Dormir bem se tornou prioridade para uma vida saudável. Uma boa noite de sono fortalece o sistema imunológico e traz muitos outros benefícios: reduz o estresse, melhora o humor e diminui o risco de desenvolver problemas cardiovasculares. Mas qual a associação da falta de sono com a perda de memória?
Um estudo inédito realizado por pesquisadores da Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP) sugere que pessoas com problemas de sono e queixas de memória têm altos índices de leptina no organismo. E esse tema foi um dos escolhidos para apresentação oral nos Estados Uidos, no SLEEP 2024, durante a 38ª Reunião Anual das Sociedades Profissionais Associadas de Sono, realizada de 1º a 5 de junho.
A pesquisadora Mariana Moysés Oliveira é uma das responsáveis pelo estudo e conta que o grupo usou dados do Estudo Epidemiológico do Sono de São Paulo (EPISONO), realizado a cada dez anos pelo Instituto do Sono, empresa da AFIP. Segundo ela, 1.042 indivíduos participaram do estudo e pela primeira vez foi observada uma relação entre leptina, sono e memória.
A leptina é um hormônio produzido pelas células lipídicas do organismo e tem ação direta no cérebro. Tem como funções primordiais o controle do apetite, a redução da ingestão de alimentos e a regulação do gasto energético, auxiliando na manutenção do nosso peso.
“A pesquisa revelou que o hormônio atuou como moderador na relação entre qualidade do sono e memória. Quando há níveis elevados de leptina, o efeito da má qualidade do sono sobre a função da memória é mais forte”, relata a pesquisadora. “O sono é essencial para o funcionamento do cérebro, enquanto a memória é normalmente definida como a capacidade de reter e evocar informações. A relação entre sono e memória já era conhecida dos cientistas, mas a participação da leptina nessa interação ainda não havia sido reportada”, relata.
Ainda segundo ela, dados preliminares mostram que não há uma diferença da relação entre leptina, sono e memória de acordo com o sexo do indivíduo, mas estudos com amostras maiores serão necessários para confirmar.
Essas descobertas destacam a associação complexa entre sono, memória e fatores hormonais como a leptina, lançando luz sobre possíveis formas de se melhorar a qualidade de vida de pessoas com esses problemas de saúde. “A leptina é um hormônio liberado pelas células do tecido adiposo, ou seja, da gordura do nosso corpo. Se controlar os níveis de leptina for uma possibilidade, combatendo a obesidade, por exemplo, pode-se atenuar os efeitos da privação de sono na memória”, pontua Mariana Moysés, que reforça que a leptina não é uma vilã.
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“Em uma situação normal, ela controla o equilíbrio energético. Ela sinaliza para o cérebro que ele deve produzir a sensação de já comemos o suficiente, por isso ela também é chamada de hormônio da saciedade. E o que detectamos é que o aumento da leptina também age na relação entre sono e memória.
Análise de dados e exames de sangue
Este estudo faz parte da terceira edição do Estudo Epidemiológico do Sono de São Paulo (EPISONO), que foi conduzido em São Paulo em 2007, e demonstrou que a insônia associada a apneia obstrutiva do sono acometia 17,7% das pessoas. Os voluntários foram selecionados para representar a população de São Paulo no estudo EPISONO. Para garantir a representatividade de vários níveis socioeconômicos, voluntários de diferentes regiões da cidade de São Paulo participaram do estudo.
As avaliações de sono e memória foram feitas por escalas clínicas validadas compostas de questionários, enquanto as dosagens de leptina foram feitas por exames de sangue.
O questionário para a avaliação de memória se chama Prospective and Retrospective Memory Questionnaire (PRMQ) e analisou a qualidade da memória entre os participantes. Entre as perguntas do questionário estavam: “Você esquece de compromissos se não for lembrado por outra pessoa ou por um lembrete, como um calendário ou agenda?” “Você falha em reconhecer um lugar que você já tinha visitado antes?”, ”Se você tentasse entrar em contato com um amigo ou parente que estivesse fora, você se esqueceria de tentar novamente mais tarde”, dentre outras.
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Foi utilizado também o Pittsburg Sleep Quality Index (PSQI), no qual os participantes tinham que fazer uma escala sobre a sua qualidade do sono no seguinte nível: menos de uma vez na semana; uma ou duas vezes por semana; três ou mais vezes por semana. O questionário trouxe algumas perguntas como: “Durante o último mês, quando você geralmente foi para a cama à noite?”, “Não conseguiu adormecer em até 30 minutos”; “Acordou no meio da noite”, “Precisou levantar para ir ao banheiro?”, dentre outras.
Em seguida, os participantes tiveram seu sangue coletado pela manhã, após uma hora de despertar e 10 a 12 horas de jejum. As coletas e análises foram feitas no Instituto do Sono e as dosagens, na AFIP.