia, que pode levar à fraqueza, diminuição da mobilidade e aumento do risco de quedas e lesões. Esse sempre foi um desafio nos consultórios médicos no tratamento de idosos. Mas, mais recentemente, os profissionais encontraram um agravante: a obesidade. “A obesidade sarcopênica é caracterizada por um declínio simultâneo da massa e função muscular, juntamente com aumento do tecido adiposo. Essa é uma preocupação crescente em idosos devido às consequências significativas para a saúde, incluindo implicações na mortalidade, comorbidades e risco de desenvolvimento de síndromes geriátricas”, explica a endocrinologista, com pós-graduação em endocrinologia e metabologia pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (SCMRJ) Deborah Beranger.
A médica ressalta que o tecido muscular participa do equilíbrio imunológico, com formação de citocinas anti-inflamatórias que estão relacionadas ao equilíbrio do organismo. “Com menos tecido muscular e maior número de células inflamatórias de gordura, há um maior descontrole de todas as funções do organismo, o que pode desencadear todo tipo de doença”, acrescenta Deborah. A sarcopenia atinge, aproximadamente, de 5% a 13% das pessoas com mais de 60 anos e até 50% de quem tem mais de 80 anos. “Não há dados no Brasil que correlacionem a sarcopenia e obesidade, mas nos consultórios essa é uma alteração que temos visto com frequência. Ela é fruto de dois fenômenos atuais: o crescimento da obesidade e a maior expectativa de vida da população”, diz a médica.
A endocrinologista destaca que, nesta condição, há uma interação complexa entre músculos, tecido adiposo, alterações hormonais, inflamação, estresse oxidativo e fatores de estilo de vida. “É importante observar que esses pacientes também sofrem com uma baixa produção de hormônios. Enquanto nas mulheres temos a menopausa, que favorece o aumento de peso e o acúmulo de gordura corporal, nos homens, também há uma queda fisiológica da produção de testosterona, o que está relacionado à redução da massa muscular e aumento da gordura corporal”, explica.
A médica destaca que, nesses casos, o endocrinologista deve ser consultado para uma compreensão abrangente das alterações hormonais, inflamação, alterações musculares e do tecido adiposo e fatores de estilo de vida. “Critérios de consenso propostos recentemente, desenvolvidos por especialistas internacionais, estão melhorando o diagnóstico clínico e a avaliação da obesidade sarcopênica e ajudando a obter avaliações mais precisas e consistentes dos pacientes. A obesidade sarcopênica é tratada com uma série de abordagens de manejo, como intervenções no estilo de vida, exercícios, nutrição e terapias médicas. As terapias emergentes que foram desenvolvidas para o tratamento de outras condições podem ser relevantes para a obesidade sarcopênica, incluindo novos agentes farmacológicos e abordagens personalizadas, como a medicina de precisão”, comenta Deborah.
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Entre as estratégias de manejo, a dieta requer uma atenção maior. “Todos os macronutrientes (carboidrato, proteína e gordura) desempenham papéis importantes na dieta dos idosos. No entanto, a proteína é considerada o macronutriente mais crítico para eles, justamente pela sua ação na manutenção da massa muscular, na síntese de proteínas e no reparo dos tecidos. Aliada ao exercício físico, também melhora a hipertrofia dos músculos”, diz Deborah. “O consumo adequado de proteínas ajuda a preservar a massa muscular, promovendo a saúde física e a funcionalidade geral. A ingestão diária recomendada de proteína para os idosos varia de acordo com fatores individuais, mas geralmente é recomendado um consumo maior em comparação com adultos mais jovens, entre 1 a 1,8 gramas de proteína por quilograma de peso corporal”, explica.
No entanto, a médica nutróloga, diretora e professora da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), Marcella Garcez, explica que existem alguns desafios relacionados à ingestão adequada de proteínas, enfrentados pelos idosos, dentre eles: “A redução do apetite, causada por uma variedade de fatores, incluindo alterações no paladar e no olfato, doenças crônicas, uso de medicamentos e até mesmo solidão ou depressão; dificuldades de mastigação e deglutição devido a problemas dentários, perda de dentes, próteses mal ajustadas ou disfunções neuromusculares; as restrições alimentares devido a condições médicas, como doenças renais, diabetes, hipertensão ou problemas cardíacos; dificuldades no preparo das refeições pelos idosos que vivem sozinhos, com dificuldades físicas, falta de tempo, energia ou habilidades culinárias; e baixa ingestão por idosos que seguem dietas vegetarianas ou veganas, pois as proteínas vegetais, como leguminosas, cereais, nozes e sementes, têm menor aporte de aminoácidos essenciais em comparação com as proteínas de origem animal”, diz a médica. “Os suplementos proteicos podem ser indicados quando houver ingestão insuficiente de proteínas, nos casos de recuperação de lesões e cirurgias, nos casos de sarcopenia e perda de massa muscular, quando há aumento da demanda devido à atividade física”, diz Marcella Garcez.
Assim como os planos nutricionais direcionados, também é fundamental a realização de exercícios físicos com algum tipo de resistência, incluindo fisioterapia e musculação, sempre orientados por um profissional de educação física. “Em pacientes que precisam perder muito peso, as terapias medicamentosas emergentes podem ser usadas com prescrição e acompanhamento médico”, diz a endocrinologista.
Deborah lembra que todo protocolo para recomposição corporal (aumento de músculo com diminuição de gordura) é complexo e exige disciplina e paciência. “Como temos alterações hormonais que também podem influenciar nos casos de obesidade sarcopênica, pode ser indicado para o paciente, dependendo do caso, a terapia de reposição hormonal”, aponta a médica.