O tipo mais comum de câncer de pulmão no Brasil, chamado de carcinoma de células não pequenas do subtipo adenocarcinoma (CPNPC) - corresponde a cerca de 70% dos casos - apresenta um perfil molecular diferente em brasileiros quando comparado aos americanos e europeus, aponta a pesquisa realizada pela Oncoclínicas&Co. e publicada na "JCO Global Oncology". 

 

De acordo com o estudo, a diferença na prevalência de algumas mutações “drivers” – responsáveis pela progressão do tumor e que podem ser bloqueadas com terapias alvo molecular – pode chegar a ser o dobro em comparação ao padrão verificado em outros países. Por exemplo, as fusões no gene ALK - as quais estão associadas ao CPNP, ultrapassam 6% no Brasil e estão próximas a 3% nos demais países.


Apesar de pequenas em números absolutos, essas diferenças são significativas em adenocarcinomas avançados, devido à raridade das alterações moleculares, contribuem para a progressão do câncer e que podem ser alvo de terapias dirigidas, conforme explica o primeiro autor do levantamento, Rodrigo Dienstmann, oncologista e diretor médico da OC Medicina de Precisão, unidade especializada em análise patológica e genômica da Oncoclínicas&Co. "O que nós fizemos, por décadas, foi tratar cada tipo de câncer com um protocolo único e terapias não selecionadas. Mas, com o desenvolvimento da genômica e análises como dessa pesquisa, cada vez mais entendemos melhor o tumor, como ele se comporta em cada pessoa e, conhecendo a doença, temos ferramentas mais efetivas para combatê-la", comenta.


 



 

Rodrigo enfatiza que o câncer é uma doença genética complexa e o perfil de alterações ‘drivers’ do câncer de pulmão adenocarcinoma pode ser influenciado, como o estudo sugere, não apenas por fatores ambientais como tabagismo mas também por fatores intrínsecos ligadas à herança hereditária, ancestralidade e miscigenação - que são característicos da população brasileira. "A prevenção, o diagnóstico e o tratamento precisam ser cada vez mais direcionados por um olhar de individualização e respeito às nossas características populacionais, bastante particulares se observarmos a história do nosso país". 


Perfil molecular 

 

A pesquisa foi feita a partir de um teste genômico abrangente de sequenciamento de nova geração (NGS) desenvolvido pela OC Medicina de Precisão. O teste, chamado GS180, mapeou o perfil molecular, tanto com análise de DNA como de RNA tumoral, de 180 genes relacionadas ao câncer em cerca de mil pacientes de todas as regiões do país, com maior predomínio no Sudeste, Sul e Nordeste, entre 2020 e 2022. O objetivo foi entender se a prevalência das alterações “drivers” do câncer de pulmão no Brasil é diferente de dados internacionais, e dessa forma desenvolver protocolos de teste e tratamento customizados à nossa população.


O resultado inicial apontou uma maior prevalência de mutações no gene EGFR (24%) no Brasil em comparação aos 15% registrados nos EUA e Europa. Por outro lado, as mutações KRAS G12C e BRAF V600E apresentaram menor prevalência, com 9% e 1%, respectivamente, em comparação aos 12% e 3% em outros países. “Importante ressaltar que identificar corretamente e fazer escolhas mais assertivas no tratamento é de extrema relevância para a sustentabilidade do sistema”, afirma Mariana Laloni, diretora técnica da Oncoclínicas. 


 "Todas estas alterações moleculares com perfil epidemiológico único possuem terapias alvo dirigidas aprovadas para uso no Brasil. Ou seja, sua detecção impacta diretamente nas decisões de tratamento personalizado e possibilidades de controle da doença", comenta o Breno Jeha Araújo, oncologista colaborador do estudo. 


 

Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas, explica que a dimensão do estudo realizado pode contribuir para o panorama nacional do câncer, como a incorporação de determinado medicamento alvo quando sabe-se exatamente o tamanho da população que vai utilizar aquele medicamento e o que se espera de benefício clínico”, destaca. “Logo, fica mais fácil até para subsidiar por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) a incorporação de drogas alvo dirigidas a mutações específicas. Nesse sentido, há uma implicação deste estudo muito maior que o alcance na saúde privada", complementa. 


“Se faz necessário um trabalho multidisciplinar em que radiologistas, pneumologistas, cirurgiões torácicos, oncologistas e patologistas trabalhem juntos para garantir que o procedimento de diagnóstico leve a uma amostragem suficiente para execução do teste de NGS em câncer de pulmão adenocarcinoma, com rapidez e sem falhas no processo”, comenta Leonard Medeiros da Silva, patologista molecular da OC Medicina de Precisão e co-autor do estudo. 


Câncer de pulmão

 

Os tumores pulmonares são um dos mais prevalentes em todo o mundo. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), eles representam 13% de todos os casos diagnosticados de câncer globalmente e com altas taxas de letalidade, fato intimamente atrelado ao diagnóstico tardio. Entre os brasileiros, a doença está entre os cinco tipos de câncer mais comuns e é líder do ranking dos que mais matam. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), são previstos cerca de 32,3 mil novos diagnósticos para cada ano do triênio 2023-2025. 


“Precisamos entender o perfil molecular dos pacientes locais para pensar em protocolos de diagnóstico e tratamento que façam sentido para quem vive no Brasil. A ciência deve ser entendida como o guia para as políticas de desenvolvimento de um ecossistema favorável para o cuidado dos pacientes com câncer: médicos, poder público, fontes pagadoras e indústria farmacêutica e, claro, familiares e redes de apoio”, aponta Rodrigo Dienstmann.


O diretor médico da OC Medicina de Precisão informa que, como próximos passos, a pesquisa será ampliada em uma nova fase evolutiva de análises. “Seguimos inovando com um novo painel genômico ainda mais abrangente e eficiente, em que analisamos cerca de 700 genes do câncer para um estudo ainda mais detalhado do perfil epidemiológico molecular do câncer em regiões pouco representadas no projeto inicial, como Norte e Centro-Oeste do Brasil”. 


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