O pequeno Joaquim, filho de Isabella e Marina, nasceu com 24 semanas de gestação e hoje, com seis meses, evoluiu bem -  (crédito: Arquivo Pessoal)

O pequeno Joaquim, filho de Isabella e Marina, nasceu com 24 semanas de gestação e hoje, com seis meses, evoluiu bem

crédito: Arquivo Pessoal

Um momento que deveria ser de felicidade se torna uma aflição. Qual o sentimento de uma mãe que não pode sair da maternidade com o filho nos braços após o parto? Para muitas, uma realidade dolorosa e de incertezas. O nascimento prematuro implica desafios emocionais e físicos. Sem aviso, toda a expectativa se transforma em dias de angústia e espera nas UTIs neonatais. Os pais assistem a seus bebês lutando pela vida, e contar com apoio de equipes médicas e familiares é fundamental.

 

O casal precisa ser acolhido, e a boa notícia é que essa é uma jornada que muitas vezes acaba bem. O assunto é pertinente especificamente neste mês, o Novembro Roxo, dedicado à conscientização sobre a prematuridade, que afeta 15 milhões de bebês a cada ano em todo o planeta, segundo o Ministério da Saúde. A data oficial é neste domingo (17/11), Dia Mundial da Prematuridade.

 

 

Além de ser responsável por 70% das morbidades e da mortalidade neonatal, a prematuridade pode ter repercussão na fase infantil e adulta. Há chances de a criança apresentar sequelas, problemas neurológicos, diversas doenças, com necessidade de internação. São desequilíbrios respiratórios, metabólicos, hemodinâmicos (relacionados à circulação sanguínea), infecções sistêmicas, alterações neurológicas, hemorragia intracraniana e distúrbio ocular, entre outras doenças.

 

Prematuro é o bebê que nasceu pré-termo, ou seja, antes de completar 37 semanas de gestação. Eles são classificados de acordo com a idade gestacional. Há o prematuro limítrofe, que nasceu entre 36 e 37 semanas; o moderado, nascido entre 31 e 36 semanas; e o prematuro extremo - aquele nascido da 28ª semana para menos. É o que explica a pediatra da UTI Neonatal do Mater Dei Santo Agostinho, Ana Maria Latorre Fortes, que trabalha na unidade no hospital há 38 anos.

 

O termo médico usado para designar a chance de sobrevida, explica Ana Maria, é viabilidade. A partir do limite mínimo que a criança precisa vir ao mundo para que sobreviva, 23 semanas, a prematuridade é considerada em faixas de desenvolvimento.

 

A faixa que vai de 23 semanas a 24 é chamada zona cinzenta -  a chance de mortalidade é elevada. "Quando o bebê sobrevive, há risco de sequelas graves, como hemorragia no sistema nervoso, que pode desencadear paralisia cerebral ou microcefalia, displasia pulmonar, doença pulmonar grave, e retinopatia da prematuridade, com risco de perder a visão", diz Ana Maria, sobre esses que são os principais problemas nessas condições - os mais severos são os que envolvem os sistemas nervoso e respiratório.  

 

A prematuridade extrema é a causa individual mais frequente de morte de recém-nascidos. Além disso, os nenéns muito prematuros também correm um risco elevado de ter problemas de longo prazo, sobretudo atraso no desenvolvimento, paralisia cerebral e distúrbios de aprendizagem.

 

Entre 24 e 28 semanas, a chance de sobrevida aumenta, mas ainda existem riscos importantes, com as mesmas sequelas no caso de prematuros extremos. A partir de 27 semanas, a viabilidade é maior, esclarece a pediatra, que esclarece que, entre 24 e 28 semanas, geralmente o bebê nasce pesando entre 500 e 800 gramas, e mede entre 34 e 35 centímetros, faixas consideradas de perigo. Para efeito de comparação, um neném nascido no tempo certo pesa entre 2,5 e 2,8 quilos, medindo entre 46 e 48 centímetros, para meninas, e entre 2,8 e 3,1 quilos, com 39 a 51 centímetros, para meninos.

 

Ana Maria acrescenta que, na maioria dos casos, o prematuro fica entre três a quatro meses internado, quando nasce abaixo de 28 semanas. Depois que pai e mãe vão para a casa, a UTI neonatal fica aberta 24 horas para que estejam com o bebê, se for a vontade, inclusive para a amamentação. Para a alta, existem alguns critérios de segurança: peso de pelo menos 1,850 quilos, estar mamando tudo sem sonda há pelo menos 24 horas (amamentação materna, geralmente), e sem usar oxigênio entre cinco a sete dias, com idade gestacional de 35 semanas (completas fora da barriga). "Estudos já comprovaram que uma recém-nascida prematura evolui melhor que o menino", afirma.

 

 

Entre os fatores que influenciam no parto prematuro, segundo a médica, estão algumas doenças da mãe, como eclâmpsia e pré-eclâmpsia, descolamento ou calcificação da placenta, trombofilia (surgimento de coágulos na placenta), doenças viróticas, como zika e HIV, infecção urinária e outras infecções. "Quando a condição intra útero está ruim - o bebê para de crescer ou entra em sofrimento, por exemplo -, com cenários de risco para mãe e filho, pode ser necessário o obstetra intervir e decidir pelo parto, principalmente cesarianas, antes do tempo. São medidas para proteger os dois", diz Ana Maria.

 

A predisposição para a prematuridade não está relacionada a heranças genéticas, mas, quando o primeiro filho nasce prematuro, um eventual segundo filho tem chance de ser também, continua a pediatra. Existe ainda a influência de síndromes genéticas, que podem ser detectadas em algum momento do pré-natal, no nascimento antecipado, como as trissomias dos cromossomos 21, 13 ou 18. "Outros países autorizam o aborto caso a mãe não queira seguir com a gestação. Inclusive quando o neném dificilmente irá sobreviver após o parto", explica Ana Maria, como é o caso de bebês que não desenvolvem algum órgão vital.

 

O nascimento de um prematuro, salienta a médica, envolve toda uma família. É uma fase de fragilidade, ansiedade, incertezas e medos, essencialmente sobre como a criança vai evoluir.  É preciso que os médicos conversem com o casal, sem ilusões, e que esse casal se sinta acolhido em seu sofrimento. Ana Maria reforça que é preciso viver um dia de cada vez, para dar conta. Até que o bebê fique bem e ganhe estrutura, é um vaivém, de situações e de emoções. "Serão dias bons e ruins. É importante focar nas coisas positivas de cada dia para ter força para chegar ao outro dia. Por outro lado, é comum achar que esses bebês são frágeis. Não são, são uma fortaleza. Têm uma força de vida enlouquecedora." 

 


Milagre e fé



Para a autônoma Gleice Lopes Cini Costa, de 41 anos, e o marido, a pequena Laura é um milagre. Prematura extrema, ela nasceu com 26 semanas, pesando 610 gramas. A internação no Mater Dei Santo Agostinho durou quatro meses. Gleice conta que teve pré-eclâmpsia precoce e, no hospital, era avaliada constantemente, com monitoramento da pressão arterial e ultrassons diários.

 

"Consegui segurar a gravidez por mais uma semana, mas eventualmente tivemos que realizar um parto de emergência. O procedimento foi rápido. Em dois minutos, ela foi entubada e levada diretamente para a UTI Neonatal", relata, ela que também enfrentou complicações com o cordão umbilical, que não estava fornecendo nutrientes adequadamente ao bebê, resultando no baixo peso ao nascer.

 

Durante o tempo em que estiveram internadas, Laura passou por  várias intercorrências: hemorragia cerebral, persistência do canal arterial aberto e múltiplas transfusões de sangue, além de ter sido entubada e extubada quatro vezes.

 

"Confiamos muito em Deus, que nos fortaleceu durante todo esse período, e também na equipe do hospital, que nos deu apoio psicológico e emocional. Hoje, Laura está com um ano e dois meses, faz fonoaudiologia e fisioterapia, e está se desenvolvendo bem, sem nenhuma sequela. Graças a Deus, ela respondeu positivamente a todo o tratamento e já está começando a sentar. Estamos aproveitando cada momento juntas", diz a mãe.

 

Para a empresária Isabella de Andrade, de 39 anos, e a comerciante Marina da Luz Lampert, de 36, o intervalo entre a gestação e o nascimento prematuro de Joaquim foi de incertezas e uma única certeza: a fé. A partir de uma Fertilização In Vitro (FIV), Joaquim nasceu de 24 semanas e hoje está com quase seis meses de nascido. Pela prematuridade, a idade de desenvolvimento é de dois meses.

 

"Acordei no dia 10 de maio completando 24 semanas de gestação e tínhamos um ultrassom marcado. Eu estava sentindo dores estranhas, parecia uma indigestão. Tomei café e banho para ir ao hospital antes de fazer o exame de ultrassom, pois as dores estavam aumentando. O ultrassom estava marcado para 17h. Chegamos ao Mater Dei às 14h com contrações e dilatação. As contrações de sete em sete minutos, com duração de um minuto, e a dilatação estava com quatro centímetros. Aí começamos os procedimentos para segurar a gestação", lembra Isabella.

 

Após uma bateria de exames, uma infecção foi diagnosticada e o quadro mudou. O procedimento para a cesariana foi rápido. "Até que chegou às 22h e ouvimos um choro bem baixo três vezes. Sentimos que ele estava forte para nascer, com 798 gramas e 29,5 centímetros", conta Isabella.

 

As duas dizem que nunca imaginaram passar 112 dias na UTI neonatal. Foram vários sustos, três vezes entubado, duas cirurgias nos olhos. "Muitas incertezas, mas uma única certeza, nossa fé. Até hoje vivemos sem acreditar que ele realmente é perfeito".

 

Hoje o pequeno Joaquim está com cinco quilos e 57 centímetros. É acompanhado por oftalmologista pela retinopatia da prematuridade, mas a visão está normal. "O que temos é só agradecer a todos envolvidos e ao nosso filho por lutar todos os dias."

 

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