É normal associar a pele ao embelezamento, mas o tecido cutâneo tem funções muito bem definidas - a principal delas a formação de uma barreira de proteção. Esse conceito está cada vez mais esquecido em nome dos tratamentos anti-idade promulgados nas redes sociais e o problema é que as crianças, adolescentes e jovens estão ignorando essa função principal da pele para, em nome da beleza e da prevenção de um envelhecimento ainda muito distante, investir obsessivamente em tratamentos anti-idade que podem causar mais danos do que benefícios nessas faixas etárias.

 

“Temos observado o modismo dentro do consumo mercadológico com crianças e pré-adolescentes, de nove a 14 anos, fazendo um consumo inadequado de produtos de skincare, muitas vezes influenciados por blogueiras e influenciadores, que divulgam produtos inadequados para a idade desses pacientes. Essa procura é influenciada por uma busca incessante pela aparência perfeita e pela juventude eterna. Esse modismo esconde riscos significativos para a saúde e bem-estar da pele jovem”, alerta a dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Claudia Marçal.

 



 

Em paralelo, jovens entre 18 e 24 anos querem estar um passo à frente e os cremes já não importam mais: eles recorrem à toxina botulínica. “Nessa faixa etária, é comum que, influenciados pelas redes sociais, eles cheguem ao consultório certos de que querem realizar, por exemplo, uma aplicação de toxina botulínica. Mas, no geral, não possuem indicação, ainda são muito jovens, não tem necessidade. Os riscos de iniciar esse tratamento muito cedo não são claros, mas estudos menores mostraram que há chances de produção de anticorpos, fazendo com que esse paciente não responda à toxina botulínica no futuro. Além, é claro, do desperdício de dinheiro, de tempo e uma aparência congelada”, acrescenta a dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Paola Pomerantzeff.

 

Os padrões de beleza, de novo, estão no centro do debate, mas por que as crianças, os adolescentes e os jovens estão tão preocupados com a juventude eterna? “No mundo ocidental, a beleza é sinônimo de juventude, as capas de revista estampam jovens, rostos sem qualquer sombra de rugas, mulheres magras, maquiadas e sem falar no Photoshop. Culote, barriga chapada, rugas, tudo é doença, tem que ser tratado a qualquer custo”, questiona a cirurgiã plástica, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Beatriz Lassance. “Mais alarmante ainda é a possibilidade de que o uso contínuo de produtos anti-idade por crianças, adolescentes e jovens contribua para uma distorção da autoimagem e da percepção de beleza. A pressão para prevenir sinais de envelhecimento antes mesmo deles surgirem pode reforçar ideais inalcançáveis de perfeição estética, impactando negativamente a autoestima e o desenvolvimento psicossocial”, enfatiza Claudia Marçal.

 

A rede social: ela e sempre ela

 

Editar as fotos para postar não é uma novidade – afinal, tudo na rede social tem que ser perfeito. Mas sabe aquela ideia de #nofilter, no qual as pessoas afirmam publicar fotografias “espontâneas” dos seus rostos não filtrados? Ela fez mais ‘barulho’ do que apareceu na realidade. Um estudo da Universidade de Londres sugere que até 90% das pessoas editam suas selfies antes de postar. E as crianças e jovens estão expostos a esse tipo de conteúdo. “É necessário saber analisar com crítica as imagens das mídias sociais. Aprender a desconfiar sempre do que está vendo, pode ser a pose em que a foto foi tirada, photoshop, filtro, até a luz da exposição pode favorecer a foto”, explica Beatriz Lassance.

 

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Em um estudo publicado em 2023, os participantes que editaram fotos suas tinham maior probabilidade de se considerarem menos atraentes. Eles também se engajaram no que os teóricos chamam de auto-objetificação: internalizar o que um observador externo poderia pensar de sua aparência, em vez de priorizar sua própria autoimagem. Isso está associado, de acordo com o trabalho, à vergonha corporal, transtornos alimentares e transtornos de humor, como depressão. “A obsessão pela beleza tanto influencia negativamente a saúde mental quanto é influenciada por ela”, destaca Beatriz Lassance. Por isso, ela é tão perigosa.

 

Sentindo na pele

 

Toda essa tendência, como o ‘sephora kids’, não é inofensiva. A pele de crianças e adolescentes já é caracterizada por sua elasticidade, firmeza e capacidade regenerativa natural, o que por si só já dispensaria produtos para essas finalidades. Mas a cútis infantil possui necessidades distintas da pele do adulto. “Inclusive nessa faixa etária, a pele é muito fina e sensível, não tem a sua função barreira 100% formada, como acontece no adulto ou no adolescente que já passou por todas as alterações hormonais. A aplicação de produtos anti-idade, formulados para combater rugas, linhas finas e outros sinais de envelhecimento, pode ser não apenas desnecessária, mas também prejudicial para esse público. Os componentes ativos desses produtos são substâncias como retinóides, ácidos e antioxidantes em altas concentrações. Essas substâncias podem machucar, queimar, fotossensibilizar a pele, provocando manchas e dermatites. Esses pacientes também podem formar erupções acneiformes e alergias; há também um processo de mudança da microflora cutânea, com hipersensibilização, predispondo a problemas futuros”, alerta Claudia Marçal. O pior é que muitas das crianças e adolescentes estão induzindo um problema de pele, a acne, nesse caso cosmética, justamente em uma faixa etária em que eles são mais suscetíveis à doença.

 

Exageros e resultados artificiais

 

De uma forma geral, o jovem tem uma interpretação errada da ideia de produtos e tratamentos antienvelhecimento e muitas vezes acreditam que é necessário temer o envelhecimento – e combatê-lo. “O anti-aging ou antienvelhecimento não existe. Se tudo der certo, envelheceremos e muito. A porcentagem de idosos vem aumentando mundialmente. Existe um movimento chamado pró-aging, que prega o envelhecimento saudável em oposição à tentativa de não envelhecer ou reverter os sinais de envelhecimento. Na estética, há uma preocupação de mudar o conceito de que o velho é feio. A população idosa está cada vez mais ativa economicamente, os atuais 50 anos estão sendo chamados de antigos 30. A busca pela beleza deve corresponder a beleza de cada idade”, assegura Beatriz Lassance.

 

E essa corrida dos jovens pelos tratamentos estéticos pode ter resultados desanimadores. Com essa onda de informações sobre prevenção nas mídias sociais, alguns podem tentar iniciar, por exemplo, a toxina botulínica mais cedo, porque enxergam nela um tratamento preventivo. “Assim, os pacientes pensam que a partir dos 20 anos o procedimento serviria para prevenir ainda mais rugas, o que pode não se confirmar se esse paciente não tiver realmente uma indicação para isso. Vale lembrar que temos outros fatores a considerar na prevenção e manejo do envelhecimento, incluindo diminuição dos compartimentos de gordura e queda na produção de colágeno”, explica Paola Pomerantzeff. No geral a indicação da toxina botulínica com aplicação preventiva é feita a partir dos 25 anos. “Antes disso, é mais raro, mas temos que avaliar a necessidade individual do paciente”, acrescenta a dermatologista.

 

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Os injetáveis podem ser a primeira parada dos jovens nos procedimentos estéticos. Mas iniciar cedo demais com a aplicação de preenchedores, dependendo do caso, pode acelerar o envelhecimento da aparência. “Esse uso frequente, repetido e de forma inadequada dessas substâncias, ao longo do tempo, distende mais e mais os tecidos, assim criando a necessidade de cada vez mais preenchedor e, logo, piorando os sinais de envelhecimento”, explica a cirurgiã plástica, que, de forma alguma, é contra o uso desse preenchedor – que ela considera uma ferramenta valiosa quando bem indicada. “Conseguimos restaurar estruturas profundas como a parte óssea, repor compartimentos de gordura perdidos, melhorar a proporção das estruturas da face e até melhorar a qualidade da pele. O problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher”, explica Beatriz Lassance.

 

O que faz sentido em cada idade?

 

Mas isso não significa que as crianças, adolescentes e jovens não possam cuidar da pele. De acordo com Claudia Marçal, quanto às crianças, é crucial que pais, responsáveis e educadores estejam atentos a essas tendências e dialoguem abertamente com crianças e adolescentes sobre a importância de cuidados adequados com a pele. “O uso de produtos skincare pode ser indicado, dependendo da idade, pelo pediatra ou por dermatologistas. E nós temos muitas variedades dentro das marcas industrializadas ou por personalização na farmácia de manipulação. Diferentemente do que as informações das redes sociais promulgam, o pilar para a pele de um adolescente é uma rotina de cuidados básicos”, diz a médica. “Isso inclui: um bom sabonete, de preferência neutro, que pode ser formulado para controle de oleosidade, sendo utilizado duas vezes ao dia, de manhã e à noite; uma solução de limpeza ou uma solução micelar para fazer a complementação dessa higiene; um hidratante seroso, aquoso, leve, rico em substâncias que segurem água na pele; e um fotoprotetor indicado principalmente à faixa etária da adolescência. E à noite, além de lavar e limpar, usar um hidratante para dormir, e se houver alguma formação de acne, o médico poderá indicar secativos localizados, que são à base de ácido salicílico, peróxido de benzoíla e adapaleno”, comenta Claudia.

 

No caso dos jovens, Paola alerta: “O dermatologista deve ser consultado. Como tudo na medicina, é preciso examinar o paciente, fazer um diagnóstico correto e só então decidir qual o tratamento mais indicado. Em alguns casos, para acalmar o desejo desse paciente e, ao mesmo tempo, oferecer um tratamento realmente eficaz para essa pele, podemos indicar o skincare tecnológico, que vai promover uma melhora da qualidade, saúde e aparência dessa pele com resultados muito satisfatórios”, diz Paola Pomerantzeff. “Ele é feito com um laser que trabalha na camada superficial do tecido cutâneo de maneira menos agressiva. Esse laser tem alta afinidade com a água presente na pele, promovendo um dano controlado que estimula a renovação celular e a produção de colágeno e elastina, além de quebrar a melanina causadora de manchas”, aponta Paola Pomerantzeff.

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