José Tadeu Arantes 

O WhatsApp pode ser um recurso poderoso para ultrapassar a barreira da solidão. E contribuir positivamente para a melhoria de quadros de depressão em idosos. Foi o que mostrou um estudo realizado com usuários de Unidades Básica de Saúde (UBS) do município de Guarulhos, vizinho à cidade de São Paulo. A pesquisa, realizada por Marcia Scazufca e colaboradores, foi publicada no periódico Nature Medicine.



Scazufca é professora na pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e pesquisadora científica no Hospital das Clínicas.

“Nosso ensaio clínico, randomizado e controlado, envolveu 603 participantes com idade superior a 60 anos, registrados em 24 clínicas de atenção primária [UBS] do Sistema Único de Saúde [SUS], que apresentavam sintomas depressivos significativos. Os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos. O grupo de intervenção, com 298 participantes, recebeu, por meio do programa 'Viva a Vida', mensagens de WhatsApp duas vezes por dia, quatro dias por semana, durante seis semanas, com conteúdos de educação sobre depressão e ativação comportamental. O grupo-controle, com 305 pessoas, recebeu uma única mensagem de caráter educacional. Nenhum dos grupos teve suporte de profissionais de saúde”, conta a pesquisadora.

A média etária dos participantes era de 65,1 anos. E a distribuição por sexos foi de 74,8%, para mulheres, e 25,2%, para homens. Scazufca informa que, dos 603 participantes inscritos, 527 (87,4%) completaram a avaliação de seguimento. No grupo de intervenção, 42,4% dos participantes apresentaram melhoria nos sintomas depressivos. Já no grupo-controle, a melhoria foi significativamente menor, de 32,2%. “Este resultado sugere que a intervenção por mensagens móveis foi eficaz no tratamento de curto prazo da depressão em idosos em áreas com recursos limitados de saúde”, diz.

A ferramenta de triagem empregada para selecionar os participantes foi o PHQ-9 (sigla em inglês para Patient Health Questionnaire-9, ou Questionário de Saúde do Paciente-9), amplamente utilizado e validado para avaliar a presença e gravidade dos sintomas de depressão. O PHQ-9 utiliza uma escala de 0 a 27, assim dividida: 0 a 4, ausência de depressão; 5 a 9, depressão leve; 10 a 14, depressão moderada; 15 a 19, depressão moderadamente grave; 20 a 27, depressão grave. Quanto maior a pontuação, maior a gravidade dos sintomas depressivos. “Convidamos para participar todas as pessoas que tiveram pontuação dez ou mais na avaliação inicial. Nossa amostra inclui, portanto, desde portadores de depressão moderada até portadores de depressão grave”, afirma a pesquisadora.

O programa recebeu o nome de “Viva a Vida”. E, considerando o ainda baixo índice de alfabetização da população idosa de baixa renda, os comunicados enviados às pessoas do grupo de intervenção eram mensagens de voz, de três minutos de duração, ou imagens. Não havia mensagens de texto. E os pesquisadores tomaram o cuidado de usar uma linguagem de fácil compreensão, baseada no modelo dos programas de rádio mais populares. Dois artistas, a Ana e o Léo, liam alternadamente as mensagens, que evoluíram de frases educacionais sobre depressão a incentivos à ativação do comportamento e alertas de prevenção de recaída (alguns exemplos podem ser conferidos no final da reportagem).

“A diferença de pouco mais de dez pontos entre a melhoria dos participantes do grupo de intervenção e dos participantes do grupo-controle talvez pareça pequena, mas, considerando que o programa 'Viva a Vida' tem um custo extremamente baixo e o potencial de alcançar uma enorme faixa da população, esses 10% podem significar milhões de pessoas. Além disso, o 'Viva a Vida' deve ser visto como um primeiro passo, que pode vir a ser combinado com outras formas de intervenção. É preciso dizer que a grande maioria das pessoas que participaram não recebia antes nenhum tratamento para depressão. Nem estavam diagnosticadas como portadoras desse quadro”, argumenta Scazufca.

E acrescenta que o resultado é especialmente relevante em um país de baixa e média renda, como o Brasil, onde a população idosa está crescendo rapidamente e os recursos de saúde mental são frequentemente escassos. O baixo custo e a fácil implementação do programa fazem com que ele possa ser replicado também em outros países, de condições socioeconômicas semelhantes ou ainda mais precárias, onde o acesso a tratamentos convencionais é limitado ou inexistente. “A continuidade desse tipo de pesquisa poderá fortalecer ainda mais as evidências para a implementação de intervenções digitais em saúde mental, expandindo o alcance do tratamento psicossocial em um contexto global”, enfatiza a pesquisadora.


 

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