O Centro de Tecnologia de Vacinas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) trabalha há cerca de dois anos no desenvolvimento de uma vacina brasileira contra a Mpox. A iniciativa é uma das prioridades da Rede Vírus, comitê de especialistas em virologia criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para o desenvolvimento de diagnósticos, tratamentos, vacinas e produção de conteúdo sobre vírus emergentes no Brasil.
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Segundo o professor e pesquisador da UFMG, membro da Rede Vírus e coordenador da CâmaraPox, um desdobramento do comitê para a questão da Mpox, Flávio Fonseca, o imunizante contra o vírus é uma prioridade desde a primeira emergência. “Desde o surto da doença em 2022, nós vimos a necessidade de termos estratégias de produção para a pronta utilização do insumo. Então, o que nós estamos fazendo no Brasil é deixar preparado o sistema de produção dessa vacina para o caso de necessidade”, explicou.
Em 14 de agosto, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, anunciou o estado de emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII) pelo aumento do número de casos da Mpox. Segundo o Ministério da Saúde, apenas em 2024, foram registrados 709 casos da doença no Brasil.
Ainda de acordo com o pesquisador, o MCTI tem sido essencial e central para o desenvolvimento da vacina contra o vírus. “O MCTI foi central em nos dar a capacidade de resposta e de pesquisa necessárias para que nós tivéssemos uma infraestrutura capaz de responder novamente a um desafio caso ele surgisse, que parece ser o caso”, esclarece Fonseca.
No mesmo sentido, o professor da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo (RS), e membro do comitê, Fernando Spilki, afirma que a Rede Vírus é uma demonstração do conhecimento e expertise nacional. “O cômite é necessário para momentos como este, quando nos vemos em uma emergência de saúde. É uma decisão muito feliz do MCTI de manter este grupo ativo e eu acho que todo este projeto da vacina contra o monkeypox é um dos bons exemplos de ideias que são tomadas num ambiente que valoriza a ciência”, disse.
A vacina
Em 2022, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos doou para a UFMG o material conhecido como “semente do vírus”, que é o ponto de partida para o desenvolvimento do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), ou seja, a matéria-prima para a produção do imunizante. No momento, a pesquisa está na fase de estudo para o aumento da produção, verificando a obtenção de matéria-prima para atender a demanda em grande escala.
Ainda de acordo com Flávio Fonseca, a vacina é composta por um vírus semelhante ao da Mpox atenuado. “Esse vírus vivo foi atenuado através de passagens em um hospedeiro diferente, até que ele perdeu completamente a sua capacidade se multiplicar no hospedeiro mamífero”, explica.
Atualmente, existem duas vacinas disponíveis contra a Mpox. A primeira é a Jynneos, produzida pela farmacêutica dinarmaquesa Bavarian Nordic e composto pelo vírus atenuado. Ela é recomendada para adultos, incluindo gestantes, lactantes e pessoas com HIV.
A Jynneos possui efeitos colaterais considerados leves, como dor no local da aplicação, vermelhidão e inchaço. Algumas pessoas ainda podem sentir dor muscular, dor de cabeça e cansaço.
O segundo imunizante é a ACAM 2000, fabricada pela americana Emergent BioSolutions e que possui diversas contraindicações e mais efeitos colaterais por ser composta pelo vírus ativo, se tornando assim menos segura.
Com a declaração de emergência, o Ministério da Saúde anunciou que negocia a compra de 25 mil doses da Jynneos com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Desde 2023, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso provisório do imunizante, o Brasil já recebeu cerca de 47 mil doses e aplicou 29 mil.
Mpox
A Mpox, anteriormente denominada varíola dos macacos, é uma zoonose causada pelo vírus monkeypox, do gênero Orthopoxvirus e da família Poxviridae. A doença, que foi detectada pela primeira vez em humanos na República Democrática do Congo, em 1970, hoje é considerada endêmica em países da África central e ocidental.
Segundo a OMS, existem duas cepas geneticamente distintas do vírus, sendo a da Bacia do Congo (África Central) e da África Ocidental. A segunda pode causar doenças menos graves, se comparada a primeira.
Os principais sintomas da doença incluem erupções cutâneas ou lesões de pele, adenomegalia, ou seja, Linfonodos inchados, febre, dores no corpo, dor de cabeça, calafrio e fraqueza.
Entre o primeiro contato com o vírus até o início dos sintomas tem um intervalo tipicamente de 3 a 16 dias, mas pode chegar a 21 dias. O diagnóstico é realizado de maneira laboratorial, por teste molecular ou sequenciamento genético.
O vírus monkeypox pode ser transmitido principalmente por contato direto ou indireto com sangue, fluídos corporais, lesões na pele ou mucosas de animais infectados, especialmente roedores. A transmissão entre humanos pode acontecer por contato próximo com secreções infectadas das vias respiratórias ou lesões na pele de uma pessoa infectada, ou com objetos contaminados recentemente com fluídos de pacientes ou materiais da lesão.
Atualmente, não existem tratamentos ou medicamentos específicos para a infecção pelo vírus. Ainda assim, a atenção clínica deve ser otimizada para aliviar os sintomas, controlando as complicações e prevenindo sequelas em longo prazo. A maioria dos casos apresenta sinais e sintomas leves e moderados.
OMS
O anúncio da OMS seguiu a recomendação do Comitê de Emergência do RSI composto por especialistas independentes. Segundo o grupo, o aumento de casos tem potencial para se propagar para mais países da África e possivelmente para fora do continente.
Esta é a segunda determinação de ESPII relacionada a Mpox em dois anos. Em julho de 2022, o surto multinacional da doença levou ao estado de emergência, uma vez que o vírus se propagou rapidamente pelo contato sexual em diversos países onde ele não havia sido observado anteriormente. O estado foi declarado encerrado em maio de 2023, com a queda sustentada de casos no mundo.
A Rede Vírus foi criada em fevereiro de 2020, em resposta à emergência do novo coronavírus, com a junção de unidades de pesquisa, Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e laboratórios de instituições, como a Fiocruz, Butantan, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), UFMG, Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e Laboratório Nacional de Biociências (LNBio).
Quais são os sintomas da doença?
O sintoma mais comum da doença é a erupção na pele, semelhante a bolhas ou feridas, que pode durar de duas a quatro semanas. O quadro pode começar com ou ser seguido de febre, dor de cabeça, dores musculares, dores nas costas, apatia e gânglios inchados. A erupção cutânea pode afetar o rosto, as palmas das mãos, as solas dos pés, a virilha, as regiões genitais e/ou anal.
O número de feridas pode variar de uma a milhares. Algumas pessoas desenvolvem ainda inflamação no reto, que pode causar dor intensa, além de inflamação dos órgãos genitais, provocando dificuldade para urinar.
Como é a transmissão?
Pessoas com Mpox são consideradas infecciosas até que todas as lesões tenham formado crostas e essas crostas caiam, formando uma nova camada de pele. A doença também pode ser transmitida enquanto as lesões nos olhos e no restante do corpo (boca, garganta, olhos, vagina e ânus) não cicatrizarem, o que geralmente leva de duas a quatro semanas.
É possível que o vírus persista por algum tempo em vestimentas, roupas de cama, toalhas, objetos, eletrônicos e superfícies que tenham sido tocadas por uma pessoa infectada. Outra pessoa que toque nesses objetos pode adquirir o vírus se tiver cortes ou escoriações ou mesmo ao tocar olhos, nariz, boca e outras membranas mucosas sem antes lavar as mãos.
A Mpox pode ser transmitida durante a gravidez, da gestante para o feto, e durante ou após o parto, através do contato pele a pele. Não está claro se as pessoas que não apresentam sintomas podem propagar a doença.
Quem pode contrair Mpox?
Qualquer pessoa que tenha contato físico próximo com alguém que apresente sintomas de Mpox ou com um animal infectado corre risco de infecção. É provável que as pessoas vacinadas contra a varíola humana tenham certa proteção contra a Mpox. Entretanto, é pouco provável que jovens tenham sido vacinados contra a varíola humana, já que a distribuição das doses foi praticamente interrompida em todo o mundo por ser a primeira doença humana erradicada, ainda em 1980. Mesmo vacinados contra a varíola humana, devem adotar medidas de proteção.
Recém-nascidos, crianças e pessoas com imunodepressão pré-existente correm risco de apresentar sintomas mais graves e de morte por Mpox. Profissionais de saúde também apresentam risco elevado devido à maior exposição ao vírus.
Qualquer pessoa que tenha contato próximo com alguém que apresente sintomas está em risco e qualquer pessoa com múltiplos parceiros sexuais também está em risco.
Mpox pode matar?
Na maioria dos casos, os sintomas da doença desaparecem sozinhos em poucas semanas, mas, em algumas pessoas, o vírus pode provocar complicações médicas e mesmo a morte. Recém-nascidos, crianças e pessoas com imunodepressão pré-existente correm maior risco de sintomas mais graves e de morte pela infecção.
Quadros graves causados pela Mpox podem incluir lesões maiores e mais disseminadas (especialmente na boca, nos olhos e em órgãos genitais), infecções bacterianas secundárias de pele ou infecções sanguíneas e pulmonares. As complicações se manifestam ainda por meio de infecção bacteriana grave causada pelas lesões de pele, encefalite, miocardite ou pneumonia, além de problemas oculares.
Pacientes com Mpox grave podem precisar de internação, cuidados intensivos e medicamentos antivirais para reduzir a gravidade das lesões e encurtar o tempo de recuperação. Dados disponíveis mostram que entre 0,1% e 10% das pessoas infectadas pelo vírus morreram, sendo que as taxas de mortalidade podem divergir por conta de fatores como acesso a cuidados em saúde e imunossupressão subjacente.
Como reduzir o risco de contrair Mpox?
Você pode reduzir o risco de infecção limitando o contato com pessoas que estão sob suspeita de Mpox ou que foram diagnosticadas com a doença:
- Quando se aproximar de alguém infectado, a pessoa doente deve utilizar máscara (comum ou cirúrgica), sobretudo se tiver lesões na boca ou se estiver tossindo. Você também deve usar máscara.
- Evite o contato pele a pele sempre que possível e use luvas descartáveis se precisar ter contato direto com as lesões.
- Use máscara ao manusear vestimentas ou roupas de cama do doente, caso a pessoa infectada não possa fazê-lo sozinha.
- Lave regularmente as mãos com água e sabão ou utilize álcool em gel, especialmente após o contato com uma pessoa infectada.
- Roupas, lençóis, toalhas, talheres e pratos dos infectados devem ser lavados com água morna e detergente.
- Limpe e desinfete todas as superfícies contaminadas e descarte os resíduos contaminados (como curativos) de forma adequada.
- Em países onde há animais portadores do vírus Mpox, evite contato desprotegido com animais selvagens, sobretudo se estiverem doentes ou mortos (incluindo contato com carne e sangue do animal).
- Alimentos com partes de animais devem ser bem cozidos antes de serem consumidos.