Viena, na Áustria, recebeu  reumatologistas de todo o mundo interessados  em trocar conhecimento e experiências nas mais diferentes áreas da especialidade, durante o European Congress of Rheumatology (EULAR 2024), que aconteceu na cidade entre 12 e 15 de junho. Dentre uma variedade de temas em pauta, atualizações sobre doenças reumáticas, novas formas de tratamento a curto e longo prazo, manejo da dor, por exemplo, como cita a reumatologista, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fabiana Moura, que esteve no evento.

 

A especialista destaca algumas abordagens que estão inovando o atendimento dos reumatologistas aos pacientes com doenças autoimunes e degenerativas. O primeiro aspecto, elenca Fabiana, é a abordagem da dor nos portadores de doenças reumáticas . "No entendimento atual, existem várias vias de dor para o paciente. Mesmo quando conseguimos atuar em determinada via, ele ainda permanece com dor, e isso precisa ser abordado também. Basicamente, são três grandes vias de dor que nos ajudam a entender como o paciente se sente", diz a especialista, citando as chamadas dor nociceptiva, a dor neuropática e a nociplástica.



 

 

O primeiro tipo é a dor da inflamação em si, quando o joelho ou a junta estão inflamados, quentes, inchados, por exemplo. A outra manifestação, dor neuropática, significa que alguma parte do sistema nervoso periférico do nervo está acometido, seja na terminação nervosa ou no percorrer do nervo até chegar na medula. "Essa forma acontece muitas vezes em pacientes com diabetes ou uma doença do nervo mesmo, associadas aos reumatismos", explica Fabiana.

 

Já a terceira manifestação de dor é causada por uma desregulação no modo de entendimento cerebral da dor. É como se as vias de inibição da dor e de estímulo da dor estivessem desorganizadas no sistema nervoso central. Como elucida a reumatologista, o cérebro entende todo o tempo que essa dor se mantém cronicamente, mesmo quando não tem estímulo doloroso nenhum, o que acontece em todas as doenças reumáticas. "Muitas das vezes nós, médicos, já tratamos a inflamação, já tratamos a neuropatia, mas o paciente se queixa de dor. E é nessa dor agora que estamos atuando, também para dar um alívio ao nosso paciente e melhorar a qualidade de vida", afirma.

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É inclusive o que dá o gancho para outra temática presente no congresso e trazida para relevância por Fabiana: a qualidade de vida, amplamente discutida como um alvo importante no enfrentamento das doenças. "Além do controle da dor e da doença o mais rápido possível, nós precisamos perguntar para o nosso paciente se a qualidade de vida dele está de acordo com o que gostaria, não buscar alvos que só o médico busca. Um tema muito interessante no sentido de aproximar mais médico e paciente, entendendo de forma mais completa a condição, a fim de dar um alívio mais rápido e maior", ressalta.

 

Mais um assunto é a inteligência artificial aplicada à reumatologia. "Estudos começam a nos ajudar e é algo importante principalmente quanto a diagnósticos, facilitando o diagnóstico genético, o diagnóstico por imagem, auxiliando, por exemplo, na interpretação de exames, como ressonâncias. Alguns trabalhos foram demonstrados com relação a isso."

 

No tocante às doenças reumáticas propriamente ditas, Fabiana fala sobre o lúpus eritematoso sistêmico, a artrite reumatoide e a osteoartrite. Sobre o lúpus, ela reforça que já existe um conhecimento grande em relação a diagnóstico e formas de enfrentamento, com novas drogas surgindo e possibilitando um tratamento mais rápido e efetivo.

 

"Mas aqui no Brasil não temos acesso facilmente a muitos desses medicamentos, nem pelos planos de saúde nem pelo Sistema Único de Saúde. É essa a evolução que o Brasil precisa ter para tratarmos os pacientes como deveríamos. A perspectiva é que nos próximos quatro a cinco anos muitas drogas vão chegar para nos ajudar no tratamento dos pacientes com lúpus eritematoso sistêmico", espera Fabiana.

 

A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica que afeta 2 milhões de brasileiros. Caracterizada por impactar várias articulações e até outros órgãos, como coração, rins e pulmão, a enfermidade acomete as mulheres duas vezes mais que os homens, costuma surgir entre 30 e 40 anos e tem maior incidência com o passar do tempo.

 

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O fenômeno mundial do envelhecimento da população também é um fato no cenário nacional. De acordo com o último Censo, entre 2010 e 2022, o Brasil registrou um aumento de 54% de indivíduos com 65 anos ou mais, o que alerta e coloca a artrite reumatoide como um dos principais desafios da agenda da saúde voltada à terceira idade.

 

"Além do controle da dor e da doença o mais rápido possível, nós precisamos perguntar para o nosso paciente se a qualidade de vida dele está de acordo com o que gostaria, não buscar alvos que só o médico busca" - Fabiana Moura, reumatologista

Arquivo Pessoal

 

 

Sobre a doença sempre muito bem estudada, indica Fabiana, a abordagem no congresso na Áustria frisou principalmente o diagnóstico muito precoce. "O paciente que tem uma ou duas juntas inflamadas já pode ser considerado com pré-artrite reumatoide. Se o médico reumatologista entender que aquilo é um risco para a doença, já existe uma tendência de iniciar alguma medicação a ponto de controlar a doença antes mesmo que ela se manifeste", diz.

 

"O que é importante, por exemplo, para o paciente que tem dor articular, principalmente nas mãos, com inflamação, que acorda com a mão mais endurecida. Vale a pena ir ao reumatologista mais precocemente para fazer o diagnóstico de uma possível doença, para que o médico possa tratar rapidamente", complementa.

 

Isso se aplica a quem tem chikungunya que, mesmo com dores articulares, não procura o reumatologista. "Aquela dor que se mantém de sete a dez dias, mesmo como diagnóstico da  chikungunya,  tem que ser acompanhada pelo reumatologista. O profissional vai avaliar e controlar essa dor mais rápido, diminuindo todas as dores associadas à doença. E muitas vezes a  chikungunya pode ser um gatilho pra outros problemas de saúde", reforça Fabiana, lembrando que esse assunto esteve em voga no congresso, também sob a ótica de que a sociedade precisa ser educada para procurar um apoio do médico reumatologista o quanto antes, em caso de algum incômodo. "Quanto mais cedo tratarmos, mais rápido o paciente fica bom e menos remédio vai precisar", aponta.

 

A osteoartrite, por sua vez, é cada vez mais compreendida e, conforme constatado por Fabiana no evento, vários medicamentos novos vão surgir nos próximos anos, no sentido de tentar modular a evolução da doença. Ela lembra que as medicações disponíveis hoje são sintomáticas, paliativas, para aliviar as dores - não existe um remédio que muda a evolução da osteoartrite, que é uma doença degenerativa, com um componente inflamatório associado.

 

"Ainda não conseguimos atuar nesse componente inflamatório persistente. Ao longo do tempo, a articulação e, principalmente, a cartilagem, vão sendo alteradas e o indivíduo vai perdendo a função. Parece que nos próximos anos vão surgir medicações que vão conseguir parar esse processo e impedir o envelhecimento ou a piora da articulação. Assim, os pacientes vão evoluir com menos dor e alteração na funcionalidade do corpo", declara.

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