estudante em um corredor com a mão na cabeça, em um gesto de preocupação, cansaço -  (crédito: Freepik)

O estresse e o burnout já eram comuns nesses trabalhadores antes da pandemia, mas foram agravados pelas dificuldades do período

crédito: Freepik

Estudo realizado por três pesquisadoras da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e publicado no periódico Healthcare acompanhou 125 trabalhadores da área de saúde por um ano para analisar as relações entre relatos de dores musculoesqueléticas, qualidade de sono e níveis de estresse.

 

“Vimos que o estresse e o burnout aumentaram as chances de relatos de dores no corpo. Além disso, a qualidade ruim do sono também aumentou a chance de o trabalhador relatar esses incômodos. Uma análise mais profunda, chamada análise de mediação, mostrou que as pessoas que se sentem estressadas ou em burnout dormem pior, e isso pode explicar parte das dores sentidas”, destaca Tatiana Sato, docente do Departamento de Fisioterapia e do Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da UFSCar e uma das autoras do artigo.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 

Feito durante o período da pandemia de COVID-19, o estudo, que também incluiu o Departamento de Enfermagem da mesma universidade, é fruto de uma pesquisa ampla, denominada “Heroes – Health conditions of healthcare workers”, financiada pela FAPESP.

 

As pesquisadoras partiram da ideia de que os trabalhadores da área de saúde enfrentam condições de trabalho que podem aumentar o risco de desenvolver quadros de dor. “Essas condições podem ser diversas, sejam aspectos psicossociais, seja a percepção da pessoa sobre a forma como o trabalho é organizado”, explica Tatiana.

 

 

Ela conta que esses aspectos, que incluem sentimento de injustiça, insatisfação, falta de controle, demandas excessivas e falta de tempo, podem levar a quadros de estresse e burnout “e são manifestações de que o equilíbrio entre as demandas e a capacidade do trabalhador foi afetado”. Em estudo anterior, as pesquisadoras já haviam identificado que 75% dos entrevistados avaliaram negativamente as demandas emocionais ligadas ao trabalho e 61% reclamaram do ritmo de serviço.

 

Apesar de haver uma série de estudos mundiais apontando a alta prevalência de estresse, insônia ou má qualidade do sono em profissionais da área de saúde, as pesquisadoras notaram que a relação de mediação entre esses aspectos psicossociais e as dores musculoesqueléticas era inconclusiva, sem encontrar estudos semelhantes na literatura.

 

Metodologia

 

A investigação foi conduzida por meio eletrônico, já que havia severas restrições sanitárias para contatos presenciais naquele período. Todos os participantes eram vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS) e as coletas de dados foram realizadas ao longo de um ano, com envio dos formulários a cada três meses. A amostra abrangia pessoas entre 18 e 60 anos de idade. O Questionário Psicossocial de Copenhague (COPSOQ II-Br) foi usado para mensurar o estresse, enquanto o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh (PSQI-Br) avaliou o repouso. Para identificar a presença de dor foi utilizado o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO).

 

A proposta era identificar a presença de dor musculoesquelética nos últimos 12 meses e nos últimos sete dias. A análise de mediação foi realizada na linha de base e no acompanhamento de três, seis, nove e 12 meses para verificar se o efeito das variáveis preditoras (burnout e estresse) sobre a variável dependente (número de locais de dor nos últimos 12 meses e sete dias) era resultado da qualidade do sono. E, de fato, estresse e burnout foram associados à dor multirregional, sendo a qualidade do sono um mediador significativo dessa associação.

 

“O estresse e o burnout já eram comuns nesses trabalhadores antes da pandemia, mas foram agravados pelas dificuldades do período, assim como a piora na qualidade do sono. Nossa ideia, então, foi avaliar todos esses aspectos e verificar se existia uma relação entre eles e os relatos de dores no corpo”, diz Tatiana.

 

A maioria dos entrevistados foi classificada como tendo qualidade do sono ruim (74%), o que é um problema grave, pois sabe-se que o sono não restaurador é responsável por uma série de problemas de saúde, e sua privação ou interrupções aumentam a sensibilidade e a vulnerabilidade à dor, além de também estarem associadas ao comprometimento cognitivo. “A gestão do estresse e do sono bem como as intervenções ergonômicas pós-pandemia de COVID-19 são urgentes nos serviços de saúde e podem ajudar a melhorar a saúde musculoesquelética”, escrevem as autoras.

 

Vivian Aline Mininel, docente do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSCar e também autora do artigo, destaca a relevância da adoção de estratégias que busquem transformar as condições e a organização do trabalho, com ênfase na adequação das demandas físicas e psicoemocionais ao tempo disponível para realizá-las, bem como ao perfil de cada trabalhador, de forma a não comprometer o espaço fora do trabalho e as relações familiares e sociais, iniciativa que contribui para a redução do estresse.

 

“Ficamos muito satisfeitas com os achados, pois indicam caminhos para amenizar a dor desses trabalhadores, como melhorar a organização do trabalho visando à redução do estresse e burnout e melhorar a qualidade do sono. Entretanto, a baixa participação foi uma limitação importante. Esperamos que pesquisas futuras possam contar com maior número de pessoas”, comenta Vivian Aline.