O processo de fertilização em humanos começa quando um espermatozoide se liga e ‘fura’ a camada do óvulo, um envelope extracelular filamentoso, para se fundir com o óvulo. Mas por que, no geral, só um dos mais de 300 milhões de espermatozoides que nadam alucinados para chegar ao óvulo consegue fecundá-lo? A resposta vem de um estudo recente, publicado em março na revista Cell. “Depois que o óvulo foi fertilizado por um espermatozoide, a camada circundante do óvulo se aperta, impedindo mecanicamente a entrada de espermatozoides adicionais e a consequente morte do embrião, segundo o trabalho”, explica o especialista em reprodução humana, membro da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM) e diretor clínico da Neo Vita, Fernando Prado.



 

O trabalho mapeou detalhadamente a estrutura e a função da proteína ZP2, um componente do filamento do revestimento do óvulo que desempenha um papel fundamental na regulação da forma como o óvulo e o esperma interagem entre si na fertilização. “Sabemos que a ZP2 é clivada, ou seja, começa a se dividir, depois que o primeiro espermatozoide entra no óvulo. O estudo descobriu que esse evento torna a camada do óvulo mais dura e impermeável a outros espermatozoides. É como se o portão, que já não era fácil de entrar, se fechasse completamente”, explica o médico. “Isso evita a polispermia – a fusão de múltiplos espermatozoides com um único óvulo – que é uma condição fatal para o embrião”.

As alterações na camada do óvulo após a fertilização também são cruciais para a fertilidade feminina, garantindo a proteção do embrião em desenvolvimento até que este se implante no útero. É importante ressaltar que o estudo também mostra que uma parte da ZP2 que anteriormente se pensava que atuava como um receptor para os espermatozoides não é necessária para que os espermatozoides se liguem ao óvulo. Isto levanta a questão de qual é o verdadeiro receptor do esperma na camada do óvulo, que os investigadores planejam analisar mais detalhadamente.

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Para o estudo, os pesquisadores combinaram cristalografia de raios X e crio-microscopia eletrônica para estudar a estrutura 3D das proteínas da casca do óvulo. A interação entre espermatozoides e óvulos portadores de mutações na proteína ZP2 foi estudada funcionalmente em camundongos, enquanto o programa de IA AlphaFold foi usado para prever a estrutura da cobertura do óvulo em humanos.

O novo conhecimento pode explicar formas de infertilidade feminina associadas à camada de óvulo mais rígida. “Mutações nos genes que codificam as proteínas da casca do óvulo podem causar infertilidade feminina, e cada vez mais mutações desse tipo estão sendo descobertas”, diz o médico. “Em casos em que o casal não consegue engravidar de forma natural, a fertilização in vitro (FIV) pode ser indicada, pois a reprodução assistida pode ajuda a ‘furar’ esse bloqueio em óvulos mais rígidos”, esclarece o médico.

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