Adultos com mais de 50 anos que vivem em situação de solidão crônica — em que há um isolamento prolongado e não intencional de relacionamentos importantes — apresentam risco 56% maior de acidente vascular cerebral (AVC) do que pessoas na mesma faixa etária que afirmam não se sentirem sozinhas. A conclusão é de um estudo da Escola de Saúde Pública Harvard TH Chan, nos Estados Unidos. O trabalho foi detalhado, ontem, na revista EClinicalMedicine.



"A solidão é cada vez mais considerada um importante problema de saúde pública. Nossas descobertas destacam ainda mais o porquê disso. Especialmente quando vivenciada de forma crônica, o nosso estudo sugere que a solidão pode desempenhar um papel importante na incidência de AVC, que já é uma das principais causas de incapacidade e mortalidade a longo prazo em todo o mundo", afirmou a autora principal, Yenee Soh, pesquisadora de Harvard. 

De acordo com a pesquisa, pacientes que vivenciaram apenas a solidão situacional não apresentaram um risco elevado de acidente vascular cerebral, o que, segundo os cientistas, sugere que o impacto aparece a longo prazo.

Para o trabalho, os cientistas usaram dados de 2006 a 2018 do estudo Health and Retirement. No primeiro biênio, 12.161 participantes adultos, com 50 anos ou mais, sem histórico de AVC, responderam a um questionário — não divulgado — da Escala Revisada de Solidão da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), a partir da qual os pesquisadores criaram pontuações para classificar o isolamento.

Incidência

Entre 2010 e 2012, 8.936 participantes voltaram a responder às mesmas perguntas. Os cientistas, então, dividiram os voluntários em quatro grupos, de acordo com os níveis de solidão: consistentemente baixo, para quem pontuou pouco nas duas etapas; remitentes, referente a quem obteve nota alta no começo e baixa no fim do acompanhamento; início recente, para aqueles que marcaram pouco no início e muito no desfecho; e consistentemente alto, caso dos pacientes com pontuação elevada em todo o processo.

No grupo dos classificados como solitários apenas no início, houve 1.237 AVCs. Entre voluntários que demonstraram enfrentar a solidão nas duas avaliações, foram 601 derrames cerebrais. A partir disso, os pesquisadores analisaram a probabilidade dos integrantes de cada categoria passar por um acidente vascular.

Quando a solidão foi verificada somente na primeira avaliação, essas pessoas tiveram um risco 25% maior de AVC do que aquelas que não enfrentavam o problema. Os considerados solitários no começo e no fim,  classificados como 'consistentemente altos', tinham uma possibilidade 56% maior de acidente vascular cerebral do que voluntários do grupo 'consistentemente baixo'.

Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), frisa que a solidão crônica em adultos mais velhos e idosos pode acarretar  uma variedade de efeitos negativos de longo prazo. "Ela tem sido associada a um maior risco de demência e declínio cognitivo, afetando a memória, a atenção e outras funções executivas. Eleva o risco de depressão, ansiedade. Idosos que se sentem cronicamente solitários podem ter um risco maior de ideação suicida e comportamentos suicidas."

"É importante lembrar que os idosos normalmente são mais frágeis, e as tentativas de suicídio são mais graves e letais. A solidão pode levar a uma sensação de desespero, baixa autoestima e diminuição da qualidade de vida. Indivíduos solitários tendem a utilizar mais os serviços de saúde devido à piora de condições crônicas e aumento de sintomas psicossomáticos", acrescentou a especialista.

A neuropsicóloga Marcella Bianca, colaboradora do ambulatório de envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, afirma que há diversas estratégias e intervenções eficazes para mitigar a solidão crônica em pacientes idosos. "Estabelecer conexões sociais importantes, manter contato regular, participar de programas ou atividades para idosos, terapia individual ou em grupo, adotar um animal de estimação ou ser voluntário em alguma ação."

Conforme Sérgio Jordy, neurologista da Rede D'or e diretor do Centro Médico Sinapse, em São Paulo, a detecção de solidão e transtornos do humor devem fazer parte da consulta médica rotineira, a fim de minimizar seus impactos e prevenir problemas cardiovasculares. "Os mecanismos exatos dessa associação ainda precisam de melhor esclarecimento, com intuito de identificar como se dão as alterações funcionais. Dessa forma, será possível desenvolver tratamentos e terapias para bom controle e melhorar a qualidade de vida."

Os autores do estudo ressaltaram que novas pesquisas devem ser realizadas para avaliar mudanças sutis na solidão de curto prazo e padrões da condição em um longo período. Eles também ressaltaram a importância de aprofundar as investigações para compreender os mecanismos que envolvem a saúde cerebral e ser solitário.

Palavra de especialista // Condições diferentes

"A depressão pode ser diferenciada da solidão crônica da seguinte maneira: na depressão, o indivíduo pode estar rodeado de pessoas, mas perde a energia e iniciativa de realizar suas atividades, nada interessa a ele. Ele pode ter até vontade, mas não consegue executar a atividade que, até então, ele queria fazer. Na solidão crônica, normalmente quando o indivíduo está com outras pessoas, ele recupera a sua energia e vivacidade. Ele, geralmente, tem um estado triste, mas quando está acompanhado, rapidamente se motiva e se sente querido e logo consegue executar suas tarefas. O combate da solidão crônica é justamente a prática de atividades do dia a dia, como atividades sociais, incluindo faculdade da terceira idade, ações laborais curtas, em geral, de quatro horas, trabalho voluntário, prática de exerícios físicos, de preferência com outras pessoas."

Bruno Pascale Cammarota, mestre em saúde pública e psiquiatra da Secretaria Municipal de Saúde do
Rio de Janeiro

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