A preocupação é porque o fungo, que tem alta resistência a tratamentos, pode ser fatal -  (crédito: CDC/Divulgação)

A preocupação é porque o fungo, que tem alta resistência a tratamentos, pode ser fatal

crédito: CDC/Divulgação

Alerta em Belo Horizonte com casos detectados de Candida auris, fungo resistente a medicamentos e responsável por infecções hospitalares que se tornou um dos mais temidos do mundo nos últimos anos. Nesta quarta-feira (16/10), a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) confirmou a doença em mais um paciente internado no Hospital João XXIII, elevando o número de ocorrências para quatro. A conclusão de exames é esperada para outras 24 pessoas, que podem ter o diagnóstico.


A origem

 

O microbiologista Hyllo Baeta explica que o Candida auris surgiu simultaneamente em três continentes, possivelmente devido a alguns fatores, entre eles o aumento da temperatura do planeta e a proliferação de poluentes, principalmente os antifúngicos. No Brasil, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a primeira infecção causada pelo superfungo foi  identificada em 2020, em Salvador.

 

 

Mas a verdade é que a origem do patógeno ainda não é conhecida com clareza. O infectologista Carlos Starling reitera que o superfungo vem sendo investigado há algum tempo pela medicina, mas não se sabe quais fenômenos estão contribuindo para o aparecimento desse fungo. "Se a causa tem a ver com mudanças climáticas, por exemplo", pondera.

 

Hyllo Baeta afirma que o Candida auris é perigoso por suas peculiaridades. “Ele pode ser multirresistente, ou seja, resiste aos antifúngicos usuais, é difícil de ser erradicado do ambiente, difícil de ser identificado, apresenta grande capacidade de causar surtos e tem alta mortalidade”, descreve.

 

Para o diagnóstico preciso, acrescenta, é necessário identificação por espectrometria de massa no MALDI-TOF ou o sequenciamento genético.

 

Circulação restrita

 

O microbiologista esclarece que o superfungo não atinge a população de forma geral, mas, essencialmente, as unidades hospitalares. “Pode permanecer por muito tempo na superfície dos ambientes, nos materiais médico hospitalares, como termômetros, superfícies de ventiladores mecânicos, bombas de infusão e no leito dos pacientes, que podem transmitir o fungo para outros pacientes. Por isso, se dissemina com certa facilidade. A persistência e a disseminação do fungo, apesar de todas as medidas de prevenção de infecção, devem-se a alta transmissibilidade, a capacidade de colonizar rapidamente a pele do paciente e o ambiente próximo a ele", elucida Hyllo Baeta.

 

Correm riscos de serem contaminados os pacientes em estado crítico, geralmente internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), ou os que estão há muito tempo hospitalizados, com muitos procedimentos invasivos.

 

“Isso não descaracteriza sua periculosidade. É preciso frear o avanço do fungo antes que ele se dissemine para outras unidades hospitalares do país, podendo vir a provocar um alto número de mortes”, pondera.

 

Conforme ainda Hyllo Baeta, algumas medidas preventivas devem ser tomadas para controlar o superfungo.  “Importante fazer a higiene das mãos, ter precaução e cuidado no contato de pacientes hospitalizados, desinfecção ambiental adequada, notificar todos os casos e implementar uma vigilância laboratorial eficiente”.

 

De acordo com a infectologista Rosana Richtmann, do Instituto Emílio Ribas, esse é um grande problema de saúde pública e muitas vezes, em caso de surto, os hospitais precisam fechar as portas para controlá-lo. A especialista conta que o Candida auris é uma "ameaça global" por ser "muito resistente aos tratamentos" e a quase todos os medicamentos, além de propiciar doenças mais graves em pacientes hospitalizados.

O que é o Candida auris?

 

O fungo pertence à família Candida, Saccharomycetaceae, e é considerado o primeiro a evoluir a patógeno humano, ou seja, a ter capacidade para se instalar e permanecer no corpo humano.

 

"A diferença dele para o resto dos fungos, e por isso que ele se torna uma ameaça global, é que é uma Cândida muito mais resistente aos tratamentos, além de se disseminar muito mais fácil nos ambientes, principalmente em hospitais", explica Rosana. Algumas cepas do fungo são resistentes às três principais classes de remédios antifúngicos, por isso é denominada de superfungo pela comunidade científica.

A primeira ocorrência do fungo em humanos foi descoberta em 2019, mas o caso ocorreu em 2009. Uma mulher japonesa foi identificada com uma doença causada por um fungo, que só foi descoberto ser o Candida auris em 2019, pelos pesquisadores Arturo Casadevali e Vincent Robert.

 

Uma das hipóteses de cientistas é que o organismo parasita do superfungo é resultado das mudanças climáticas, que aqueceram as florestas onde o Candida auris estava e o fez se adaptar de maneira mais fácil em mamíferos: primeiro em aves, depois em humanos.

 

Onde ele é encontrado?

O fungo é mais identificado em ambientes de saúde, como hospitais. No Brasil, foi encontrado pela primeira vez em um cateter usado por um paciente internado na UTI de um hospital da Bahia.

Quais são os sintomas da infecção?

Na maioria das vezes, as leveduras do gênero Candida residem na pele, na boca e nos genitais sem causar problemas, mas podem ocasionar infecções quando uma pessoa está com a imunidade baixa ou quando esse fungo invade a corrente sanguínea ou os pulmões.

No caso específico do Candida auris, ele costuma causar problemas na corrente sanguínea, mas também pode afetar o sistema respiratório, o sistema nervoso central e órgãos internos, assim como a pele.

 

O superfungo pode causar febre, calafrios, dores e até a morte do infectado, se este estiver em um dos grupos de risco. "Ele pode causar uma infecção disseminada, que chamamos de uma candidemia, que é uma doença muito grave com alta mortalidade. Mas pode também ter um quadro cutâneo, na pele ou respiratório, entre outras formas clínicas", detalha Rosana.

 

No entanto, é possível que uma pessoa seja contaminada, mas não manifeste sintomas. Esse grupo é chamado de "colonizador", que não sofre risco, a não ser se a imunidade for debilitada. No entanto, os colonizadores podem transmitir o fungo.

Qual é o grupo de risco para o fungo?

"O grupo de risco é formado por pessoas mais vulneráveis, doentes e com a saúde mais debilitada, que, em geral, estão em ambiente hospitalar ou estão nele com frequência. Quando você tem pacientes que estão hospitalizados e já tem uma doença, esse fungo é um oportunista, que acaba causando uma doença muito mais grave", pontua Rosana.

Como é a transmissão?

O fungo é transmitido de pessoa a pessoa ou por contato em superfícies contaminadas, como aparelhos hospitalares. Os fluídos biológicos de pacientes infectados ou colonizados são uma das principais formas de transmissão.

Qual é a forma de prevenção?

Rosana afirma que a prevenção deve ser feita, principalmente, pelos estabelecimentos de saúde. "É preciso que os hospitais se preparem para esse tipo de ocorrência, tenha uma comissão de controle de infecção hospitalar e crie protocolos. Além disso, a higiene do ambiente é muito importante, até mesmo a limpeza dos cateteres, de tudo que acaba precisando usar no paciente", define.

A especialista também desaconselha o uso abusivo de antibiótico "sem necessidade", para que não haja maior resistência aos medicamentos do tratamento de um possível Candida auris.

 

O Candida auris costuma ser confundido com outras infecções, levando a tratamentos inadequados. Detergentes e desinfetantes comuns não são suficientes para eliminar o fungo do ambiente. Muitas vezes, os profissionais de saúde precisam fechar alas inteiras de hospitais e aplicar produtos especiais para conseguir tornar aquele local seguro novamente para receber os pacientes.

 

Tratamento

 

O enfrentamento para Candida auris é complicado e depende conforme o grau da infecção e do sistema imunológico do paciente. Por ser resistente à maioria do antifúngicos mais usados, o tratamento pode ter limitações e apresentar problemas, com aumento do risco de efeitos colaterais, tornando-se impreciso o o estabelecimento de um tratamento ideal.

 

O combate à doença pode se basear em combinações de antifúngicos, em altas doses, ou aumento das doses dos medicamentos, segundo a necessidade de cada organismo. Autoridades de saúde sugerem iniciar um tratamento empírico.

 

A recomendação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) para pacientes adultos inicia com anidulafungina, aaspofungina ou micafungina. Deve-se considerar a mudança para anfotericina B lipossomal se o paciente não apresentar resposta clínica ou se a fungemia (disseminação sanguínea do Candida auris) persistir por mais de cinco dias.

 

Perigo

 

Desde 2022, o Candida auris faz parte da lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) de patógenos prioritários que trazem risco à saúde. Segundo pesquisadores, requer uma grande vigilância por sua alta capacidade de formar colônias e biofilmes, o que contribui para a disseminação do fungo.

 

A Anvisa esclarece que essa espécie de fungo produz "biofilmes tolerantes a antifúngicos apresentando resistência aos medicamentos comumente utilizados para tratar infecções por cândida" e até 90% das amostras de Candida auris analisadas apontam resistência ao fluconazol, anfotericina B ou equinocandinas. A identificação rápida e precisa dessa espécie é essencial para gerenciar, controlar e prevenir infecções.

A Anvisa afirma ainda que tem analisado casos suspeitos do fungo desde 2017, mas os primeiros só foram confirmados durante a pandemia. E o Brasil não foi o único a registrar infecções desse tipo nesse período ligados ao novo coronavírus.

 

Os pesquisadores que analisaram os casos listam diversos fatores de risco para o surgimento de infecções por fungos. Entre eles, diabetes, uso de múltiplos antibióticos, falência renal, uso de cateter venoso central e, no caso específico de COVID-19, o uso excessivo de corticosteroides (que tem efeito imunossupressor em neutrófilos e macrófagos, células do sistema de defesa do corpo humano).

 

E concluem: "Num futuro próximo, a superlotação e a escassez de recursos para práticas de controle de infecções, como o uso prolongado de equipamentos de proteção pessoal por falta de disponibilidade, serão um terreno fértil para que C. auris se espalhe, colonize dispositivos invasivos (como um cateter) e deflagre infecções associadas ao tratamento de saúde".

 

Reflexos do progresso

 

Análises de DNA indicam também que genes de resistência antifúngica presentes no Candida auris têm passado para outras espécies de fungo, como a Candida albicans, um dos principais causadores da candidíase (doença comum que pode afetar a pele, as unhas e órgãos genitais, e é relativamente fácil de tratar).

 

Em entrevista à BBC News Brasil em dezembro de 2020, Alessandro Pasqualotto, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e também professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), afirmou que casos de Candida auris são como "um evento adverso do progresso da humanidade".

 

"À medida que a gente progride, produz mais antibióticos, que as pessoas são mais invadidas por procedimentos médicos e sobrevivem mais, passam a surgir novos patógenos que antes não causavam doenças. E, devido à pressão dos remédios, eles surgem resistentes", disse.

"Então, o Candida auris é só a bola da vez. Assim como já foi o Staphylococcus aureus, que desenvolveu resistência à penicilina após a Segunda Guerra Mundial, depois o Enterococo resistente à vancomicina e tantos, tantos outros. Cada vez a gente tem menos antibióticos para usar e cada vez mais patógenos resistentes."

 

A resistência microbiana, que envolve fungos e também bactérias, é considerada uma das maiores ameaças à saúde global pela OMS. Ela acontece pois os microrganismos têm evoluído e se tornado mais fortes e hábeis em driblar medicamentos como antibióticos e antifúngicos, fazendo com que várias doenças já tenham poucas ou nenhuma opção de tratamento disponível.

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*Com Talita de Souza - Correio Braziliense - e informações adicionais de Mariana Alvim e Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo