O câncer de mama figura entre os mais incidentes no Brasil, representando 10,5% das pessoas diagnosticadas com tumores malignos -  (crédito: Angiola Harry/Unsplash)

O câncer de mama figura entre os mais incidentes no Brasil, representando 10,5% das pessoas diagnosticadas com tumores malignos

crédito: Angiola Harry/Unsplash

A radioterapia, a quimioterapia e as cirurgias utilizadas no tratamento do câncer podem levar à infertilidade e, dependendo do tratamento escolhido, podem provocar até mesmo a falência ovariana. Até julho deste ano, o número de internações no SUS por câncer de mama foi de 53.343 mulheres*1. Entre elas, 5.463 tinham entre 20 e 39 anos, período de plena fase reprodutiva, quando o congelamento de óvulos é altamente indicado para preservar a capacidade reprodutiva dessas mulheres.

De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA,) o câncer de mama é o mais incidente em mulheres no país, excluídos os tumores de pele não melanoma. Para o triênio 2023-2025 são estimados 73.610 casos novos, o que representa uma taxa ajustada de incidência de 41,89 casos por 100.000 mulheres.

 

 

Segundo a Associação Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA), os riscos de infertilidade em pacientes com câncer são maiores conforme a idade da paciente avança. Isso acontece porque a quimioterapia, por exemplo, pode envelhecer o ovário em aproximadamente 10 anos e, assim, pessoas com o aparelho reprodutor feminino com idade superior a 35 anos tendem a ter mais dificuldades para preservar a fertilidade.

Por isso, quanto mais cedo a paciente for diagnosticada, mais rápido poderá tomar uma decisão junto ao médico para preservar a fertilidade, dependendo, claro, do tipo e estágio do câncer.

Segundo a médica especialista em reprodução humana Maria do Carmo Borges de Souza,  é importante saber que, dependendo da indicação de quimioterapia, a medicação pode comprometer a reserva ovariana, e o índice de mulheres afetadas nesses casos pode chegar a 80%.

 



Como preservar a chance da maternidade no câncer de mama?

 

A médica explica que o tipo de tumor e o estágio da doença podem ser determinantes para o impacto na fertilidade feminina, considerando que essas condições direcionam a necessidade e o tipo de quimioterapia, que em alguns casos provocam a menopausa precoce.

“O congelamento de óvulos antes do início do tratamento oncológico é uma estratégia para a preservação da chance de gerar filhos. Quando isso é feito, os óvulos são preservados dos efeitos quimioterápicos, conservando, portanto, sua qualidade ao momento da coleta, o que aumenta a perspectiva de sucesso da fertilização in vitro”, complementa a médica que também é membro?do Conselho Consultivo?da SBRA e ex-presidente da Rede Latino-Americana de Reprodução Assistida (REDLARA).

 

Segundo a especialista, o congelamento de óvulos é hoje a técnica mais indicada. De modo geral, uma estimulação é iniciada em média até duas semanas a partir de uma menstruação. Mas, hoje pode-se fazer este procedimento em qualquer fase do ciclo, o que agiliza a disponibilidade da paciente para o tratamento oncológico em 12 a 14 dias.

A fertilização in vitro poderia também ser opção, mas a preservação dos óvulos proporciona maior autonomia reprodutiva à paciente nas decisões posteriores para a utilização.

“Trabalhos sucessivamente publicados pelo grupo americano de OKTAY e colaboradores demonstram que as mulheres que fazem a preservação antes de uma quimioterapia não têm comprometimento de sua sobrevida, e têm maiores possibilidades de formar sua família”, explica a médica.

O congelamento de fragmentos de tecido ovariano, também pode ser considerado, embora não seja a indicação primária nestes casos.



A esperança na medicina reprodutiva

Medicamentos como o tamoxifeno ou inibidores de aromatases, entre eles Letrozol, Anastrazol, muito usados para a prevenção de recidivas do câncer de mama, podem ser parte do protocolo para estimular os ovários. Desta forma, além de participar do estímulo, protegem o tecido mamário dos efeitos do aumento do estradiol neste período de 8 a 10-12 dias.

“Uma recomendação médica bastante recorrente é a espera de dois anos antes da tentativa de uma gravidez em razão do maior risco de recidiva grave nesse período. Espera que para as mulheres com planos de gravidez pode ser comprometedora sem a proteção de um método de preservação da fertilidade. Sonhar com a continuação da vida enquanto se encara a realidade de maneira consciente e amparada é, sobretudo, para muitas pacientes, um aumento considerável da expectativa positiva sobre a doença”, diz a especialista.



Como é o congelamento passo a passo

O primeiro passo é a estimulação do ovário com medicações hormonais, injeções subcutâneas diárias por oito a 10-12 dias. Neste período são realizadas entre três a quatro ultrassonografias de acompanhamento e ajustes necessários nas doses.

Com os folículos em tamanhos adequados (maiores de 16 mm), acontece o próximo passo, que é o gatilho ou disparo da ovulação, que faz o amadurecimento final dos óvulos. Cerca de 36h depois é realizada a coleta dos óvulos, via transvaginal com sedação leve, procedimento que dura cerca de 20 a 30 minutos.

“Os folículos aspirados são avaliados no laboratório de reprodução, usualmente acoplado à sala de coleta dos óvulos, para a identificação dos óvulos maduros e de boa qualidade morfológica, que serão congelados em até 3h após a coleta. São óvulos que não perderão sua capacidade reprodutiva e nem envelhecerão pelo tempo de congelamento”, afirma o especialista em reprodução assistida Roberto de Azevedo Antunes.

De acordo com os especialistas, o resultado da fertilização com o óvulo congelado depende de diversos fatores, por isso ter óvulos congelados não é garantia de gravidez, mas uma possibilidade, visto que é preservada a idade cronológica na hora do congelamento.



* Fonte: informações da SBRA https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/relatorio_dados-e-numeros-ca-mama-2023.pdf

*1 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS)