A tragédia que abalou o Rio Grande do Sul nos últimos dias não deixará somente marcas físicas de destruição em todo estado. Outros danos ainda estão por vir, já que quando a água baixar ainda vai sobrar os traumas de famílias marcados pelas perdas não só materiais, mas também problemas psicológicos por encararem essa realidade de devastação. Mas, nesse caso, o que fazer para lidar com todos os traumas e perdas?



A psicanalista e terapeuta sistêmica, Ana Lisboa, analisa que, atualmente, a maioria dessas pessoas estão ‘em choque’, e ao passar do tempo tem a possibilidade de desenvolverem um quadro de transtorno de estresse pós-traumático, formado por transtornos gravíssimos psicológicos e emocionais.

“Nesse momento, existem pessoas que ficaram dois, três dias em cima dos telhados. Perderam absolutamente tudo sem qualquer possibilidade de reação. Com esse choque elas começam a operar no instinto de sobrevivência, entrando em um estado de luta ou fuga, como símbolo de proteção para acabar com aquele momento logo. O que é normal diante de tudo que estão vivendo”, comenta Lisboa.

O instinto de luta pode até mesmo justificar atos extremos, de pessoas que nunca tiveram comportamentos agressivos, desenvolverem atitudes assim por desespero. Em outro extremo, depois de  alguns meses, o sistema de fuga também poderá trazer a depressão e hipervigilância e outros sintomas graves, até mesmo o pensamentos suicidas.

Porém, a água que devastou o Estado, em algum momento, vai abaixar e então, essas pessoas que já viveram momentos avassaladores de suas vidas vão precisar encarar a realidade, diante de tantas perdas. “Para se ter uma ideia, esse trauma é considerado o mesmo que atinge soldados pós-guerra, por exemplo. No momento de necessidade, todos sabem o que fazer, enfrentam, lutam, desejam viver, mas depois, são acometidas por uma depressão, insônia, crises de ansiedade”, completa Ana.

Estresse pós-traumático

Para muitas pessoas esse transtorno de estresse pós-traumático não aparece de imediato. Podendo levar até 6, 8 meses para se manifestar. Por isso, Ana destaca a necessidade de que essas pessoas sejam ouvidas e examinadas de imediato. Acompanhando nesse retorno a realidade para evitar transtornos emocionais futuros, como falta de ação, de energia física ou até agressividade.

“Nesse momento, essas famílias precisam ser ajudadas para que não falte alimento, abrigo, água e agasalhos, ou seja, o básico para eles minimamente sobreviverem neste período. Depois, é a vez dos profissionais de saúde mental entrarem em ação e ficarem atentos às alterações de personalidade desses pacientes, pelo menos por 6 a 10 meses”, comenta a psicanalista.

Embora a experiência na enchente seja singular para cada família e pessoa, o trauma não deixa de ser coletivo, por isso, a resposta de tratamentos psicológicos também está de forma comunitária. Seja entre as próprias famílias afetadas, mas também, junto aos profissionais mobilizados para isso.

“A ajuda coletiva para as vítimas das tragédias é fundamental. Ajuda a diminuir o sofrimento e ao recomeço daquela pessoa ou família. Então, aos profissionais de saúde mental que podem ajudar, ajudem, assim como o meu movimento feminino vai fazer. É um ato humano, de cidadania e, principalmente, de prevenção a doenças psiquiátricas sérias que podem surgir em um próximo momento”, enfatiza Ana Lisboa.

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