Alice Garcia Morais. O primeiro nome tem origem no germânico antigo. Derivado do termo "adalheidis", significa "de qualidade nobre" ou "de linhagem nobre”. Essa Alice a que me refiro não tem somente uma qualidade. Ela poderia, inclusive, ser aquela do “País das Maravilhas”, só que não. Vive a vida real, em um mundo também real. Alice não tem os dois braços, mas nem por isso se sente diferente. 

 

Os pés de Alice adquiriram flexibilidade como tempo

Leandro Couri/EM/D.A Press


Aos 12 anos, essa mineira de Nova Lima (MG) talvez já tenha vivido mais altos e baixos do que muitos adultos ou até mesmo do que muitos idosos por aí. Desde os primeiros dias de vida, ela lutou muito para viver. Sem um diagnóstico fechado, desde que nasceu foi apresentada ao mundo exatamente assim, por isso o não estranhamento.

 

 



A falta dos braços nunca foi um obstáculo para tudo o que ela gostava e queria fazer. Com menos de 2 anos, já segurava um mini-garfo entre os dedinhos do pé direito para comer pedacinhos de frutas. À medida que ia crescendo e as dificuldades surgindo, e não eram poucas, - desde pentear os cabelos até vestir-se ou coçar alguma parte do corpo - nunca se viu derrotada. Pelo contrário, transformou as asperezas da vida em habilidades. 

 


Os pais de Alice, Leda e Carlos Henrique, sempre a incentivaram a se virar sozinha

Leandro Couri/EM/D.A Press

 

Como? Fazendo com que os pés virassem pés e mãos, tornando o que parecia impossível uma atividade corriqueira. A habilidade de Alice é tanta que, se você bater um papo com ela, sentado à mesa por uns 20, 30 minutos, vai esquecer que ela não tem os membros superiores. Você não vai sentir pena ou chorar diante dela. Pelo contrário.

 



 

 

Impressionam a flexibilidade e a firmeza com que a menina segura uma garrafa de vidro de 1 litro e serve água para si. Pegar um bolo, comer ou coçar o nariz com os pés não parece nem um pouco difícil para ela. Vaidosa, Alice faz a própria maquiagem e até mesmo passar o delineador - acessório que exige a destreza de passar um lápis fininho nos olhos - ela faz com maestria. 

 

 

Leandro Couri/EM/D.A Press

Maquiagem é um dos hobbies da Alice


Quanto ao passado e à estranheza com que as pessoas - adultos e crianças - a olhavam, e ainda olham, a menina é sincera. “Não gosto. Alguns, é até bonitinho, entendo, mas uma vez uma moça me perguntou se podia me dar um abraço e eu fiquei com medo.”


Pais fortes, família unida 


A coragem de Alice para enfrentar o mundo ela herdou dos pais. Leda Cristina Garcia Morais e Carlos Henrique Teixeira de Morais, ambos servidores públicos federais, tiveram um início de casamento complexo. “Grávidos” de Amanda, hoje com 20 anos, o casal passou por várias dificuldades desde o nascimento da primeira filha.


Amanda nasceu prematura, precisou ficar internada durante um tempo porque tinha dificuldades respiratórias, além de ter que usar um bico especial porque teve fissura do palato. Além disso, se alimentava por sonda, fez algumas cirurgias, traqueostomia e quase morreu em decorrência de uma septicemia. Segundo o pai, Carlos Henrique, talvez ela precisasse passar por isso e ficar forte para receber a irmã, sete anos depois. 


Já na gravidez de Alice, os dois sabiam o que estava por vir. “Fiquei sabendo no exame morfológico. Levei um susto muito grande. Foi muito difícil pra mim, na época, mas aí buscamos conhecer a história de pessoas sem braços que se destacavam, como elas conseguiam fazer as tarefas do dia a dia”, explica Leda.

 

Desde pequena, ela já conseguia segurar um garfo com os dedos dos pés

Arquivo pessoal

 

Ela e Carlos Henrique ressaltam o fato de terem tido condições emocionais e financeiras para dar suporte às filhas. “Elas tiveram uma estrutura familiar e uma rede de apoio fortíssima”, comentam. Quando era pequena, Alice chegou a visitar um parente, nos Estados Unidos, que trabalhava em um hospital filantrópico e teve acesso a pacientes com os mesmos problemas. Talvez por isso mesmo é que Alice seja tão forte e preparada para enfrentar o dia a dia e os olhares das pessoas. “A partir de histórias de pessoas comuns também aprendemos muito.”


Alice e Gabi Neves: amizade nasceu no colégio

Leandro Couri/EM/D.A Press

 

Alice está terminando o sexto ano do ensino fundamental e estuda em um dos melhores colégios de Belo Horizonte. Tem muitos amigos, participa de todas as atividades da escola, faz balé e tem uma vida igual a meninas da sua idade, com uma única diferença: transformou sua dificuldade em exemplo, em garra. Agora é seguir firme, sem olhar para trás.  

 

 

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