O crescimento dos jogos de apostas on-line, popularmente conhecidas como bets, tem preocupado diferentes setores da sociedade em relação a prejuízos potenciais. Legalizadas durante o governo de Michel Temer (MDB), em 2018, o sistema de apostas avança no Brasil e traz riscos à população. Além dos aspectos econômicos, como os desafios fiscais, profissionais da saúde alertam para um problema de saúde pública ainda maior.

 

De acordo com o neurocientista e professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruno Rezende de Souza, há um grande impacto da propagação de plataformas de apostas on-line, as bets, no cérebro humano. Bruno explica que o sistema de recompensa do cérebro, naturalmente programado para buscar prazer, pode ser facilmente explorado por essas plataformas visto que a estimulação direta do sistema de recompensa leva ao vício.

 

“O processo de vício tira proveito do sistema de prazer, pois o prazer é bom. Quando existiam casas de apostas, como as lotéricas, a gente gastava energia para chegar até lá, precisávamos caminhar até lá. A maioria das vezes a gente não ganha, então há o primeiro pico de dopamina pois há a expectativa. Há a motivação, que gera um prazer por estar jogando. Quando você tira a energia de fazer as pessoas chegarem até a lotérica e coloca a possibilidade de fazer no celular, fica em segundos. Então o bets tira proveito de um sistema fisiológico natural, pois é um facilitador para conseguir prazer ”, diz o professor.

 

 

A discussão sobre o assunto ficou em alta desde a investigação, instaurada pela Polícia Civil de Pernambuco (PC-PE), que mira no cantor Gusttavo Lima e a advogada e influenciadora Deolane Bezerra devido a supostas ligações com um esquema de lavagem de dinheiro. A Operação Integration, deflagrada em setembro, examina transações financeiras suspeitas envolvendo empresas de apostas ilegais. Na última terça-feira (1/10), o Ministério da Fazenda divulgou uma lista dos sites de apostas autorizados a operar no país até dezembro, ampliando o debate da proibição.

 

De acordo com Bruno Rezende de Souza, há uma grande problemática por trás da proibição. Ele compara a medida com a proibição de drogas recreativas e álcool em outros países ao longo da história. Com a desautorização do uso de plataformas de apostas no Brasil, há o risco de aumentar a criminalidade sem resolver o problema real, que é o vício de uma grande parcela da população brasileira.

 

“O sistema das bets é inteligente, mas cruel. Igual traficantes, dão de graça no início e depois cobram. Os algoritmos ganham mais fácil um bônus no início e com mais dificuldade com o tempo. Nenhuma proibição dá certo na história, assim como a proibição de drogas em diferentes países. O Estado deveria regularizar e tirar o máximo de lucro para que fique mais difícil das pessoas apostarem, porque as pessoas querem dinheiro fácil e, assim, desestimularia as pessoas de jogarem”, comenta o neurocientista.

 

Impactos no cérebro

 

O sistema de recompensa do cérebro é quem desenvolve o vício, incluindo o vício em apostas. Esse método evoluiu para recompensar o ser humano por comportamentos essenciais à sobrevivência, como comer e reproduzir, mas pode ser "sequestrado" por atividades que proporcionam prazer intenso, mesmo que sejam prejudiciais a longo prazo.

 

 

O professor da UFMG explica que esse sistema é modulado pela dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação. Quando nos envolvemos em atividades prazerosas, o cérebro libera dopamina, o que nos faz querer repetir a experiência. O problema é que o cérebro, como aponta Bruno, é “burro", pois busca padrões de prazer mesmo onde eles não existem ou são prejudiciais. As apostas exploram essa vulnerabilidade, oferecendo a promessa de recompensas rápidas e frequentes.

 

De acordo com o neurocientista, o vício em apostas on-line pode levar os indivíduos a negligenciar outras áreas de suas vidas, como trabalho, relacionamentos e saúde, em busca da gratificação instantânea proporcionada pelas apostas. Outro ponto importante citado por Bruno é que o cérebro tende a minimizar as perdas e a superestimar as vitórias. Isto é, mesmo que uma pessoa perca dinheiro com apostas na maioria das vezes, ela se lembrará com mais intensidade das poucas vezes em que ganhou, o que a incentiva a continuar apostando.

 

O contexto social e tecnológico facilita o acesso a atividades com potencial viciante, como as bets. A combinação de fácil acesso, gratificação instantânea, algoritmos viciantes e a tendência do cérebro a minimizar perdas e superestimar vitórias cria um ciclo vicioso que pode ser difícil de quebrar, acarretando em um problema de saúde pública no Brasil.

 

Vulnerabilidade social no Brasil

 

Bruno aponta a vulnerabilidade social do brasileiro, caracterizada pela falta de acesso a opções de lazer e entretenimento, como um fator agravante para o vício em apostas on-line. Ele defende a necessidade de ações por parte do Estado para regularizar e controlar o mercado de apostas, mas, principalmente, investir em políticas públicas que promovam o bem-estar social e a saúde mental da população. O especialista ressalta que o vício em apostas é um problema complexo com raízes em fatores sociais, econômicos e psicológicos e que é essencial abordar todos esses aspectos para proteger a sociedade como um todo.

 

“Porque o brasileiro é mais vulnerável aos bets? Vulnerabilidade social. A diversidade de prazeres dificulta o vício, segundo os estudos feitos com ratos. Quando há uma competição de diversões, o vício diminui. Tudo é privatizado no Brasil, tudo custa dinheiro, ir ao cinema é caro, a pipoca é cara, tem poucos teatros, quase não existem parques”, explica Bruno.

 

A falta de investimento em cultura, lazer e espaços públicos gratuitos nas periferias e comunidades de baixa renda limita as opções de prazer e entretenimento para a população. Em contraste, os bairros de classe média alta contam com maior oferta de atividades culturais e de lazer. Essa disparidade agrava a vulnerabilidade das camadas populares ao vício em apostas online, que se torna uma das poucas alternativas acessíveis de escape da rotina estressante.

 

“Somos um país para elite. Para a população vulnerável ter uma forma de prazer ou vai ser no álcool, ou vai ser no abuso das drogas recreativas e agora a pior de todas essas drogas, o bets. O brasileiro mais vulnerável passa muito tempo em transporte público. O celular está na mão e propicia o prazer rápido. A população do Brasil é vulnerável, por isso há o pico gigante para qualquer tipo de prazer fácil”, diz o especialista.

 

Devido a essa vulnerabilidade, há ainda outro agravante. A presença de figuras públicas e influenciadores digitais promovendo bets nas redes sociais contribui para a normalização e o apelo dessas plataformas, especialmente entre os jovens. De acordo com Bruno, esses ídolos, muitas vezes, transmitem uma imagem de sucesso fácil e rápido, reforçando a falsa promessa de ascensão social por meio das apostas.

 

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