Implantes hormonais têm sido utilizados com finalidade estética por muitas pessoas -  (crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Implantes hormonais têm sido utilizados com finalidade estética por muitas pessoas

crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Na última sexta-feira (18/10), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma resolução que proíbe a comercialização, a propaganda e o uso de implantes hormonais manipulados, popularmente conhecidos como “chips da beleza”. A medida é baseada em denúncias de sociedades médicas, como a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), que apontam para um crescimento de complicações entre pacientes que utilizam tais implantes, muitas vezes de maneira indiscriminada, para finalidades estéticas e com uma grande mistura de hormônios.

 

A proibição, no entanto, criou polêmica entre médicos, que defendem que a suspensão generalizada, em vez de uma regularização adequada do uso desses dispositivos, pode prejudicar pacientes que realmente se beneficiam desse tipo de tratamento, quando devidamente indicado. 

 

“A principal alegação dessas sociedades médicas contra os implantes é inquestionável e legítima. Hoje existe, realmente, um uso excessivo e abusivo desses hormônios no Brasil. Farmácias magistrais estão produzindo implantes sem nenhuma regulação e com alto viés comercial, utilizando substância sem evidências para finalidades estéticas. Porém, suspender a produção e comercialização desses implantes hormonais manipulados não é o caminho adequado para resolver a situação, o que pode causar prejuízos para pacientes com problemas que têm indicação para o uso desses implantes. Em uma analogia, essa medida da Anvisa é como proibir os carros para acabar com os acidentes de trânsito”, alerta o ginecologista, especialista em menopausa certificado pela North American Menopause Society (NAMS) e membro da International Menopause Society (IMS), Igor Padovesi.

 

 

Segundo o médico, os implantes hormonais são utilizados de maneira subcutânea e liberam continuamente hormônios, com duração que pode variar de seis meses a um ano. “Há muitos anos, esses implantes são utilizados com aprovação da Anvisa para medicamentos magistrais (hoje regulada pela RDC n. 67/2007), que não é a mesma aprovação da indústria farmacêutica tradicional. A utilização clássica é para administração de hormônios como testosterona, estradiol e gestrinona para o tratamento de mulheres na menopausa, homens com deficiência de testosterona e certas doenças ginecológicas”, explica o especialista.

 

Porém, recentemente, houve uma expansão do uso desses implantes, inclusive para outras finalidades que não o tratamento de doenças, como emagrecimento e ganho de massa muscular.  “Farmácias de manipulação começaram a produzir todo tipo de medicamento na forma de implantes, sem um embasamento científico. E, assim como em qualquer área, existem profissionais que não são éticos. Então, por ser um procedimento potencialmente lucrativo, muitos profissionais começaram a prescrever tais implantes mesmo quando não há indicação”, pontua o médico.

 

Com o aumento do uso de implantes, principalmente de maneira indiscriminada, os problemas consequentemente também aumentaram. E é inegável que essa situação precisa ser manejada.


 

O médico reforça que essa proibição generalizada dos implantes hormonais prejudica aqueles pacientes que têm indicação para o uso de testosterona e estradiol, por exemplo. “Essas são opções de tratamento para mulheres na menopausa e homens com deficiência de testosterona comprovada. O implante é apenas uma via de administração desses hormônios cujo uso só tem aumentado no mundo todo e existem evidências que comprovam sua eficácia. Por exemplo, um estudo de 2021, realizado com base em mais de um milhão de inserções de implantes hormonais de estradiol e testosterona em mais de 376 mil pacientes, mostrou alta satisfação pelos pacientes, com taxa de continuidade do tratamento de mais de 93% e baixíssimo índice de complicação, menor que 1%. Alguns pacientes simplesmente escolhem essa via de tratamento, pela comodidade ou pela não adaptação aos métodos convencionais”, pontua o especialista.

 

Igor acrescenta que outro tipo de hormônio que tem o uso prejudicado por essa medida é a gestrinona. “É um tema mais polêmico, tanto pela falta de estudos quanto pelo fato de ser muito utilizado no Brasil para finalidades estéticas. Porém, a gestrinona é usada há mais de 50 anos no Brasil como uma opção de tratamento eficaz para o tratamento de problemas menstruais e doenças ginecológicas que não melhoram com as opções convencionais disponíveis atualmente, desde que utilizado corretamente”, pontua.

 

Igor Padovesi relembra ainda que o uso offlabel, isto é, a prescrição de um medicamento para usos diferentes daqueles descritos na bula, é uma realidade em todas as áreas da medicina. “Um levantamento extenso de 2022 da biblioteca Cochrane revelou que menos de 9% das condutas em saúde são baseadas em evidências de alta qualidade”, diz o médico. E o próprio Conselho Federal de Medicina reconhece esse tipo de uso, conforme parecer de 2013, que diz que “o uso offlabel de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado”.

 

No parecer CFM n. 2/16, há o seguinte complemento: “No caso, o médico responde por eventuais insucessos, e, nessa circunstância, o sistema CRM/CFM será chamado a julgar, fazendo-o à luz de cada caso”. E a conclusão é que “ao CRM/CFM compete julgar os insucessos sob a ótica do risco a que o médico submeteu seu paciente”.

 


Como exemplo, nos Estados Unidos, a agência reguladora FDA, assim como está acontecendo no Brasil, não recomenda o uso de nenhum implante hormonal que não seja produzido pela indústria farmacêutica convencional. “Mas, ainda assim, os implantes hormonais manipulados são amplamente utilizados, com diversos médicos treinados e milhões de implantes inseridos anualmente, beneficiando inúmeros pacientes. Além disso, lá já existe inclusive o Testopel, um implante de testosterona produzido pela indústria e aprovado pelo FDA pra uso em homens”, diz Igor Padovesi, que destaca que a falta de investimento no desenvolvimento de novos produtos nessa área é outra questão que precisa ser levada em consideração. “Os principais hormônios utilizados, que são os hormônios isomoleculares ou bioidênticos, não são passíveis de serem patenteados, então não interessam à grande indústria. Ou seja, sem a possibilidade de manipulação, uma série de pacientes ficariam desamparados.”


 

Outra questão que precisa ser levada em consideração, de acordo com Igor, é a abertura desenfreada de faculdades de medicina, que não são acompanhadas pelas vagas de residência médica e inserem nesse mercado, cada vez mais concorrido, profissionais com formação deficitária. “Esses profissionais viram alvo fácil do mercado de cursos alternativos que alimentam a indústria de ‘chips’ e soros”, afirma o especialista.

 

Igor Padovesi ressalta que os implantes hormonais podem ser usados de forma séria, ética e responsável como uma opção de tratamento nos casos adequados. “Os implantes são apenas uma via de tratamento e o problema está em quem os prescreve. Quando devidamente indicados e acompanhados por um profissional sério, que inclusive deve informar ao paciente sobre as polêmicas e posicionamento das sociedades sobre o tema, os implantes hormonais são capazes de melhorar a qualidade de vida e a saúde de uma série de pacientes”, aponta o médico.


 

Posicionamento

 

Diante da ampla repercussão do assunto, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), regional Minas Gerais, manifestou preocupação sobre o tema. A presidente da entidade, Flávia Coimbra Pontes Maia, aponta a necessidade de considerar outras perspectivas científicas e médicas.

 

Ela reforça que a recente resolução da Anvisa, de 18 de outubro de 2024, que suspendeu a comercialização, manipulação, propaganda e uso de implantes hormonais manipulados, é resultado de preocupações legítimas sobre a falta de estudos científicos sólidos que comprovem a segurança e eficácia desses produtos.

 

"Não há conhecimento adequado sobre farmacocinética, níveis hormonais atingidos no sangue, real duração e desfechos a longo prazo destes implantes hormonais.  Até o momento, não existem evidências robustas que validem seu uso e, em grande parte das vezes, são usados em contextos não terapêuticos, com a promessa de melhora estética ou de performance. A prática médica deve ser baseada em evidências, e o uso não criterioso de hormônios coloca os pacientes em risco desnecessário", ressalta Flávia.

 

A presidente da SBEM salienta ainda que, em 21 de agosto de 2024, 34 sociedades médicas, incluindo a própria SBEM, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Associação Médica Brasileira (AMB), que abriga as 55 especialidades médicas reconhecidas no Brasil, enviaram uma carta conjunta à Anvisa solicitando uma regulamentação rigorosa para esses implantes, reforçando a necessidade de proteção à saúde da população.

 

"É importante destacar que, para as condições em que há indicação legítima de tratamento hormonal, como hipogonadismo, terapia hormonal da menopausa e endometriose por exemplo, existem opções farmacológicas amplamente disponíveis no mercado brasileiro e os pacientes não ficarão desassistidos. Esses medicamentos têm eficácia e segurança comprovadas por meio de estudos sérios e contam com o aval da Anvisa para comercialização", reitera Flávia.

 

O uso indiscriminado de implantes hormonais sem respaldo científico, como defendido por alguns, coloca os pacientes em risco, complementa Flávia, lembrando que "a medicina deve ser pautada por evidências sólidas, e a recente proibição da Anvisa foi uma medida de proteção à saúde pública, não uma ação arbitrária."

 

"Gostaríamos de ressaltar que a SBEM apoia a regulamentação desses tratamentos quando houver respaldo científico, mas sempre com base em diretrizes claras e em evidências que priorizem a saúde e segurança dos pacientes. Estamos à disposição para fornecer mais informações e contribuir para o debate sobre o tema e reforçamos nosso compromisso com o bem-estar e a segurança da população", diz.

 

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