O ato de jogar é uma atividade recreativa que gera desafios, interação e entretenimento. Enquanto existe equilíbrio entre o lazer e as obrigações, a presença de jogos na vida de adultos pode ajudar a manter uma boa qualidade de vida e saúde mental. Contudo, há casos em que jogar pode se tornar um problema: quando a pessoa passa a desenvolver um vício.

 

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A ludomania é um distúrbio psicológico que faz com que a pessoa aposte compulsivamente e está relacionado ao transtorno do controle de impulsos. A compulsão é uma doença e, diferente da dependência de álcool ou drogas, que apresenta sintomas físicos mais claros, o vício em jogos tem sinais menos óbvios.

 

“No contexto social, a vida familiar, profissional e financeira do sujeito é colocada em xeque, já que tudo passa a girar em torno da necessidade de jogar, todo o resto se torna algo secundário”, alerta o psicólogo e professor no curso de pós-graduação em medicina do esporte na Faculdade UNIGUAÇU, Rodrigo Bravim.

 



 

Um levantamento realizado pelo departamento de psiquiatria da USP revelou que o Brasil tem dois milhões de viciados em apostas. Segundo dados do Ministério da Saúde, o número de atendimentos psicológicos realizados no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e pela Atenção Primária à Saúde (APS) para pessoas com dependência em jogos de azar saltou de 108 para 1.290 entre 2018 e 2023, representando um aumento de 1.094%.

 

Já o instituto de Illinois aponta indícios que o jogo é um vício patológico, e se assemelha a um vício químico, devido às alterações nos neurotransmissores causados pela doença. A liberação de dopamina no cérebro parece reforçar a compulsão por jogos, aumentando a excitação e, consequentemente, diminuindo o medo de errar. O pico de adrenalina ao realizar a aposta e o fato de ganhar ou perder se torna um mecanismo de recompensa para o cérebro.

 

O transtorno é reconhecido na Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como jogo patológico, com o código F630. Nessa classificação, não há distinção entre jogos eletrônicos e de azar, bem como não distingue jogos de apostas e cassinos online. De acordo com o CID-10, o transtorno consiste na presença de episódios de jogo que dominam a vida da pessoa, prejudicando seus compromissos sociais, profissionais e familiares. Não raramente, o vício em jogos também causa problemas financeiros.

 

Rodrigo Bravim é incisivo ao afirmar que a pessoa se desconecta da vida real e que a sua prioridade é jogar. Já não importa se tem alimento para colocar no prato, os pensamentos estão voltados para as apostas, a sensação de prazer ao fazer o clique, ao ver os números subindo, seguido da frustração ao ver todos os números se transformarem em zero.

 

Começam as mentiras para os parentes e cônjuges, atos ilegais como pegar dinheiro emprestado com agiotas ou fazer empréstimos. A pessoa experimenta uma terrível inquietação e irritabilidade por não poder ou não conseguir jogar. A estabilidade da vida começa a ruir, perdendo dinheiro, a confiança dos outros e muitas vezes até em si mesmo por ter consciência que não tem mais controle sobre si, afinal, na "próxima" tentativa vai dar certo. Esse círculo vicioso de satisfação e desprazer faz com que o sujeito repita o mesmo comportamento se afundando cada vez mais no descontrole característico de um jogador compulsivo.

 

Para tentar se livrar do vício em jogos, o primeiro e o maior desafio é assumir que está sofrendo de um transtorno e que se tornou um jogador compulsivo. O segundo é que o vício em jogo é comparado a um vício químico, logo, a abstinência é um problema, assim como a tolerância a medicamentos e a crença do sujeito que retomou o controle. “Na maioria das vezes, além da medicação, acompanhamento psiquiátrico e psicológico, a pessoa necessita de internação para uma possibilidade de desassociação tanto do meio, quanto da acessibilidade aos jogos”, orienta Rodrigo Bravim.

 

O tratamento deve começar o mais rápido possível. Estudos mostram que 70% dos jovens superam o transtorno com terapia, enquanto o restante sofre recaídas ou abandonam o tratamento. Porém, muitas vezes, é necessário o uso de medicamentos como paroxetina, naltrexona, bupropiona, entre outros, em conjunto com acompanhamento psicológico individualizado. É importante também explorar a possibilidade de grupos de apoio para ajudar a alcançar uma percepção da pessoa de que ele não é o "único perdedor", ajudando a mudar a maneira como ela se vê.

 

“A família entra como parceira indispensável em todo tratamento, ajudando a afastar a pessoa de coisas nas quais poderão ser gatilhos para o desejo compulsivo, e, com o apoio constante, tendo um olhar cuidadoso em vez de inquisidor durante o processo de recuperação do sujeito”, aponta o especialista.

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