Natural de Uberlândia, município do Triângulo Mineiro, Leonardo Abrahão, psicólogo, palestrante e escritor, é criador do Janeiro Branco -  (crédito: Arquivo Pessoal/ Divulgação)

Natural de Uberlândia, município do Triângulo Mineiro, Leonardo Abrahão, psicólogo, palestrante e escritor, é criador do Janeiro Branco

crédito: Arquivo Pessoal/ Divulgação

Com o lema “se precisar, peça ajuda!”, o Setembro Amarelo 2024 traz à luz maneiras de ajudar o próximo como uma das saídas para lutar contra o cenário alarmante de suicídios no Brasil. Diante de uma sociedade ocupada, em que as dinâmicas sociais têm diminuído, a campanha se apoia na conscientização e resgate da escuta ativa com empatia, na qual o outro mostra-se disponível a estender uma mão amiga para alguém que está idealizando ou decidido a acabar com a própria vida. Segundo o Ministério da Saúde, entre 2010 e 2019, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para 13.523 em 2019. 

 

O suicídio já é considerado um problema de saúde pública diante do aumento exponencial de casos, principalmente de indivíduos cada vez mais jovens. Cerca de mil crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 e 19 anos, cometem suicídio no Brasil a cada ano, de acordo com o levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) entre 2012 e 2021. O dado se baseia em registros do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta causa de morte. 

 


Natural de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, Leonardo Abrahão, psicólogo, palestrante e escritor, é criador do Janeiro Branco - mês voltado para a conscientização acerca da saúde mental com foco em amplas doenças, prevenções e tratamentos. Neste mês, durante a Bienal do Livro 2024, em São Paulo, Leonardo lançou seu terceiro livro "O que fazer quando uma pessoa começa a falar em suicídio?", um manual composto por 40 perguntas e respostas que aborda a prevenção ao suicídio de forma clara e objetiva. 

 

Em entrevista ao Estado de Minas, o psicólogo mineiro enfatiza a relação entre as altas taxas de suicídio e fatores sociais e econômicos, além de ressaltar maneiras de acolhimento e solidariedade a quem está sofrendo. 

 

O que é o Instituto Janeiro Branco e como ele tem contribuído para ampliar o debate sobre saúde mental ao longo do ano? 


O Instituto Janeiro Branco é uma uma organização sem fins lucrativos, que nasceu para coordenar a campanha Janeiro Branco - a qual nasceu em Uberlândia, no Triângulo Mineiro, e que surgiu de ações em ruas, praças e parques. Com isso, foi necessário criar uma associação civil para coordenar, cuidar, expandir e estabelecer parcerias. Portanto, a campanha nacional e mundial de saúde mental é mineira, com orgulho. 

 

O instituto coordena projetos sociais, faz parcerias com instituições públicas e privadas, como prefeituras e empresas; faz publicações nas redes sociais para alimentar a discussão sobre saúde mental; tem camisetas e canecas com mensagens sobre o tema; promove palestras, eventos - sempre fomentando a discussão para vencer tabus, preconceitos e gerar conscientização. Temos voluntários no Brasil inteiro que abraçam a causa e favorecem esse movimento. 


Como as mudanças sociais evoluíram em suas publicações?


Na minha primeira publicação “Promoção da Vida - cuidando dos indivíduos e mudando as sociedades, todos os suicídios são evitáveis", mergulho em aspectos sociológicos relacionados ao suicídio, sobre questões antropológicas, politicas, econômicas, sociais relacionados aos fatores de risco do suicídio. Sigo um olhar psicossocial. Já neste último, trago um olhar individual, mas objetivo e psicológico propriamente dito, em que convido as pessoas a entenderem o que elas podem fazer para ajudar quem está passando pela crise suicida.  


No primeiro livro, falo muito dos fatores de risco, principalmente as relações sociais excludentes. No terceiro livro, falo o que cada pessoa pode fazer para ajudar quem está sofrendo. É como se o primeiro livro fosse uma denúncia à sociedade produtora de doenças, e no último, é um convite à solidariedade, ao acolhimento, ao olhar mais cuidadoso com quem está sofrendo. Eu vou da sociologia à psicologia entre esses livros. 


O aumento de casos de suicídio infantil é alarmante. Existem sinais que podem ser observados nas crianças?


As crianças não expressam a dor da mesma forma que os adultos. Elas não chegam dizendo que “estão tristes”, “sentindo falta de alguém” ou “desesperadas pensando em suicídio”. Elas não verbalizam da mesma forma que, teoricamente, o adulto consegue desabafar. Com a criança, é preciso estar muito atento ao comportamento. Se de repente, ela não quer mais ir à escola e isso foge do comum, pode ser um comportamento anormal. Nesse momento, os pais devem se perguntar: “O que está acontecendo na escola que ela não quer mais ir?”


Da mesma forma, se a criança não se comporta igual com todos. Se antes ela conversava com os avós, era carinhosa com o tio, o padrinho ou os próprios pais, e de repente começa a ficar mais retraída, mais negativa em relação à interação social, esse comportamento está comunicando algo.


 

Se essa criança volta a fazer xixi na cama (enurese) após já ter superado essa fase, isso está dizendo algo. Se ela está recusando comida e isso não é comum, também quer dizer algo. Ou se está mais agressiva que o normal. Se apresenta muitas queixas de doenças, como dor de barriga constante, ou se começa a ter febres inexplicáveis. Com a criança, é fundamental observar o comportamento, pois ela não vai verbalizar.


Com isso, os pais e responsáveis precisam entender que a responsabilidade é deles: procurar entender, acolher e buscar soluções. A criança não vai encontrar uma solução sozinha. Os responsáveis não podem achar que a escola resolverá. São eles que devem assumir esse cuidado.


 Leonardo Abrahão

Durante a Bienal do Livro 2024, em São Paulo, Leonardo lançou "O que fazer quando uma pessoa começa a falar em suicídio?"

Arquivo Pessoal/ Divulgação

 

Como os pais podem abordar esse tema delicado com seus filhos?


O adulto precisa entender que o diálogo deve ocorrer no nível da criança. Ele pode usar desenhos para ver como a criança está rabiscando, o que está criando; pegar um boneco e perguntar: “Onde está doendo?” Também é importante observar como ela está cuidando dos brinquedos; se de repente, começa a destruí-los, isso demonstra algo. Se está sendo agressiva com outras crianças, também está comunicando algo. Portanto, é necessário desenvolver essa habilidade, algo que está cada vez mais difícil na sociedade moderna, em que os pais estão sempre correndo e ausentes.


Mas em palestras e cursos, sempre explico: é como chegar em uma paquera em uma boate. Você não chega perguntando: “Oi, tudo bem? Quer sair comigo? Quer namorar comigo?” Então, você não chega para uma criança ou adolescente e pergunta: “Opa, tudo bem? Você está pensando em suicídio?”. Não é assim. É necessário ter tato e escalar a conversa para realmente conseguir ajudar. Não é uma conversa de banco ou de elevador.


Muitas pessoas têm dificuldade em identificar sinais de alerta em amigos ou familiares. Qual seria a melhor forma de agir?


A primeira coisa é entender que adoecer não é algo anormal. Adoecer emocionalmente, sofrer e se desesperar é absolutamente normal e possível. Quando reconhecemos isso, humanizamos a dor do outro. Assim, não vamos julgar, ter preconceitos ou agravar a situação. A partir do momento em que reconhecemos a condição humana de quem está sofrendo, ganhamos mais segurança e sensibilidade para nos colocarmos à disposição de forma genuína e sincera, ou seja, sem querer mudar, comandar, condenar ou redefinir a pessoa. Pelo contrário, é estender a mão de forma humana, perguntando: “O que está acontecendo?”, “Por que você está assim? Estou percebendo que você não está bem”. É um olhar de reconhecimento e acolhimento, e não de julgamento, moralização, condenação ou punição.


O terceiro ponto é escutar a pessoa e deixá-la falar, sem reprimir, interromper, fazer caras e bocas. Se você demonstrar espanto, condenação, reprovação ou qualquer reação de menosprezo, você impede que o outro busque ajuda. É necessário baixar a guarda, os preconceitos morais e a ansiedade de querer dizer o que a pessoa deve fazer. O importante é ouvir a pessoa para entender o que está acontecendo, pelo menos o suficiente para ajudá-la.


A partir daí, com a construção de uma estratégia de ajuda, vamos buscar formas de reencontrar a paz e encontrar uma solução. “Como posso te ajudar agora? Você precisa ir ao médico? Ao psicólogo? Está sofrendo violência? Então vamos fazer uma denúncia, buscar uma medida protetiva. É uma privação social grave? Vamos buscar o Bolsa Família. Vamos procurar uma ONG que possa ajudar”. O importante é oferecer ajuda prática, atuante e concreta.


Quais são suas expectativas sobre a evolução das iniciativas de prevenção do suicídio? 


Minhas expectativas são preocupantes. Como estudioso da suicidologia (ciência que estuda o fenômeno da morte autoprovocada) e psicólogo, sei que o suicídio está relacionado a fatores de risco - aos quais a sociedade não tem enfrentado. Nós temos, na verdade, tomado medidas paliativas. Não é à toa que o suicídio vem crescendo no Brasil e, no restante do mundo, houve um declínio nos casos. Não estamos enfrentando a raiz do problema, mas sim, maquiando a desigualdade social, a miséria social, a concentração de renda, o racismo, o machismo, e LGBTfobia, a precarização das condições de trabalho, a destruição dos direitos sociais. 


Quando falamos de suicídio, temos que pensar nos fatores de risco ligados às questões sociais, econômicas, culturais. Nesse cenário, a sociedade brasileira está indo de mal a pior, adotando medidas superficiais. Há uma série de problemas raízes que não estamos superando. Estamos vivendo em uma sociedade que adoece ano após ano e, com isso, aumentam-se os casos de suicídio. 


 

Como você vê o progresso da sociedade em lidar com esse tema? O que ainda precisa ser feito para reduzir o tabu em torno desse assunto?


Nós estamos na Pré-História dos investimentos em saúde mental. Avançamos em termos materiais, tecnológicos, mas em termos subjetivos e emocionais estamos atrasados. Por isso, são necessárias campanhas de conscientização, como Setembro Amarelo e Janeiro Branco. Eu ainda acredito mais no potencial da primeiro, que fala da saúde mental de uma maneira mais ampla e integral, do que o Setembro Amarelo, que foca apenas no adoecimento e prevenção do suicídio. 


Além delas, formar professores em relação a temas da saúde mental; além de padres e pastores, pois eles lidam diretamente com as emoções das pessoas e desconhecem sobre emoções e sentimentos; educação da mídia, porque os jornalistas são formadores de opinião pública e também não entendem sobre o tema. Já os políticos, precisam entender a importância de investir em políticas públicas relacionadas à saúde mental e qualidade de vida. A prova está nos índices de violência, dos preconceitos, do feminicídio.


O assunto está ganhando espaço. Porém, mais em função do desespero e da necessidade e menos em função do processo de conscientização. Na minha opinião, a saúde mental está em pauta em razão do adoecimento e das dores. Precisamos virar esse jogo, saúde mental tem de estar em pauta por causa do crescimento da conscientização. 

 

* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie

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