O novo relatório da Comissão Lancet sobre prevenção de demência destaca 14 fatores de risco modificáveis que podem prevenir ou atrasar quase metade dos casos de demência ao longo da vida. O estudo identificou o colesterol LDL elevado e a perda de visão não tratada como novos riscos significativos.
Com base nas últimas evidências, o novo relatório acrescenta dois novos fatores de risco associados a 9% de todos os casos de demência. Cerca de 7% dos casos são atribuíveis ao colesterol LDL elevado na meia-idade (a partir de cerca de 40 anos), e 2% dos casos são atribuíveis à perda de visão não tratada mais tarde na vida.
Aproximadamente 45% dos casos de demência poderiam ser evitados. “Essa proporção é notável, especialmente considerando que muitas dessas doenças ainda não têm cura. Investir em estratégias para reduzir o risco não apenas economiza recursos, mas também permite que as pessoas vivam mais e com menos prejuízo em sua funcionalidade cognitiva”, ressalta a geriatra e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), Celene Pinheiro, que participou da Conferência Internacional da Associação de Alzheimer (AAIC), na Filadélfia (EUA), na qual o relatório da Comissão Lancet foi apresentado nesta quarta-feira, 31 de julho.
Celene explica que os pesquisadores destacam a relevância de intervir nos fatores de risco por meio de mudanças no estilo de vida, visando reduzir os índices de demência em todo o mundo. “Nesse relatório, houve uma consideração especial para garantir maior representatividade em termos de etnias e cenários socioeconômicos dos participantes, uma vez que o maior crescimento dos casos de demência deve ocorrer nos países de médio e baixo desenvolvimento socioeconômico”.
A prevenção é, sem dúvida, a melhor abordagem para questões de saúde. No entanto, quando se trata especificamente das demências, é crucial considerar não apenas os fatores biológicos, mas também os socioeconômicos. Além disso, a inclusão e a compreensão do momento da vida em que as ações têm maior impacto são fundamentais para enfrentar esse desafio.
“Só podemos estabelecer um plano eficaz de enfrentamento da demência e outras doenças se tivermos estratégias bem estruturadas, baseadas em evidências científicas”, pontua.
“A educação continua sendo um fator crucial, especialmente quando iniciada em idades mais jovens. No entanto, o conceito de lifelong learning (aprendizado ao longo da vida) ganha destaque, enfatizando a importância de continuarmos aprendendo e nos atualizando independentemente da idade”, explica Celene.
Outro aspecto relevante apontado pelo relatório da Comissão Lancet é o uso de aparelhos auditivos, que desempenham um papel significativo na qualidade de vida das pessoas com perda auditiva. “Eles não apenas melhoram a audição, mas também podem prevenir problemas cognitivos associados à privação sensorial”, diz a geriatra.
Outro aspecto interessante abordado foi a cessação do tabagismo. Parar de fumar reduz o risco de desenvolver demência, o quanto antes melhor, mas já se observa benefícios após dois anos da interrupção do hábito. Ou seja, nunca é tarde para tomar uma atitude que beneficie sua saúde . Além disso, o controle do diabetes com medicamento GLP-1 está associado à redução do risco de demências.
Ademais, estudos compilados pela Comissão Lancet indicam que o tratamento adequado da depressão, seja por meio de psicoterapia ou medicamentos, pode reduzir o risco de desenvolver demências, como o Alzheimer. “Cuidar da saúde mental é fundamental para preservar a saúde cerebral a longo prazo”.
A equipe de pesquisa, composta por 27 especialistas em demência de várias partes do mundo -a epidemiologista brasileira Cleusa Ferri, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) compôs o time de pesquisadores-, compilou e adicionou evidências para alertar a população e os governos com informações confiáveis, para a construção de políticas públicas, e definir uma agenda de pesquisa a fim de prevenir as demências. A principal autora do relatório, Gill Livingston, destacou que o progresso na prevenção e no tratamento da demência está se acelerando no mundo.
Na visão da presidente, o conhecimento desses dados é fundamental para embasar a construção de um plano de ação relacionado às demências que deva considerar as diferenças étnicas e socioeconômicas, com o objetivo de evitar o aumento no número de casos. “A conscientização e ações estruturadas baseadas em evidências científicas são essenciais para enfrentar esse desafio de saúde pública”.
Medidas necessárias
Devido ao rápido envelhecimento da população em todo o mundo, o número de pessoas que vivem com demência deve quase triplicar até 2050, chegando a 153 milhões. Atualmente, existem aproximadamente 57 milhões de pessoas vivendo com demência globalmente. Esse aumento também está impulsionando o crescimento do número de pessoas com demência em países de baixa renda. Os custos sociais e de saúde relacionados à demência são estimados em mais de US$ 1 trilhão por ano.
No Brasil, o diagnóstico de demência em pessoas com 60 anos ou mais atinge quase 2 milhões, representando cerca de 5,8% da população brasileira. Outros 2,7 milhões de brasileiros nessa faixa etária foram diagnosticados com algum comprometimento cognitivo, mas ainda não desenvolveram demência. Essa parcela representa 8,1% da população do país.
Essas informações são provenientes do estudo Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brasil) de 2023, realizado em 70 municípios nas cinco regiões geopolíticas do país, abrangendo cidades pequenas, médias e grandes em áreas urbanas e rurais. A amostra incluiu 5.249 participantes com mais de 60 anos, classificados em três grupos: função cognitiva normal, comprometimento cognitivo não relacionado à demência e demência.
O estudo também revela que apenas 1,2% da amostra selecionada tinha um diagnóstico prévio de demência. Isso comprova que a doença é subdiagnosticada no Brasil, e a realidade da prevalência pode ser ainda maior. “Infelizmente, a maioria das pessoas com demência é diagnosticada em estágios avançados da doença, perdendo a oportunidade de se beneficiar das intervenções disponíveis e de se preparar para o futuro”, reforça o terapeuta ocupacional e vice-presidente da ABRAz, Phelipe Cabral Nobre.
Estatística
No entanto, em alguns países de alta renda, como os EUA e o Reino Unido, a proporção de idosos com demência diminuiu, especialmente entre aqueles em áreas socioeconômicas, aponta o relatório da Comissão Lancet.
Os autores do relatório afirmam que a redução no número de pessoas que desenvolvem demência provavelmente se deve, em parte, à construção de resiliência cognitiva e física ao longo da vida, bem como à diminuição de danos vasculares resultantes de melhorias nos cuidados de saúde e mudanças no estilo de vida. Isso destaca a importância de implementar abordagens preventivas o mais cedo possível.