Com sangramentos, hematomas, pequenas manchas vermelhas pelo corpo e baixa nas plaquetas, a estudante de design Caroline Santana Marques, de 19 anos, descobriu o diagnóstico de lúpus apenas no ano retrasado. Até então, a suspeita era de púrpura trombocitopênica imunológica. Como o tratamento com corticoides não resolvia, ela buscou respostas ao que vivia. "Hoje em dia meus cuidados incluem alimentação balanceada e repouso", diz ela, ressaltando evitar situações de estresse. "Visito a reumatologista a cada dois ou três meses, bem como uma nutricionista, e sessões de terapia quinzenalmente."



O drama de Caroline atinge pelo menos 65 mil pessoas no país, principalmente mulheres, entre 20 e 45 anos. No esforço de encontrar um tratamento potencialmente eficaz para o lúpus, cientistas esmiuçaram um mapa genético em busca de uma resposta imunológica da doença. No estudo, os pesquisadores afirmam que, "por engano", uma determinada molécula naturalmente modificada ataca tecidos saudáveis do próprio corpo e danifica vários órgãos, como os rins, o cérebro e o coração. As terapias existentes amenizam os danos da enfermidade, mas não a controlam por completo. 

 

 

Publicado na Nature, o estudo pode ser o caminho para um tratamento mais eficaz e com menos efeitos colaterais. De mais de 80 doenças autoimunes, o lúpus está entre as mais graves. Os pesquisadores da Northwestern Medicine e do Brigham and Women's Hospital, nos Estados Unidos, estão convencidos de que a chave para compreender o problema é um defeito molecular que promove a resposta imunopatológica no lúpus. Para os cientistas, atuar na reversão desse erro inato tem potencial para controlar a doença.

 

 

Jaehyuk Choi, professor de dermatologia na Escola de Medicina Feinberg da Universidade de Northwestern, afirma que o estudo traz novos panoramas para o tratamento da doença a partir do reconhecimento e localização da má-formação genética que leva ao desenvolvimento do lúpus. "Ao identificar uma causa para esta doença, encontramos uma cura potencial que não terá os efeitos colaterais das terapias atuais", explica.

Com o mapeamento, a pesquisa identificou que a má-formação gênica prejudica o bom funcionamento do receptor aril-hidrocarboneto (AhR), encarregado pela reação das células a agressores externos, como poluição e bactérias. Isso faz com que o sistema imunológico trabalhe em excesso, o que gera a produção exagerada de autoanticorpos. Esses mecanismos destrutivos levam a um comportamento autodestrutivo do sistema imunológico, em que o organismo ataca ele mesmo. 

"Descobrimos que se, ativarmos a via AHR com moléculas pequenas ou limitarmos o interferon patologicamente excessivo no sangue, podemos reduzir o número dessas células causadoras de doenças", ressalta Choi. O interferon é uma substância produzida naturalmente pelo corpo para atuar contra agentes externos. Os cientistas, então, definiram mediadores específicos que podem corrigir esse desequilíbrio para atenuar a resposta autoimune patológica.

 

Mapeamento

 

Para Cláudia Goldenstein Schainberg, médica do Núcleo Avançado de Reumatologia do Hospital Sírio- Libanês, se for encontrada uma forma de inocular a célula ou o receptor que gera a doença, o tratamento vai ser "benéfico e eficaz". Ela ressalta que, atualmente, os cuidados são por meio da administração de medicamentos imunossupressores, que deprimem ou suprimem o sistema imunológico do paciente.

A doença é caracterizada por uma hiperativação do sistema imunológico, causando vermelhidão no rosto e nas mãos, além de dores nas articulações. Em casos mais graves, coração, pulmão e cérebro são atingidos. "A terapia gênica traria menos eventos adversos que as drogas comumente trazem aos pacientes", afirma Cláudia Schainberg.

Para a médica, a descoberta dos cientistas vai contribuir não só para aumentar a eficácia do tratamento como para reduzir os efeitos colaterais provocados pelas medicações utilizadas no controle da doença. "Se a gente conseguir alvejar de uma maneira específica essa célula (modificada) ou esse receptor (o responsável pela mudança) que está alterado na doença, então o tratamento vai ser mais benéfico, mais específico, mais eficaz."

Os pesquisadores envolvidos no estudo destacam que pretendem expandir os projetos e direcionar os esforços para desenvolver e aprimorar tratamentos para pacientes com lúpus. A equipe tem trabalhado para encontrar maneiras de levar essas moléculas de forma segura e eficaz para o interior das células. 

 

Organismo vive autoagressão

 

"O lúpus é uma doença autoimune, caracterizada pela autoagressão. O organismo produz células que agridem as suas próprias células, é como se não existisse a tolerância imunológica. A descoberta é interessante porque identifica uma alteração no linfócito T, aquele que reconhece o antígeno e estimula o linfócito B a produzir o anticorpo. No estudo, a alteração do linfócito T foi encontrada apenas nos pacientes que desenvolveram lúpus, provavelmente é justamente aí que está o problema. Pode ser possível fazer um tratamento genético, bloqueando e promovendo o 'lockdown' nesse gene. Assim, o linfócito B passará a não mais atacar o organismo." Sandra Maria Andrade, médica reumatologista do Hospital Santa Lúcia

 

 


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