Conforme a demência piora, o tratamento tende a ser dirigido para manter o conforto do paciente, ao invés de tentar prolongar a vida. Maguila morreu aos 66 anos -  (crédito: Instagram/Reprodução)

Conforme a demência piora, o tratamento tende a ser dirigido para manter o conforto do paciente, ao invés de tentar prolongar a vida. Maguila morreu aos 66 anos

crédito: Instagram/Reprodução

José Adilson Rodrigues dos Santos, o Maguila, morreu nesta quinta-feira (24/10). Ele tinha 66 anos e foi vítima de demência pugilística. A condição  identificada em boxeadores na década de 1920, e a encefalopatia traumática crônica (ETC), um termo mais recente, são consideradas como a mesma doença. O diagnóstico do ex-lutador foi em 2013. A patologia é parecida ao mal de Alzheimer, é consequência de golpes repetitivos na cabeça e acontece principalmente com ex-atletas de boxe. Maguila vivia em uma casa de repouso desde 2017.

 

O médico neurocirurgião mineiro, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Felipe Mendes, explica que a ETC é uma doença neurodegenerativa progressiva, causada por traumas repetidos na cabeça, frequentemente associada a esportes de contato (como futebol americano, boxe e MMA). A condição costuma se manifestar anos ou até décadas após a exposição a esses traumas.

 

 

"A sua principal causa é a exposição repetida a impactos na cabeça, mesmo que de baixa intensidade. Ao longo do tempo, esses microtraumas resultam em alterações cerebrais degenerativas, com destaque para o acúmulo anormal da proteína tau no cérebro, envolvida na degeneração neuronal", esclarece.

 

Os principais sinais e sintomas da encefalopatia traumática crônica, continua Felipe, incluem alterações cognitivas, como a dificuldade de memória, problemas de concentração e confusão mental, alterações de humor e comportamento, como irritabilidade, agressividade, depressão, ansiedade, impulsividade e até comportamento suicida. "Pode haver também alterações motoras, como dificuldade de equilíbrio, tremores, movimentos lentos e falta de coordenação. Além disso, é comum que o paciente sofra de alterações no padrão do sono", informa.

 

O diagnóstico é baseado na história clínica do paciente (frequência de traumas na cabeça), nos sintomas apresentados e na exclusão de outras doenças, elucida o especialista. "Exames de imagem, como ressonância magnética e testes neuropsicológicos podem ser usados para apoiar o diagnóstico, mas não são específicos para a ETC."

 

 

Não existe cura para a doença. O tratamento, diz Felipe, é focado no manejo dos sintomas, incluindo medicamentos para tratar desequilíbrios psiquiátricos, como depressão e ansiedade, terapias cognitivas para lidar com dificuldades de memória e concentração e fisioterapia para tratar alterações motoras. "Tudo isso integrado a uma equipe de apoio multidisciplinar, com acompanhamento por neurologistas, psiquiatras, geriatras e terapeutas", reforça.

 

 

Segundo o Manual MSD, fonte referência de consulta para médicos e profissionais de saúde, a encefalopatia traumática crônica também foi relatada em soldados que foram expostos a uma explosão. Além de acometer atletas universitários e profissionais do esporte aposentados, que apresentaram traumatismo craniano repetidamente (como uma concussão), os chamados traumatismos cranioencefálicos (TCEs), também surge em alguns soldados que sofreram lesão na cabeça decorrente de explosão (lesão por explosão) em combate.

 

 

Especialistas ainda não sabem por que apenas determinadas pessoas que apresentam traumatismos cranianos repetidos desenvolvem encefalopatia traumática crônica nem quantas lesões e qual a força necessária para causar a doença. Cerca de 3% dos atletas que apresentaram várias (mesmo aparentemente menores) concussões desenvolvem encefalopatia traumática crônica.

 

Sintomas

 

A doença apresenta-se como um declínio cognitivo, alterações de comportamento e sinais de doença de Parkinson, segundo artigo publicado nos Arquivos da Clínica de Psiquiatria. O cérebro é afetado por modificações anatômicas estruturais que desencadeiam os sinais e sintomas neuropsiquiátricos, podendo ser, inclusive, confundida com outros tipos de demências, entre elas a doença de Alzheimer, explica um artigo publicado na Brazilian Jornal of Devolopment.

 

Conforme o MSD, os principais sintomas são:

 

- Alterações no humor: a pessoa se sente deprimida, irritável e/ou sem esperança, algumas vezes levando a pensamentos suicidas

- Mudanças no comportamento: age de maneira impulsiva ou agressiva ou perde a paciência facilmente

- Alterações nas funções mentais: se torna esquecida, apresenta dificuldade em planejar e organizar, ou fica confusa, com chance de desenvolver demência

- Problemas com músculos: se move lentamente, fica descoordenada e/ou apresenta problemas fisicamente para produzir a fala (disartria)

 

Acometidos pela doença podem não apresentar quaisquer sintomas até uma fase posterior da vida, algumas vezes não até os 60 anos. Ou o humor e o comportamento podem mudar durante a idade adulta (por exemplo, durante os 30 anos), e a disfunção mental pode ocorrer mais tarde.

 

Diagnóstico

 

Diante de uma avaliação médica, os especialistas suspeitam de encefalopatia traumática crônica em pessoas que apresentaram diversos traumatismos cranianos, manifestam sintomas típicos da doença, ou não apresentam outra condição que melhor explique seus sintomas.

 

Normalmente é realizado um exame de imagem do cérebro, geralmente ressonância magnética, para verificar outras doenças que poderiam causar sintomas semelhantes. No entanto, nenhum teste, incluindo exames de imagem, pode confirmar o diagnóstico de encefalopatia traumática crônica.

 

A ETC pode ser definitivamente constatada apenas quando uma amostra de tecido cerebral é retirada após a morte, durante uma autópsia, e examinada ao microscópio.



Tratamento

 

Não existe tratamento específico para a encefalopatia traumática crônica. Medidas de segurança e apoio, assim como para outras demências, podem ser um auxílio. O enfrentamento da doença passa por aconselhamento e medicamentos para amenizar os sintomas. Se a demência se desenvolver, criar um ambiente seguro e de apoio pode ser útil.

 

Ainda conforme o MSD, o espaço deve ser iluminado, alegre, seguro, estável e projetado de tal forma que ajude com a orientação do paciente. Alguns estímulos, como rádio ou televisão, são pertinentes, mas estímulos excessivos devem ser evitados.

 

A estrutura e a rotina ajudam as pessoas com demência a ficar orientadas e obter uma sensação de segurança e estabilidade. Qualquer alteração no ambiente, rotinas ou cuidadores deve ser explicada de forma clara e simples.

 

Seguir uma rotina diária de tarefas, como tomar banho, comer e dormir, ajuda as pessoas com demência a lembrar das coisas. Ter um cronograma regular na hora de dormir pode fazer com que durmam melhor.

 

Atividades programadas regularmente podem auxiliar as pessoas a se sentir independentes e necessárias, concentrando sua atenção em tarefas prazerosas ou úteis, que devem incluir atividades físicas e mentais.

 

Outras medidas

 

Segundo o manual de referência médica, as pessoas com encefalopatia traumática crônica podem se beneficiar de aconselhamento psicológico, que pode ajudá-las a lidar com mudanças no humor. Os antidepressivos e os medicamentos estabilizadores de humor também podem ser aplicados, particularmente no controle de pensamentos suicidas.

 

Para ajudar a reduzir o risco de encefalopatia traumática crônica, indivíduos que tiveram uma concussão são orientados a descansar e se abster de atividades atléticas e outras por um período de tempo. Seu retorno à atividade esportiva deve ser gradual e supervisionado por um profissional de saúde.

 

Conforme a demência piora, o tratamento tende a ser dirigido para manter o conforto do paciente, ao invés de tentar prolongar a vida.

 

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia