O novo relatório da Comissão Lancet sobre prevenção de demência destaca 14 fatores de risco modificáveis que podem prevenir ou atrasar quase metade dos casos de demência ao longo da vida -  (crédito: Rawpixel/Freepik)

O novo relatório da Comissão Lancet sobre prevenção de demência destaca 14 fatores de risco modificáveis que podem prevenir ou atrasar quase metade dos casos de demência ao longo da vida

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O novo relatório da Comissão Lancet sobre prevenção de demência destaca 14 fatores de risco modificáveis que podem prevenir ou atrasar quase metade dos casos de demência ao longo da vida. O estudo identificou o colesterol LDL elevado e a perda de visão não tratada como novos riscos significativos.

Com base nas últimas evidências, o novo relatório acrescenta dois novos fatores de risco associados a 9% de todos os casos de demência. Cerca de 7% dos casos são atribuíveis ao colesterol LDL elevado na meia-idade (a partir de cerca de 40 anos), e 2% dos casos são atribuíveis à perda de visão não tratada mais tarde na vida.

Esses novos fatores de risco se somam aos 12 previamente identificados pela Comissão Lancet em 2020, que incluem níveis mais baixos de educação, deficiência auditiva, pressão alta, tabagismo, obesidade, depressão, inatividade física, diabetes, consumo excessivo de álcool, lesão cerebral traumática, poluição do ar e isolamento social.

 

Aproximadamente 45% dos casos de demência poderiam ser evitados. “Essa proporção é notável, especialmente considerando que muitas dessas doenças ainda não têm cura. Investir em estratégias para reduzir o risco não apenas economiza recursos, mas também permite que as pessoas vivam mais e com menos prejuízo em sua funcionalidade cognitiva”, ressalta a geriatra e presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), Celene Pinheiro, que participou da Conferência Internacional da Associação de Alzheimer (AAIC), na Filadélfia (EUA), na qual o relatório da Comissão Lancet foi apresentado nesta quarta-feira, 31 de julho.

 

Celene explica que os pesquisadores destacam a relevância de intervir nos fatores de risco por meio de mudanças no estilo de vida, visando reduzir os índices de demência em todo o mundo. “Nesse relatório, houve uma consideração especial para garantir maior representatividade em termos de etnias e cenários socioeconômicos dos participantes, uma vez que o maior crescimento dos casos de demência deve ocorrer nos países de médio e baixo desenvolvimento socioeconômico”.

 

A prevenção é, sem dúvida, a melhor abordagem para questões de saúde. No entanto, quando se trata especificamente das demências, é crucial considerar não apenas os fatores biológicos, mas também os socioeconômicos. Além disso, a inclusão e a compreensão do momento da vida em que as ações têm maior impacto são fundamentais para enfrentar esse desafio.

“Só podemos estabelecer um plano eficaz de enfrentamento da demência e outras doenças se tivermos estratégias bem estruturadas, baseadas em evidências científicas”, pontua.

“A educação continua sendo um fator crucial, especialmente quando iniciada em idades mais jovens. No entanto, o conceito de lifelong learning (aprendizado ao longo da vida) ganha destaque, enfatizando a importância de continuarmos aprendendo e nos atualizando independentemente da idade”, explica Celene.

Outro aspecto relevante apontado pelo relatório da Comissão Lancet é o uso de aparelhos auditivos, que desempenham um papel significativo na qualidade de vida das pessoas com perda auditiva. “Eles não apenas melhoram a audição, mas também podem prevenir problemas cognitivos associados à privação sensorial”, diz a geriatra.

Outro aspecto interessante abordado foi a cessação do tabagismo. Parar de fumar reduz o risco de desenvolver demência, o quanto antes melhor, mas já se observa benefícios após dois anos da interrupção do hábito. Ou seja, nunca é tarde para tomar uma atitude que beneficie sua saúde . Além disso, o controle do diabetes com medicamento GLP-1 está associado à redução do risco de demências.

Ademais, estudos compilados pela Comissão Lancet indicam que o tratamento adequado da depressão, seja por meio de psicoterapia ou medicamentos, pode reduzir o risco de desenvolver demências, como o Alzheimer. “Cuidar da saúde mental é fundamental para preservar a saúde cerebral a longo prazo”.

A equipe de pesquisa, composta por 27 especialistas em demência de várias partes do mundo -a epidemiologista brasileira Cleusa Ferri, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) compôs o time de pesquisadores-, compilou e adicionou evidências para alertar a população e os governos com informações confiáveis, para a construção de políticas públicas, e definir uma agenda de pesquisa a fim de prevenir as demências. A principal autora do relatório, Gill Livingston, destacou que o progresso na prevenção e no tratamento da demência está se acelerando no mundo.

Na visão da presidente, o conhecimento desses dados é fundamental para embasar a construção de um plano de ação relacionado às demências que deva considerar as diferenças étnicas e socioeconômicas, com o objetivo de evitar o aumento no número de casos. “A conscientização e ações estruturadas baseadas em evidências científicas são essenciais para enfrentar esse desafio de saúde pública”.

Medidas necessárias

Devido ao rápido envelhecimento da população em todo o mundo, o número de pessoas que vivem com demência deve quase triplicar até 2050, chegando a 153 milhões. Atualmente, existem aproximadamente 57 milhões de pessoas vivendo com demência globalmente. Esse aumento também está impulsionando o crescimento do número de pessoas com demência em países de baixa renda. Os custos sociais e de saúde relacionados à demência são estimados em mais de US$ 1 trilhão por ano.

No Brasil, o diagnóstico de demência em pessoas com 60 anos ou mais atinge quase 2 milhões, representando cerca de 5,8% da população brasileira. Outros 2,7 milhões de brasileiros nessa faixa etária foram diagnosticados com algum comprometimento cognitivo, mas ainda não desenvolveram demência. Essa parcela representa 8,1% da população do país.

Essas informações são provenientes do estudo Brazilian Longitudinal Study of Aging (ELSI-Brasil) de 2023, realizado em 70 municípios nas cinco regiões geopolíticas do país, abrangendo cidades pequenas, médias e grandes em áreas urbanas e rurais. A amostra incluiu 5.249 participantes com mais de 60 anos, classificados em três grupos: função cognitiva normal, comprometimento cognitivo não relacionado à demência e demência.

O estudo também revela que apenas 1,2% da amostra selecionada tinha um diagnóstico prévio de demência. Isso comprova que a doença é subdiagnosticada no Brasil, e a realidade da prevalência pode ser ainda maior. “Infelizmente, a maioria das pessoas com demência é diagnosticada em estágios avançados da doença, perdendo a oportunidade de se beneficiar das intervenções disponíveis e de se preparar para o futuro”, reforça o terapeuta ocupacional e vice-presidente da ABRAz, Phelipe Cabral Nobre.

Estatística

No entanto, em alguns países de alta renda, como os EUA e o Reino Unido, a proporção de idosos com demência diminuiu, especialmente entre aqueles em áreas socioeconômicas, aponta o relatório da Comissão Lancet.

Os autores do relatório afirmam que a redução no número de pessoas que desenvolvem demência provavelmente se deve, em parte, à construção de resiliência cognitiva e física ao longo da vida, bem como à diminuição de danos vasculares resultantes de melhorias nos cuidados de saúde e mudanças no estilo de vida. Isso destaca a importância de implementar abordagens preventivas o mais cedo possível.