Medicamentos não podem substituir a prática de atividade porque

Medicamentos não podem substituir a prática de atividade porque "o nosso organismo responde de maneira exata e necessária na produção dessas substâncias", destaca especialista

crédito: Wikimedia Commons

BARRA MANSA, RJ (FOLHAPRESS) - Uma nova molécula candidata a virar um fármaco, batizada como LaKe, promete reproduzir no corpo humano alguns efeitos gerados pela prática de atividade física intensa e jejum prolongado. Os estudos, entretanto, ainda estão em fase pré-clínica e foram testados apenas em animais.

 

A prática de exercícios físicos extenuantes e do jejum prolongado liberam no corpo duas substâncias que cada vez mais têm chamado a atenção de pesquisadores. São, respectivamente, o lactato e o beta-hidroxibutirato (BHB). A nova molécula, LaKe, atua como um precursor de ambas as substâncias e, quando ingerida, pode levar a um aumento de suas concentrações no organismo.

 

José Mill, pesquisador da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo) e da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), destaca que os exercícios físicos têm impacto positivo em inúmeras funções do metabolismo para além da produção de lactato e BHB. Entre elas, aumenta a sensibilidade à insulina, aumenta a massa muscular, diminui a sarcopenia e osteopenia (perda de músculos e ossos, respectivamente), melhora a autoestima e o sono.

 

 

Por isso, para o especialista, dificilmente um medicamento que venha a ser desenvolvido poderá substituir a atividade física. Apesar disso, a pesquisa pode gerar tratamentos inovadores para condições específicas no futuro. Entre elas, Mill destaca uma atuação potencial no combate à obesidade. Particularmente, o lactato e o BHB têm a capacidade de suprimir o apetite e retardar o esvaziamento do estômago. Muita pesquisa ainda é necessária, entretanto, até que seja lançado um remédio comercial.

 

 

Até agora foram realizados apenas testes em camundongos. Os animais foram divididos em dois grupos, um dos quais recebeu doses orais da LaKe e outro que recebeu placebo. Os ratos foram anestesiados durante o experimento. A substância também passou por testes in vitro, isto é, testes de estabilidade e atividade em células e tecidos humanos produzidos em laboratório, sem envolver seres vivos.

 

Nos testes in vitro, o LaKe se mostrou satisfatoriamente estável nas condições analisadas. Os resultados foram confirmados posteriormente nos estudos com os camundongos. Tanto os níveis de lactato quanto de BHB aumentaram já após 30 minutos da administração da substância.

 

Em um segundo experimento, com duração de 8 horas, os níveis de BHB mais que dobraram entre os roedores que receberam o LaKe contra aqueles do grupo placebo. Já a concentração de lactato aumentou cerca de quatro vezes, segundo a dose recebida da nova molecular. Os resultados foram publicados pela revista científica Journal of Agricultural and Food Chemistry.

 

A pesquisa foi conduzida por pesquisadores da dinamarquesa Universidade de Aarhus, que esperam avaliar em estudos futuros as respostas cardiometabólicas, hormonais e neurológicas do uso da substância.

 

Embora o lactato tenha sido considerado apenas um resíduo metabólico nos últimos séculos, hoje passa cada vez mais a ser vista como um biomarcador importante do organismo. Produzido após a prática de exercícios intensos, a molécula tem sido estudada, em primeiro lugar, como uma confirmação de desempenho em treinamentos de atletas de alto desempenho, sobretudo.

 

Mas as novas pesquisas vão além. Um artigo deste ano publicado na revista Journal of Translational Medicine mostrou que o lactato também tem propriedades capazes de modular o funcionamento cardiovascular. No trabalho foram utilizados oito porcos que receberam ou a substância ou um placebo. Em seguida, o fluxo sanguíneo e a pressão pulmonar foram acompanhados.

 

As conclusões da pesquisa revelam uma melhora nas condições entre o grupo de animais que recebeu infusões de lactato, e recomenda a realização de novos estudos clínicos dessa substância.

 

A melhoria da função cardiovascular também é atribuída ao BHB. Em um trabalho publicado no ano passado na revista JACC: Heart Failure, pesquisadores mostram também que há uma melhoria da função cardíaca de pacientes tratados com a substância. Para chegar aos dados, foram feitos exames em 13 pacientes adultos, também distribuídos em um grupo de tratamento e um grupo controle.

 

Além da melhoria das funções cardiovasculares, é atribuído a cetonas, como o BHB, a função de combustível para as mitocôndrias, nossas fábricas internas de energia. A comunicação entre diferentes células do corpo também fica, em parte, à cargo dessas substâncias.

 

Entretanto, ainda existem possíveis efeitos colaterais que ainda não foram avaliados, já que boa parte das funções metabólitas dessas substâncias são desconhecidas. Existem indícios de que o lactato pode estar envolvido no surgimento do câncer, segundo Guilherme Speretta, professor e pesquisador da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

 

Para o especialista, medicamentos também não podem substituir a prática de atividade porque "o nosso organismo responde de maneira exata e necessária na produção dessas substâncias. De forma exógena é muito difícil a gente chegar em uma dose clara e segura para toda a população".