Foi em uma viagem, há 12 anos, que Alessandra Costa, de 40 anos, começou a presenciar a despigmentação em suas mãos, pés e bochechas. Na época, ela viajava para Punta Cana, na República Dominicana. Ao voltar para o Brasil, a mineira recebeu o diagnóstico: vitiligo. Junto com o diagnóstico, veio uma consulta repleta de inconveniências. Levou cerca de cinco minutos para que o mundo de Alessandra desabasse.
“O médico não me examinou nem nada do tipo. Perguntei se era transmissível, pois estava casada há dois anos. Nesse momento, ele disse que meu marido poderia me largar e acrescentou que, se eu não quisesse um filho manchado, deveria abrir mão da maternidade”, relembra a palestrante e consultora.
O episódio não é apenas uma lembrança, mas uma denúncia de como uma parcela dos profissionais e da população não tem conhecimento e empatia para lidar com a doença dermatológica que afeta mais de um milhão de brasileiros, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia.
Alessandra, que convive há mais de uma década com a doença, comenta que pouco mudou desde então, incluindo a falta de campanhas de conscientização sobre o vitiligo para quebrar estigmas. “Eu escuto relatos de pessoas que já sofreram preconceito, inclusive de profissionais de saúde, não só de dermatologistas”, diz.
A dermatologista Marcela Mattos comenta que é muito comum, infelizmente, que os pacientes relatem episódios de preconceito e questões de autoestima presentes no dia a dia. “Por isso, é importante lembrar não só no Dia Mundial do Vitiligo [25 de junho], mas todos os dias, que pessoas com vitiligo não têm qualquer distinção das outras além de uma baixa melanina", destaca.
Emocional
Uma das razões para o preconceito é a suposição de que o vitiligo é contagioso. “É importante ressaltar o contrário. O vitiligo é uma doença crônica, tem tratamento, mas não tem cura”, explica. “Essa condição é geneticamente determinada, ou seja, a pessoa nasce com predisposição para a doença e, eventualmente, fatores externos podem desencadear uma resposta imunológica do organismo, como episódios de estresse e traumas locais, gerando uma expansão das lesões.”
Como em uma bola de neve, o emocional se conecta não só à origem da condição, mas também no tratamento, pois pacientes com sobrecarga de estresse tendem a ter uma expansão mais avançada da despigmentação. Por isso, segundo Marcela, a ajuda psicológica é uma grande aliada no tratamento, já que, “por alterar visualmente a aparência, muitos pacientes desenvolvem problemas emocionais”.
Alessandra sabe bem como é isso. Por muitos anos, ela se fechou para o mundo, deixando de frequentar lugares e ambientes desconhecidos por medo da abordagem de estranhos. “No meu caso, eu fui a pior pessoa para mim mesma. Criei meus próprios artifícios para me blindar diante das pessoas. Durante esse tempo, usei muita maquiagem e muitas roupas para me esconder”, comenta.
"Vitilinda"
A mudança começou com uma mudança de profissão. Em 2017, Alessandra voltou a estudar. No ano seguinte, ela focou no estudo de psicologia positiva. “Nesse momento, eu me encontrei e comecei a ver o vitiligo de uma forma que eu poderia usufruir dele, no sentido de me ajudar e dar apoio a outras pessoas também.” No mesmo ano, nasceu meu filho Cassiano, que hoje tem oito anos.
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Em 2020, durante a pandemia, Alessandra de fato iniciou o perfil Vitilinda, um espaço em que trabalha a aceitação e valorização do vitiligo. Nas postagens e stories em que expõe um sorriso largo, é difícil imaginar que a trajetória até o momento não tenha sido fácil. Parte da alegria, conta Alessandra, vem do casamento, com mais de 14 anos, diferentemente da previsão do médico; de Cassiano, que também aparece no perfil para falar sobre diversidade e inclusão; além do grupo de corrida do qual a família participa regularmente.
“Hoje vemos cada vez mais pessoas em destaque compartilhando suas experiências e é necessário que isso aumente ainda mais. No consultório, nossa obrigação enquanto profissionais é garantir a manutenção de uma pele saudável, mas também sempre reforçar a importância da autoestima e do bem-estar do paciente”, diz Marcela.
Nisso, a página de Alessandra, com mais de três mil seguidores, atua para mostrar que há vida além do diagnóstico e que a condição é só mais uma forma de mostrar que o ser humano é diverso. “A gente tem que valorizar nossas diferenças mesmo. Isso é lindo, isso é libertador”, celebra.
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie.